Eis a mais recente contribuição da neurociência para a tranqüilidade das recém-casadas: pesquisadores da Universidade Emory, em Atlanta, nos EUA, descobriram que uma simples injeção pode fazer com que jovens sexualmente ativos prefiram sua parceira a uma outra beldade qualquer. É verdade que esses jovens eram roedores de uma espécie chamada arganaz-do-prado, e que a injeção era diretamente no cérebro. Ainda assim, soa promissor, não?
A monogamia é um desafio para quem estuda a evolução dos comportamentos sociais. Primeiro, porque ela está longe de ser a norma: menos de cinco em cada cem espécies de mamíferos preferem ser fiéis a um único parceiro. Segundo, porque a monogamia tem suas vantagens para a fêmea de espécies cuja prole nasce imatura (mãe e filhotes se beneficiam de um pai por perto para ajudar), mas, por outro lado, todo macho que “pula a cerca” tem aumentadas suas chances de deixar descendentes.
Para complicar ainda mais, imagine que, se estudar as bases cerebrais de um comportamento complexo como a escolha de um parceiro sexual já é difícil, mais complexo ainda deve ser estudar a evolução de genes associados ao comportamento que possam explicar por que algumas espécies são fiéis, outras “não são de ninguém”, e outras… bem, até que tentam.
E aqui a natureza deu uma mãozinha à neurociência, quando criou o arganaz. Arganazes são bichinhos pequenos e corpulentos, mais simpáticos do que camundongos, e existem naturalmente nas versões monógamo-e-social, representada pelo arganaz-do-campo ( Microtus ochrogaster ), e polígamo-e-livre-leve-e-solto, representada pelo arganaz-do-prado ( Microtus pennsylvanicus ). As duas versões são igualmente peludas e virtualmente idênticas ao olho incauto. Mas seu cérebro apresenta uma diferença importante: apenas o do arganaz-do-campo fica vidrado naquela fêmea com a qual ele se acasala.
Deixe um casal de arganazes juntos e, em 24 horas, eles terão copulado entre 15 e 30 vezes. Cada episódio sexual culmina na liberação do hormônio vasopressina no cérebro masculino. E aqui acontece a mágica: havendo quantidade suficiente do receptor que sinaliza a presença desses hormônios, eles levam à ativação do sistema de recompensa do animal — aquele sistema que nos faz achar uma coisa boa e querer mais dela. Como resultado, o macho passa a preferir aquela parceira acima de qualquer outra.
No entanto, a mágica só parece acontecer no sistema de recompensa do arganaz-do-campo, a espécie monógama e social. Hormônios não são o problema, já que vasopressina é liberada em quantidades semelhantes nas duas espécies durante o sexo. A única diferença está na quantidade do receptor para vasopressina, chamado V1aR, encontrada no sistema de recompensa: muito maior em espécies monógamas, como o arganaz-do-campo e o sagüi, do que em espécies polígamas, como o arganaz-do prado e outros primatas. Arganazes-do-prado podem copular à vontade, mas na ausência de V1aR suficiente, não há como o sistema de recompensa se ligar na parceira.
E aqui vem a grande questão. Se a razão da infidelidade for uma simples falta de receptor, a receita para a fidelidade seria simples: arranjar mais V1aR. Mais exatamente, uma injeção de V1aR no sistema de recompensa deveria tornar um arganaz-do-prado tão fiel quanto um arganaz-do-campo.
Foi exatamente isso o que Larry Young e sua equipe fizeram, no estudo publicado na revista Nature de 17 de junho. Inseriram o gene do V1aR do arganaz-do-campo, monógamo, em um adenovírus; injetaram o adenovírus carregado diretamente no sistema de recompensa de arganazes-do-prado virgens, adultos; e esperaram duas semanas para os animais se recuperarem da cirurgia. Enquanto isso, o adenovírus se instalava no DNA das células do cérebro dos animais e começava a produzir cópias do V1aR no seu sistema de recompensa.
Feita a manipulação genética, veio o teste: deixar cada macho passar 24 horas com uma só fêmea receptiva, e em seguida oferecer-lhe três horas de oportunidade de escolher entre ela e uma fêmea desconhecida, a versão arganaz da saia-nova-no-pedaço. Nessas condições, arganazes-do-campo, naturalmente monógamos, passam uma hora inteira colados na ex-parceira e apenas 20 minutos perto da nova fêmea. Em comparação, o arganaz-do-prado normal, que não é chegado a ficar juntinho de ninguém, fica meros 10 minutos das mesmas 3 horas colado na ex-parceira, e cinco perto da nova fêmea.
Mas não é nada que uma injeção de V1aR no lugar certo não resolva, de acordo com o trabalho do grupo. Ao mesmo tempo que a quantidade do receptor no sistema de recompensa fica três vezes maior e torna-se comparável à do arganaz-do-campo, o arganaz-do-prado adulto que recebe a injeção dá mostras de fidelidade dignas de um animal monógamo: fica oito vezes mais tempo colado na parceira do que perto da beldade desconhecida. Além disso, a fidelidade adquirida de fato depende da ativação do sistema de recompensa, já que, se ele for bloqueado previamente com uma outra droga, a parceira não recebe nenhum tratamento preferencial no dia seguinte.
O trabalho mostra que a manipulação de um único gene em uma única estrutura do cérebro é suficiente para alterar algo tão complexo quanto a preferência por uma parceira sexual. É um raro exemplo de “evolução no laboratório”. Aliás, causada por uma mudança mínima, já que o gene V1aR do arganaz polígamo é 99% semelhante ao V1aR do arganaz monógamo. As poucas diferenças estão justamente na região que controla o nível de expressão do gene, ou seja, quantas cópias do receptor serão produzidas na célula. Além disso, indivíduos de uma mesma espécie possuem versões ligeiramente diferentes do gene, e portanto quantidades diferentes de V1aR no sistema de recompensa. No arganaz-do-campo, essa variação é diretamente relacionada ao, digamos, grau de fidelidade de cada indivíduo.
Agora, ao que interessa às jovens, recém-casadas ou recém-enamoradas: existe uma variação semelhante da região reguladora do gene humano de V1aR. Claro que é bem alta a probabilidade de versões diferentes do gene determinarem as chances de seu parceiro se tornar fiel a você após uma única maratona de amor, no melhor estilo arganaz-do-campo.
E enquanto não inventam um teste para saber se tem muito ou pouco V1aR no sistema de recompensa do seu candidato a parceiro para a vida toda, eis aqui as três melhores dicas atuais da neurociência para que as leitoras tenham parceiros fiéis.
Dica número um: você pode lhe dar uma injeção caprichada de vasopressina quando ele estiver bem pertinho, olhando só para você, e ativar diretamente seu sistema de recompensa. Tem apenas um pequeno inconveniente: a injeção teria que ser diretamente no sistema de recompensa, através de crânio e tudo, já que a vasopressina do sangue não chega até o cérebro…
Dica número dois: pegar emprestado o adenovírus do Larry Young e injetar muitas cópias do gene V1aR no cérebro do seu amado. Sim, você precisaria mais uma vez enfiar uma agulha no cérebro dele. Mas o efeito teria grandes chances de ser permanente, já que o adenovírus com o V1aR é incorporado ao DNA das células do cérebro, que serão as mesmas para o resto da vida. Nesse caso, cuide apenas para ser você a primeira que ele leva para a cama após a injeção…
Por fim, eis uma dica melhor, muito mais fácil de colocar em prática e, ainda por cima, prazerosa para ambos. Se você não quiser recorrer a uma seringa no cérebro, a melhor maneira de produzir vasopressina para ativar o sistema de recompensa do seu parceiro e fazer com que seu cérebro decida que você e só você é a causa do prazer dele é… sexo, sexo, sexo. É bom, faz bem e ainda aumenta as chances do seu companheiro continuar preferindo você.
E antes que me escrevam reclamando que esta coluna foi um presente de dia dos namorados só para eles, um lembrete: arganazes-fêmeas e mulheres possuem ocitocina, versão feminina da vasopressina, também liberada durante o sexo e estimuladora potente do sistema de recompensa feminino. Ou seja: oferecer orgasmos freqüentes à parceira também é a melhor e mais prática receita para a fidelidade dela . Portanto, nada de me mandar bilhetinhos eletrônicos reclamando que eu só falei das (in) fidelidades dos arganazes machos. Vocês têm coisa melhor a fazer… não é?
Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia