Descoberto o décimo-primeiro dinossauro brasileiro

Atrasado para mais uma partida de bocha (jogo típico em áreas de colonização italiana), o Sr. Tolentino Flores Marafiga andava com passo apertado por uma pequena estrada na região de Água Negra entre as cidades São Martinho da Serra e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Era uma ensolarada tarde de maio de 1998 e a estrada estava sendo recuperada por uma máquina niveladora.

De repente, o aposentado observou no acostamento algumas “pedras” de coloração amarronzada que se assemelhavam a ossos, embora fossem bem mais pesadas. Ele telefonou para a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), situada na cidade homônima. Juntamente com alunos, o geólogo Átila da Rosa, professor da UFSM, organizou uma visita ao local e constatou a presença de um esqueleto fóssil. Ainda naquele mês, ele entrou em contato com especialistas do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ), que auxiliaram na coleta do material. Estava descoberto um novo dinossauro do Brasil: mas de que espécie se tratava?

A resposta só viria seis anos depois. Nesse ínterim, foi feito o estudo geológico do local onde o fóssil foi escavado, um delicado trabalho de preparação ‐ que envolveu a recuperação de parte do material quebrado pela máquina niveladora ‐ e a comparação com dinossauros encontrados em outras partes do mundo. O estudo levou a uma conclusão: os ossos pertenceram a uma nova espécie de réptil herbívoro. Estava descoberta a 11 a espécie brasileira de dinossauro.

O estudo, que acaba de ser publicado na revista Zootaxa , foi realizado por Luciano Artemio Leal, aluno de doutorado do programa de Pós-Graduação de Zoologia do Museu Nacional, e contou com a colaboração de pesquisadores da UFSM e do Museu. O novo dinossauro foi denominado de Unaysaurus tolentinoi : na língua tupi, unay significa ‘água negra’; saurus significa ‘lagarto’ em grego; tolentinoi é uma justa homenagem ao descobridor do fóssil, o Sr. Tolentino.

O “dinossauro de Água Negra” tinha aproximadamente 2,5 metros de comprimento, cabeça relativamente pequena e corpo volumoso. O primeiro dedo da mão (polegar) era o maior e continha uma garra direcionada para junto do corpo (e não para frente). Os dentes possuem um aspecto semelhante a uma folha com projeções nas margens espessas (dentículos), típico de dinossauros que se alimentavam de plantas. Os ossos dos braços são menores do que os das pernas, o que sugere que esse animal caminhava sobre as patas traseiras em uma postura bípede. O conjunto das características levou a classificação da nova espécie brasileira dentro de um grupo chamado de “prossaurópodes”, que eram herbívoros e se espalharam pelo mundo.

Aliás, há cerca de 225 milhões de anos, quando o Unaysaurus tolentinoi passeava pela região de Água Negra, o planeta era bem diferente: os continentes estavam todos unidos em um supercontinente chamado de Pangea, o que permitia que os animais – incluindo os dinossauros – se locomovessem de um lado para outro. Nesse aspecto, a espécie brasileira traz uma nova curiosidade: ao contrário do esperado, em vez de se aparentar mais com espécies argentinas do mesmo grupo (como o Coloradisaurus ou o Riojasaurus ), o réptil brasileiro é mais proximamente relacionado ao Plateosaurus , que vivia na Europa. Isso mostra que a movimentação dos dinossauros pelo supercontinente Pangea há 225 milhões de anos era mais complexa do que se supunha até agora.

De qualquer forma, a descoberta de Unaysaurus comprova mais uma vez a importância da ajuda que a população pode dar aos pesquisadores: a descoberta da 11 a espécie de dinossauro do Brasil só foi possível graças à cooperação do Sr. Tolentino. São inúmeras as descobertas importantes realizadas em todo mundo por leigos que vivem em locais onde existem depósitos de fósseis. Um olhar atento – mesmo durante uma caminhada apressada para um jogo de bocha – e a decisão acertada de avisar aos pesquisadores podem fazer toda a diferença para uma grande descoberta. 

Os fósseis do Unaysaurus. tolentinoi e sua reconstituição feita pelo paleoescultor Orlando Grillo estarão expostos no Museu Nacional da UFRJ a partir de 3 de dezembro. O Museu fica na Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro. Informações podem ser obtidas pelo número (21) 2568-8262.

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
02/12/04

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Escultura do Unaysaurus tolentinoi feita pelo paleoescultor Orlando Grillo. A espécie tinha cerca de 2,5 metros de comprimento, cabeça pequena e corpo volumoso.

 

Concepção artística do Unaysaurus tolentinoi por Maurilio Oliveira. Os ossos dos braços sugerem que se tratava de um dinossauro bípede.

 

Esqueleto fóssil do U. tolentinoi  . Para que ele pudesse ser estudado, foi preciso recuperar parte dos ossos quebrados por uma máquina niveladora.

 

Luciano Leal, doutorando pelo Museu Nacional da UFRJ e autor principal da descoberta, posa ao lado dos ossos e da escultura do Unaysaurus tolentinoi  feita pelo paleoescultor Orlando Grillo.

 

Os dentes do U. tolentinoi  possuem o aspecto de folhas com projeções nas margens espessas, que indicam que se tratava de uma espécie herbívora.

 

Afloramento onde o Unaysaurus foi encontrado, entre as cidades de São Martinho da Serra e Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

 

 

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Recentemente foi noticiada a inauguração do Museu de Paleontologia de Marília na cidade paulista de mesmo nome. Iniciativas como essa contribuem para a democratização da ciência e trazem informação e lazer à população local sobre as riquezas da região. São projetos assim que possibilitaram o desenvolvimento científico no campo da paleontologia em outros países, particularmente na América do Norte e Europa, e poderiam ser seguidos por outras cidades brasileiras.

Aconteceu entre 3 e 6 de novembro a 64 a Reunião Anual da Sociedade se Paleontologia de Vertebrados em Denver, Colorado (Estados Unidos), com a participação recorde de aproximadamente 1100 pessoas. As reuniões dessa sociedade têm cada vez mais se tornado o encontro de referência dos pesquisadores de vertebrados fósseis, com a apresentação das mais importantes descobertas realizadas por expedições em todo o mundo durante o ano. O próximo encontro será em Phoenix, Arizona de 19 a 22 de outubro de 2005.

A Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em parceria com a Fundação Araripe, encerrou a exposição “Ciências da terra, ciências da vida: a Chapada do Araripe” . A mostra teve como objetivo principal informar ao grande público sobre o patrimônio cultural e paleontológico da região da Chapada do Araripe, localizada entre os estados do Piauí, Ceará e Pernambuco. A exposição foi um grande sucesso e chamou a atenção para um dos maiores patrimônios paleontológicos do nosso país.

O Centro Paleontológico Lago Barreales , situado na província argentina de Neuquén, continua desenvolvendo seus trabalhos a todo vapor. Liderados por Jorge Calvo, os pesquisadores e técnicos desta instituição mantêm uma escavação aberta durante a maior parte do ano e oferecem a possibilidade para que paleontólogos amadores e turistas vivenciem um pouco do trabalho de um caçador de dinossauros.

A Universidade de Chicago acaba de divulgar o achado de um novo pterossauro (réptil voador) da África. O material constituído de uma asa foi encontrado no deserto de Niger em camadas com 110 milhões de anos. Restos de pterossauros na África são muito raros e, por isso, o achado foi anunciado com destaque. Esta sendo desenvolvido um modelo em vida desse pterossauro, que deverá “voar” em julho de 2005. A reconstrução da nova espécie (que ainda não tem nome) é baseada nas formas brasileiras encontradas na Bacia do Araripe.  

O 2 o Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados anuncia que estão abertas as inscrições para esse evento, que tem como objetivo congregar pesquisadores da área que atuam no continente. O congresso ocorrerá no Rio de Janeiro, no Hotel Othon (Copacabana) entre 10 a 12 de agosto de 2005.

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