Não houve muito o que comemorar no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 05 de junho, nem na semana homônima e subsequente, e nem desde então. Tivemos a votação do novo e polêmico Código Florestal na Câmara dos Deputados em 24 de maio, quando o mesmo foi aprovado por 410 parlamentares. Na mesma sessão, os poucos deputados que protestaram pelo assassinato de agricultores extrativistas no Pará naquele mesmo dia foram ruidosamente vaiados.
Curiosa Câmara, onde sambar leva à perda de mandato, mas celebrar a morte, não. Longínqua Câmara, que aprova por confortável maioria medidas que contrariam o que pensa a maioria da população.
Segundo pesquisa feita pelo Datafolha, encomendada por organizações não governamentais ambientalistas – sempre elas –, 79% das 1.286 pessoas maiores de 16 anos consultadas de 03 a 07 de junho eram contra a anistia de multas a produtores rurais que desmataram ilegalmente; 77% pensavam que a votação do código deveria ser adiada para que a ciência pudesse opinar.
A ciência já opinou, contra, e não testemunhamos qualquer efeito prático. Quase ninguém sabia disso, afinal, mais da metade da população, segundo a mesma pesquisa, só tomou conhecimento da questão em discussão no dia da votação.
Tivemos também a aprovação pelo Ibama da licença de instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, apesar do não cumprimento, ou cumprimento apenas parcial, de uma dezena de condicionantes colocadas anteriormente pelo mesmo Ibama. Fico curioso para saber o limite entre o atendimento parcial aceitável e o inaceitável e os indicadores para distingui-los.
E tivemos ainda farta safra de novos assassinatos no campo: outros agricultores extrativistas, testemunhas de crimes semelhantes e anteriores, todos integrantes das listas de marcados para morrer, amplamente divulgadas por entidades como a Comissão Pastoral da Terra.
O governo jura que esse pico de produção de cadáveres não tem relação alguma com a votação do código, e o aumento recente do desmatamento também não. Ok, perguntem a uma criança de 10 anos.
Presença incômoda
Agricultores extrativistas são duplamente incômodos: não só vivem em áreas de floresta que estão na mira das madeireiras, como ainda ousam provar que é possível sobreviver da floresta em pé. A turma que acha que floresta boa é floresta deitada entendeu perfeitamente o recado e tomou as devidas e costumeiras providências.
Na dúvida, o Estado preferiu estar ausente no enterro do casal de extrativistas paraenses; a presença de autoridades limitou-se a alguns parlamentares do Pará.
O ambientalista Chico Mendes, inspirador das atuais reservas extrativistas que tanto incomodam as madeireiras, foi assassinado em 22 de dezembro de 1988. Em seu velório, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva foi lançado candidato à Presidência da República. Eleito 15 anos depois, Lula designou Marina Silva, uma líder seringueira acreana, como ministra do Meio Ambiente.
Parecendo inicialmente pouco atuante, Marina Silva notabilizou-se por uma operação que expôs a podridão da própria carne do Ibama. Tratava-se de uma rede de cumplicidades envolvendo madeireiras e servidores do órgão e de muitos outros, que asseguravam a extração, o transporte, a serragem e a exportação de toras retiradas de áreas de preservação, florestas nacionais e terrenos devolutos, todas com certificado de manejo sustentável fajuto. Ou você acha que dá para manter uma estrutura dessas, de dimensão industrial, só fugindo da fiscalização?
Marina mirou bem. A máfia do contrabando de madeira tropical é um inimigo de peso. Alimenta um mercado de 20 bilhões de dólares anuais. É uma máfia como qualquer outra, que explora os negócios lucrativos como nenhum outro: tráfico de armas, de drogas, de pessoas, de animais… e de madeira. Ou qualquer outra coisa, viva ou morta, que dê lucro comparável, e já.
Domínio das máfias
O poder de intimidação e/ou corrupção das máfias é proporcional a seus lucros, e os métodos usados são clássicos e eficientes: cooptação primeiro, se não der certo, intimidação e, a seguir, se necessário, eliminação. Ok, algumas pulam as duas primeiras etapas – sabe como é, redução de custos…
O advogado suíço Jean Ziegler ficou famoso ao escrever o livro A Suíça lava mais branco, em que analisava as conexões do sistema bancário suíço com o dinheiro sujo de origens tão variadas quanto inconfessáveis. Mais tarde, escreveu outro, Os senhores do crime, em que analisa a estrutura e o funcionamento das máfias e conclui que sua infiltração nos Estados nacionais ameaça a própria noção de democracia.
Segundo Ziegler, a estrutura familiar, ‘clãnica’ e étnica das máfias japonesas, coreanas, tchetchenas, russas, mexicanas, israelenses e muitas outras torna-as praticamente impenetráveis: imagine ter que aprender gíria tchetchena ou saber de cor quem ganhou os torneios de sumô nos últimos 30 anos…
O poder financeiro dessas máfias compra cumplicidades e silêncios – e com maior eficiência ainda onde o Estado é ausente e anêmico, ou francamente sócio, por cobiça ou medo de seus agentes.
O problema é que nossas máfias falam português e seus faxes não precisam de tradutores juramentados para serem entendidos. Nosso Estado deve ser bem ausente mesmo.
Estranha fartura
Sempre estranhei a existência dessa fartura de planos de manejo – que justificaria tanta madeira serrada. Se eu tivesse um, ia ficar prosa de pôr uma placa na porteira. Mas, nas minhas andanças por esse mundo que é sem porteira só na música, nunca vi nenhuma.
Em compensação, qualquer cidade pequena da Amazônia tem sua ou suas serrarias, com pilhas de serragem de cores diferentes nos seus pátios. Poeta que sou, onde veem lixo a ser queimado, vejo os pisos de serragem prensada que o mercado não distribuirá, os extratos vegetais que virarão gás de efeito estufa e a fumaça de outras promessas não cumpridas.
Já que é tudo apenas um negócio, é preciso achar outros modos de a floresta valer mais em pé do que deitada, e já. A questão é que as motosserras têm fome, pressa e muita agilidade, e o Estado tem, no máximo, a primeira característica. E, fala sério, arquitetar estratégias multissetoriais para rentabilizar a floresta em pé de forma sustentável e socialmente equitativa dá o maior trabalho e, já que somos todos estáveis no emprego público, isso não vai fazer diferença no contracheque.
E a iniciativa privada, os setores que dependem de produtos da floresta, da borracha natural, dos extratos e essências, dos sucos, dos perfumes, entre outros, não se mexem? Esbarram, como os cientistas, no cipoal da burocracia oficial. Exportar containers de madeira ilegal é mole, quero ver mandar amostras de peixe ou planta para análise química no exterior, mesmo que destrutiva.
Mas… Se a ideia fosse empurrar todos para a ilegalidade, o sistema passaria a parecer de uma eficiência espantosa!
Santo Deus, será que entendi tudo errado?
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro