Corra, Stevens, corra

Enquanto jovens, não nos preocupamos com o tempo. Daqui a pouco mais de uma semana completarei 40 anos e o que parecia distante torna-se realidade: estou envelhecendo. “Inexorável!”, acrescentaria meu pai.

Tenho muitos motivos para comemorar a data, mas o melhor presente seria interromper, ou ao menos reduzir, a velocidade com que meu organismo vem perdendo a jovialidade de outrora. Seria possível?

Trabalhos científicos publicados nos últimos meses confirmam de forma contundente que o melhor antídoto antienvelhecimento continua sendo a prática de exercícios físicos.

A desaceleração no processo de desgaste do corpo pela atividade física aconteceria das mais variadas maneiras.

À la Benjamin Button

Uma delas seria evitando as alterações nas sinapses decorrentes do envelhecimento. Sinapses são regiões onde neurônios se comunicam entre si e com células musculares.

Quando essa comunicação é interrompida ou reduzida, o que pode ocorrer como consequência de um trauma, doença ou envelhecimento, os músculos atrofiam. De fato, idosos possuem alterações estruturais em suas sinapses quando comparados a indivíduos jovens.

Sinapse
Sinapses são regiões onde neurônios se comunicam entre si e com células musculares. Exercícios físicos podem evitar alterações nas sinapses decorrentes do envelhecimento e, consequentemente, manter os músculos saudáveis por mais tempo. (foto: Alexander Shirokov/ Sxc.hu)

Pesquisadores do Instituto Salk, nos Estados Unidos, fizeram com que camundongos idosos passassem a realizar exercício físico voluntário. Camundongos vivem em média 24 meses, mas a prática de atividade física, mesmo aos 22 meses de idade, reduziu as alterações nas sinapses causadas pela velhice.

A explicação para esse curioso caso de Benjamin Button estaria nas proteínas, chamadas fatores tróficos, produzidas pelo próprio organismo após o exercício, o que fortaleceria a comunicação músculo-neurônio nos camundongos anciãos. É fascinante perceber que por mais sutis que sejam as alterações causadas pelo envelhecimento, elas podem ser revertidas, ao menos parcialmente, com uma boa corrida.

Mais exercício, mais neurônio

Essa mesma atividade física que fortalece a comunicação entre sistema nervoso e músculos também é capaz de transformar o cérebro, estimulando a criação de neurônios numa região conhecida como hipocampo, relacionada à memória e ao aprendizado.

Tal relação, entretanto, é menos surpreendente do que parece. Qualquer animal aprende ao explorar um novo ambiente, quando busca comida e parceiros. Todo o estímulo cognitivo que recebe está necessariamente relacionado a uma atividade física. Faz sentido, portanto, que o aumento da capacidade cognitiva e movimento estejam intimamente relacionados.

Cientistas alemães e suíços sugerem que, quando nos movimentamos, células-tronco do hipocampo são estimuladas a se transformar em novos neurônios que, por conseguinte, contribuiriam para a formação de novas memórias e aprendizagem.

A atividade física seria uma forma simples de preparar o cérebro para receber um estímulo cognitivo complexo

Em outras palavras, a atividade física seria uma forma muito simples de preparar o cérebro para receber um estímulo cognitivo complexo. Na prática, exercitar-se permitiria a criação de uma “reserva estratégica” de neurônios no hipocampo, que seriam recrutados conforme aprendêssemos algo novo.

Quanto mais exercícios, mais neurônios, cuja sobrevivência dependeria de estímulos cognitivos, ou seja, da experiência vivenciada pelo indivíduo logo após o exercício. É por isso que o exercício físico seguido de leitura reforçaria ainda mais as redes neurais do hipocampo, facilitando o aprendizado.

Mais estresse, menos neurônio

Por outro lado, há evidências de que hormônios relacionados ao estresse, como os glicocorticoides – sendo o cortisol o mais conhecido – reduzem a formação de novos neurônios no hipocampo.

Camundongos idosos apresentam queda na taxa de neurogênese – processo de formação de novos neurônios – relacionada justamente com o aumento nos níveis desses hormônios, o que, por sua vez, correlaciona situações de estresse e envelhecimento. Uma maior quantidade de receptores para glicocorticoides nos neurônios de animais idosos explicaria a maior sensibilidade do cérebro ao estresse durante a velhice.

Esse mesmo estresse também encurta telômeros – sequências repetitivas de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos da mesma forma que ponteiras plásticas protegem as pontas de nossos cadarços. Os telômeros funcionam como ponteiros de um relógio biológico, definindo o momento em que uma célula entra em senescência ou, em outras palavras, quando começa a envelhecer. São os principais biomarcadores da velhice. Quanto mais curtos os telômeros, mais velho o indivíduo.

Estresse
O estresse tem efeitos nocivos na cabeça e no corpo. Além de reduzir a formação de novos neurônios no cérebro, faz as pessoas parecerem mais velhas. Esses impactos podem ser revertidos com a realização frequente exercícios físicos. (foto: Barbara Reddoch/ Sxc.hu)

Para impedir o encurtamento de seus telômeros, células precisam produzir uma enzima chamada telomerase. A telomerase é capaz de adicionar sequências de DNA nas extremidades dos cromossomos, prevenindo assim a perda progressiva dos telômeros e desacelerando o tic-tac desse relógio biológico.

Já reparou que indivíduos muito estressados aparentam ser mais velhos do que realmente são? Enquanto o estresse reduz o tamanho dos telômeros, a atividade física os mantém longos. É fácil concluir, portanto, que um adulto fisicamente ativo está mais protegido do estresse do que um adulto sedentário. E o motivo parece estar na atividade da telomerase.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia demonstraram que indivíduos cronicamente estressados apresentam menor atividade da telomerase, mas a prática de exercícios físicos ativaria novamente a enzima, impedindo o encurtamento dos telômeros.

Para finalizar, revisitemos rapidamente o tema de estreia da coluna Bioconexões. Camundongos esquizofrênicos apresentam déficits de comportamento, redução da neurogênese no hipocampo e menor atividade da telomerase em suas células-tronco do cérebro. Quando esses animais são estimulados a realizar exercícios físicos voluntários, há um resgate de sua neurogênese e redução dessas alterações comportamentais.

A forma mais eficaz de atrasar o relógio da vida é manter o corpo em movimento

A conclusão que podemos tirar é que exercícios físicos reduzem muitos déficits associados tanto ao envelhecimento quanto ao estresse, da mesma forma que aliviam os sintomas de transtornos mentais, mais especificamente da esquizofrenia. São diversos os seus mecanismos de ação, desde o fortalecimento das sinapses até a redução do encurtamento de telômeros nas células-tronco neurais.

A forma mais eficaz de atrasar o relógio da vida é, portanto, manter o corpo em movimento. Minha esposa prometeu presentear-me com um novo par de tênis no dia do meu aniversário. Será um bom começo.

Stevens Rehen
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro