Você acreditaria se lhe dissessem que a probabilidade de você abrir mão de dinheiro depende de que rostos você acaba de ver? Pois, se você for homem, pode ir acreditando. Mulheres, tomem nota: segundo estudo publicado em dezembro pelos psicólogos Margo Wilson e Martin Daly, da Universidade McMaster, no Canadá, ver fotos de moças bonitas deixa os homens mais perdulários.
Wilson e Daly pediram a voluntários que vissem algumas fotos e, em seguida, ofereceram-lhes uma escolha financeira ’simples’: eles prefeririam, como pagamento pela participação no estudo, ganhar 30 dólares no dia seguinte ou 50 dólares dali a uma semana? Diz a matemática financeira que, se a inflação não for um problema, a escolha mais sensata é a segunda.
Esta, aliás, é a base das aplicações financeiras: ao invés de ficar com seu dinheirinho no bolso, bem pertinho de você e embaixo dos seus olhos, aconselha a lógica (e os banqueiros) deixá-lo no banco, onde ao final de um ano você terá… com sorte, quem sabe uns 2 % a mais, descontada a inflação, as taxas administrativas e a angústia de pensar que um novo Collor poderia confiscar tudo.
E no entanto você deixa o dinheiro no banco, ou prefere esperar uns dias para receber um pagamento maior. Psicólogos chamam isso de ’gratificação retardada’. Tem até quem ache que a capacidade de esperar por um prêmio maior é uma demonstração de inteligência emocional — principalmente em crianças, quando confrontadas com o equivalente que elas entendem: você prefere ganhar um biscoito agora ou o pacote inteiro daqui a quinze minutos? (Tá certo que esta segunda alternativa geralmente é apresentada às crianças seguida de um nada generoso “Se você fizer o que eu quero…”).
Voltando ao assunto: homens e mulheres tendem a fazer escolhas ’inteligentes’ e costumam preferir os 50 dólares daqui a uma semana aos 30 na mão amanhã. Mas os homens, e não as mulheres, são influenciáveis por um rostinho bonito. Após ver fotos de moças bonitas (moças mais-ou-menos não funcionavam!), o contingente masculino do estudo parecia mandar passear a tal da gratificação retardada e preferia receber o prêmio menor amanhã do que o dobro na semana seguinte. Já as mulheres permaneciam estóicas na sua decisão — muito sensata, diga-se de passagem — de esperar mais pelo pagamento maior, não importa quão bonitinho fosse o rosto dos moçoilos das fotos.
Como isso acontece? O estudo abordou somente o lado comportamental da coisa, mas já dá para adiantar especulações. Ver imagens de mulheres bonitas sabidamente ativa o sistema de recompensa, aquele que tanto premia comportamentos que renderam bons resultados quanto nos faz querer mais do que foi bom no passado, e o mesmo sistema entra em ação com a perspectiva de ganhar dinheiro — ou qualquer outro prêmio, na verdade.
Portanto, ver um rosto bonito deve mexer com o sistema de recompensa masculino de um jeito que a escolha financeira dos homens acaba ficando de alguma forma alterada logo em seguida. O que não é, aliás, necessariamente ruim: já tem quem diga que a súbita ’perdularidade’ masculina aumenta as chances de se conquistar aquela mulher bonita…
(Se você quiser fazer uma versão caseira do experimento e testar quão influenciável são seus amigos ou seu marido, as fotos usadas no estudo estão disponíveis para sua avaliação no site How Hot Am I? (traduzindo educadamente, algo como “Quão atraente eu sou?”). O site, por sinal, é hilário, com fotos de pessoas bonitas e de outras nada atraentes. Aliás, visitar o site deve mesmo mexer com o sistema de recompensa: curiosamente, depois que você começa a dar notas para as fotos é difícil parar…)
O estudo, como tantos outros, foi feito com estudantes universitários, a presa mais abundante e disponível dos laboratórios de pesquisa. É verdade que talvez eles não sejam exatamente representativos do homem médio. Mesmo assim, os resultados encontrados por Wilson e Daly são interessantes e extremamente convidativos a especulações — movidas no meu caso, admito, pela perspectiva de soltar meu marido, já naturalmente perdulário, num shopping em época de natal. Feitas as ressalvas, lá vão alguns conselhos — totalmente especulativos, repito, mas possivelmente úteis:
– homens, coloquem seu dinheiro nas mãos das suas mulheres!
– investimentos de alto valor devem ser feitos por mulheres, e não pelos maridos — principalmente se o gerente do banco for na verdade a gerente, e ainda por cima bonita;
– se você for homem, estiver indo às compras e não quiser torrar todo o dinheiro que está na sua carteira e o que não está também, um conselho: fuja das vendedoras bonitas!!!
– finalmente, se aquela moça da propaganda for tão bonita que você, homem, fique com uma vontade súbita de tirar do banco aquele dinheiro que vai render 2 % de juros daqui a um ano e comprar o relógio, carrão ou cobertura que ela está anunciando, o melhor conselho da neurociência por enquanto ainda é o mesmo: ficar bem quietinho, para ver se a vontade passa…
Proceedings of the Royal Society London B, dezembro de 2003.
Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia