Uma antiga discussão voltou à tona neste ano: como se pode evidenciar o processo evolutivo denominado seleção sexual em organismos extintos? Jovens pesquisadores como Robert Knell e David Hone (Queen Mary University, Londres) têm apontado elementos que favorecem o reconhecimento da seleção sexual em fósseis, evidenciada pela presença de estruturas aberrantes como cristas e chifres encontrados em algumas espécies de dinossauros e pterossauros.
Por outro lado, Kevin Padian (University of California, Berkeley) e John Horner (Montana State University, Bozeman) alertam para a dificuldade de reconhecer esse processo evolutivo em vertebrados extintos e preferem acreditar que eventuais estruturas aberrantes teriam se desenvolvido para funções que não necessariamente estariam ligadas à seleção sexual, como o reconhecimento de espécies. Este é um daqueles assuntos espinhosos e difíceis de serem tratados nos estudos sobre fósseis…
A seleção sexual
Inicialmente, temos que definir o que se entende por seleção sexual. Este é um dos mais interessantes conceitos introduzidos pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) e, de uma forma simplificada, pressupõe que algumas características podem ser selecionadas durante o processo evolutivo por trazerem uma vantagem ao seu portador em relação à melhora de sua performance na competição com indivíduos do mesmo sexo para fins reprodutivos e não por questões de sobrevivência.
Um dos mais conhecidos exemplos são as penas da cauda do pavão, presentes no macho, mas não na fêmea. Quanto maior e mais ‘bela’ essa cauda, mais fêmeas para a cópula o macho atrai. Outros exemplos muito usados são a plumagem exuberante dos machos das aves-do-paraíso, a juba dos leões e as galhadas dos cervídeos do sexo masculino.
Nunca é demais salientar que essas disputas com fins reprodutivos podem se dar basicamente de duas formas, que têm efeito distinto nos traços morfológicos selecionados. A primeira é denominada seleção intrassexual, onde há uma competição direta entre machos para dominar determinado rebanho e, assim, possibilitar o acasalamento com um maior número de fêmeas. Tal situação acaba selecionando características como chifres ou galhadas, ‘armas’ que podem ser utilizadas em combates.
Já na disputa conhecida como intersexual, a estratégia adotada pelos machos é a de se tornarem mais atraentes para as fêmeas. Esse tipo de seleção sexual facilita o desenvolvimento de coloração distinta do pelo ou das penas, que também podem se tornar de grande tamanho, como ocorre no já citado caso do pavão.
- Reconstituição de um macho de ‘Pteranodon longiceps’ durante o voo. Pesquisadores debatem se o desenvolvimento da crista do animal se deve à seleção sexual. (imagem: Matt Martyniuk/ Wikimedia Commons – CC BY 3.0)
Como também existem fósseis com estruturas exuberantes, estas estariam, segundo alguns paleontólogos, ligadas à seleção sexual. Os principais candidatos a possuírem estruturas com essa finalidade são pterossauros como Pteranodon, que tem cristas cranianas desenvolvidas, e diversos dinossauros do grupo Ceratopsia, que têm chifres ou extensões cranianas, como o Achelousaurus.
O debate
Em um artigo extenso publicado em 2012 no periódico Tree, Robert Knell e colegas discutiram como estabelecer evidências do processo de seleção sexual em organismos fósseis. Eles fizeram uma revisão bem competente e apresentaram muitos exemplos, destacando os chifres e as projeções cranianas nos dinossauros ceratopsídeos.
No entanto, o grupo de pesquisa liderado por Kevin Padian levantou uma série de problemas para que se descubra se determinada característica anatômica se desenvolveu com o objetivo de proporcionar uma vantagem na obtenção de mais fêmeas para o acasalamento. O ponto principal é a questão da amostragem. Infelizmente, a quantidade de indivíduos que podem ser atribuídos com segurança a uma mesma espécie é extremamente reduzida. Ademais, é raríssimo existir populações onde essa variação de traços fixados em machos devido à seleção sexual poderia ser analisada. Muitas vezes essas estruturas exuberantes estão presentes em apenas um único indivíduo.
- Crânio de ‘Achelousaurus’, dinossauro ceratopsídeo encontrado em rochas do Cretáceo Superior (entre 99 milhões e 600 mil e 65 milhões e 500 mil anos atrás) nos Estados Unidos. Suas projeções cranianas, segundo alguns pesquisadores, têm função reprodutiva. (foto: Museum of the Rockies – CC BY-SA 2.0)
Outro problema, que pode ser considerado ainda maior, é o fato de não se poder estabelecer com um bom grau de certeza o sexo de determinado fóssil. Logo, como podemos separar machos e fêmeas? Apenas a robustez dos ossos – característica mais comumente usada nessa diferenciação – não é suficiente, uma vez que não se sabe o estágio de desenvolvimento (ontogenético) em que o indivíduo se encontrava quando foi fossilizado.
E, na opinião de Kevin Padian e outros pesquisadores, para se aventurar a discutir se uma característica foi ou não perpetuada na espécie devido à seleção sexual, é preciso que existam provas convincentes de dimorfismo sexual, isto é, machos e fêmeas com características morfológicas distintas. Algo como a cauda do pavão, por exemplo.
Robert Knell e colegas continuam debatendo, mas o fato é que não é fácil determinar que feições vistas em fósseis são originárias desse interessante processo denominado seleção sexual. O argumento mais importante levantado por esses autores está no fato de que, se a seleção sexual é observada amplamente nos dias de hoje, então certamente deveria ocorrer também no passado. O problema, agora, é procurar estabelecer parâmetros e metodologias para diminuir o grau de incertezas. E, claro, procurar mais fósseis.
Enquanto isso, pterossauros e dinossauros com cristas e projeções distintas nos crânios continuam sendo encontrados. Quem sabe é descoberta uma concentração fóssil com um número razoável de indivíduos bem preservados que possam ser atribuídos a uma mesma população…
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia
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A Universidade Federal do Acre (UFAC) acaba de comemorar 30 anos de pesquisas paleontológicas. Para marcar o evento, além de palestras proferidas por pesquisadores que realizaram estudos com fósseis da região, a instituição apresentou em seu museu a exposição de um ‘jabuti’ gigante. O exemplar foi encontrado em depósitos do Mioceno (8 milhões de anos atrás) famosos na região por preservarem diversos animais de grande porte.
A jornalista Mariana Alcântara está fazendo um estágio voluntário no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, Portugal. Ficou bastante animada com duas exposições que estão em cartaz: uma sobre os dinossauros em geral, onde o visitante aprende um pouco mais sobre esse grupo de répteis; e outra sobre o predador Allosaurus, típico dos Estados Unidos e que foi encontrado também em Portugal.
Alan Feduccia (University of North Carolina, Carolina do Norte, EUA) publicou no início do ano uma revisão sobre a discussão da origem das aves a partir dos dinossauros. Feduccia, um dos mais tradicionais pesquisadores que se opõem a essa hipótese, apresenta no artigo publicado na Auk interessantes considerações sobre as protopenas.
Por falar em penas, Xiaoting Zheng (Linyi University, Shuangling, China) e colegas descobriram nos famosos depósitos do Cretáceo (entre 125 e 120 milhões anos atrás) de Liaoning (China) um novo exemplar da ave fóssil primitiva Sapeornis. Nesse material, pode ser observada a presença de penas nos membros posteriores, o que faz aumentar o número de aves com potencialmente ‘quatro’ asas. A descoberta foi publicada na Science.
Bo Chen (Universitat Erlangen-Nuremberg, Erlangen, Alemanha) e colegas publicaram na Gondwana Research um estudo em que analisaram, com base em isótopos recuperados de conodontes (grupo de vertebrados primitivos extintos), o volume de gelo existente na região Sul da China, no Irã e nos Estados Unidos durante o Permiano (entre 290 e 248 milhões de anos atrás). A pesquisa permitiu estabelecer variações ambientais mais detalhadas para esse período geológico.
Michael Foote (University of Chicago, Chicago, EUA) e Arnold Miller (University of Cincinnati, Ohio, EUA) publicaram na Paleobiology um interessante estudo sobre a sobrevivência de organismos marinhos. Os autores procuram explicar quais são os fatores que fazem com que certos gêneros sejam limitados a uma faixa temporal e possuam uma única espécie com distribuição restrita, enquanto outros tenham uma sobrevivência e diversidade maiores e estejam dispersos por áreas bem mais amplas.