Composição surpreendente

Os corais são uma das maravilhas da natureza, como bem sabe quem teve a oportunidade de mergulhar nas regiões em que eles formam recifes. Não é por menos: essas áreas compreendem uma enorme biodiversidade e compõem um dos ecossistemas marinhos mais ricos e complexos. Estimativas indicam que algo em torno de 30% das espécies que vivem nos mares de hoje – como lulas, ouriços-do-mar, moréias, polvos e muitas outras – estão diretamente associadas aos corais.

Também no passado os corais tiveram grande importância. O registro mais antigo já encontrado da existência desses seres data do Ordoviciano, há cerca de 450 milhões de anos.

Duas das três ordens em que os corais podem ser divididos se extinguiram no Permiano, há aproximadamente 250 milhões de anos. Os corais do grupo dos tabulados tinham 280 gêneros e não possuíam septos bem desenvolvidos. Alguns deles se fixavam no fundo, formando colônias, e, juntamente com algas calcárias e outros organismos marinhos, eram importantes componentes dos recifes paleozóicos.

Já os corais rugosos, também conhecidos como tetracorais, eram mais diversificados – havia cerca de 800 gêneros nesse grupo. Eles possuíam um exoesqueleto bem desenvolvido e denso, composto pelo mineral calcita. Não existem evidências de que eles formassem recifes extensos durante o Paleozóico.

O terceiro e último grupo – e o de maior interesse, já que seus representantes ainda são encontrados nos mares atuais – é o dos corais escleractíneos, também chamados de hexacorais. Esses organismos surgiram no Triássico, há cerca de 240 milhões de anos, após a extinção dos demais grupos de corais, e hoje em dia formam extensos recifes distribuídos pelas costas de diversos países.

No Brasil, esses corais são encontrados desde o Maranhão até o sul da Bahia. A colônia mais famosa do mundo é a Grande Barreira de Corais na Austrália, que abrange uma área de aproximadamente 350 mil m 2 .

O grupo dos corais escleractíneos é muito importante para a paleontologia, pois eles se formam sob condições bem especiais. Primeiramente, precisam de águas limpas e rasas, sendo raros os recifes de corais com mais de 50 metros de profundidade. A temperatura da água onde melhor se desenvolvem é superior a 18˚C – por isso tendem a ser encontrados em regiões costeiras de ambientes tropicais e subtropicais. Devido a esse padrão, a ocorrência de fósseis de corais desse grupo indica que o depósito se formou em águas rasas, próximo da costa, em um ambiente com temperatura da água elevada.

Formação dos recifes de corais
De forma simplificada, os corais constroem um “esqueleto” (o exoesqueleto) formado por um carbonato de cálcio. As larvas se fixam em um substrato adequado e, a partir dali, vão precipitando o mineral, formando seu exoesqueleto. Essa precipitação é continua e, por isso, eles tendem a crescer em direção vertical. Em geral, constituem colônias, formando, assim, recifes.

O mineral usado na formação do exoesqueleto dos corais modernos é a aragonita – ao contrário dos corais tabulados e dos rugosos, que usavam predominantemente a calcita. A aragonita é um mineral estável nos ambientes atuais, mas tende a ser substituída pela calcita quando o organismo é fossilizado.

Já foram levantadas suspeitas de que alguns fósseis de escleractíneos poderiam ter tido seu exoesqueleto formado por calcita. Apesar disso, a maior parte dos estudiosos acreditava que esses corais mudaram pouco durante sua história evolutiva, tendo a aragonita como matéria básica de seu exoesqueleto.

Agora, esse consenso foi abalado por um estudo do grupo de pesquisadores liderados por Jaroslaw Stolarski, da Academia Polonesa de Ciências. A equipe encontrou corais escleractíneos fósseis cujo exoesqueleto era formado por calcita, e não por aragonita. Os pesquisadores analisaram corais do gênero Coelosmilia encontrados em depósitos do Cretáceo Superior da Polônia, com idade aproximada de 70 milhões de anos.

Para se ter certeza de que a calcita era original – isto é, que não tinha se alterado após a fossilização do material a partir de aragonita –, os pesquisadores analisaram detalhadamente a microestrutura cristalina e a composição do exoesqueleto do coral. Se a calcita não tivesse sido original, argumenta a equipe, somente as estruturas anatômicas mais grosseiras teriam se preservado – e não os detalhes microscópicos, como era o caso dos exemplares estudados. Essas estruturas são, inclusive, idênticas às de corais escleractíneos atuais, como os do gênero Desmophyllum.

Qual a importância desse achado, publicado na Science recentemente? Entre outros fatores, a descoberta mostra que os corais se adaptaram no decorrer de sua história evolutiva, podendo ter variado a formação de seu exoesqueleto, que deveria ter inicialmente se constituído de calcita.

Houve mudanças na composição química dos mares ao longo do tempo, o que se refletiu nos corais, que passaram a depositar aragonita, tal como ocorre nos dias de hoje. O estudo ajuda a explicar a própria origem do grupo dos corais modernos – que pode ter se dado a partir de alguma forma de coral existente no Paleozóico, cujo exoesqueleto era formado por calcita, exatamente o mineral encontrado no material da Polônia. Esta é mais uma contribuição da paleontologia para explicar este enorme quebra-cabeça que é a evolução da vida no nosso planeta…

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
07/12/2007

 

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Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Uma ocorrência rara no registro fóssil foi encontrada por Cristina Vega-Dias e Cesar Schultz, das Universidades Federais do Paraná e do Rio Grande do Sul, respectivamente. A dupla identificou evidências de interação presa-predador em depósitos do Rio Grande do Sul do Triássico Superior, com cerca de 210 milhões de anos. Eles coletaram ossos pertencentes a animais do gênero Jachaleria, conhecidos como dicinodontes (grupo primitivo que se encontra na linha evolutiva dos mamíferos). Alguns fósseis exibiam sulcos e perfurações que puderam ser identificadas como marcas de predação. Apesar de não poder determinar o predador, os autores concluíram que não se tratava de um dinossauro, mas possivelmente de outro réptil mais primitivo. O estudo foi publicado na PaleoBios.
Um novo dinossauro carnívoro da Argentina foi descrito por Ruben Martinez, da Universidad Nacional de la Patagonia San Juan Bosco, e por Fernando Novas, do Museu Argentino de Ciencias Naturales. Chamada Aniksosaurus darwini, a nova espécie alcançava dois metros de comprimento e foi encontrada em rochas da Formação Bajo Barreal, na região de Chubut, formadas entre 91 e 95 milhões de anos atrás. O Aniksosaurus representa uma forma remanescente de um  grupo chamado de Coelurosauria, muito comum na Ásia e em outras partes do mundo, mas relativamente raro na América do Sul. A pesquisa foi publicada na Revista del Museu Argentino de Ciencias Naturales.  
Um grupo de pesquisadores de diferentes áreas liderados por Paul Sereno, da Universidade de Chicago (EUA), conseguiu reconstruir o crânio do saurópode Nigersaurus taqueti, encontrado na África. Eles concluíram que esse dinossauro herbívoro tinha o crânio bastante inclinado e possivelmente pastava se alimentando de plantas que estavam rentes ao solo, e não de folhas nas copas das árvores, como se supunha antes. O estudo foi publicado pela PLoS One.
Um livro retrata a pesquisa realizada com trilobitas – grupo de artrópodes marinhos extintos muito comuns durante o Paleozóico, entre 540 e 250 milhões de anos atrás. Editado por Donald Milulic e Joanne Kluessendorf e publicado pela Universidade Estadual de Nova York, Fabulous fossils – 300 years of worldwide research on Trilobites reúne vários artigos sobre esse grupo. O volume inclui um histórico dos estudos feitos no Brasil, escrito por Renato Guilardi e Marcello Simões, vinculados à Universidade Estadual Paulista de Bauru e Botucatu, respectivamente.
Pesquisadores da Índia sob a coordenação de G. Prasad, da Universidade de Jammu, descreveram o primeiro ungulado do Cretáceo Superior (há 65 milhões de anos) encontrado na região central daquele país. Descrita a partir de apenas um dente molar, a espécie Kharmerungulatum vanvaleni representa o mais antigo registro desse grupo, que reúne os principais mamíferos herbívoros do Cenozóico, muitos presentes nos dias de hoje, como bois e cervídeos. A pesquisa foi publicada na Nature.
A Cretaceous Research publicou um estudo coordenado por William Kennedy, do Museu de História Natural da Universidade de Oxford (Reino Unido), sobre uma importante fauna de bivalves e amonitas da região centro-norte da Turquia. Procedentes da Formação Davutlar, os fósseis desses organismos permitiram determinar a idade daqueles depósitos como sendo da parte final do Campaniano (há cerca de 73 milhões de anos) e comparar os achados com outros depósitos similares do mundo.