Um grupo internacional de cientistas investigou a área gélida de Spitsbergen, pertencente à Noruega, para avaliar a quantidade de metano aprisionado no gelo que poderia ser liberada para a atmosfera em função do aquecimento global. E eles verificaram que erraram o tempo verbal: o metano não poderia ser liberado, ele já está sendo liberado.
O problema é que, mais do que um gás inodoro presente na atmosfera, o metano é sobretudo muito eficiente para gerar efeito estufa, cerca de 20 vezes mais que o seu colega de ribalta, bem mais famoso, o CO2 . Outro problema é que o estoque de metano aprisionado no gelo é considerável, e sua liberação pode acelerar fortemente o aquecimento, que vai estimular mais liberação de metano, e assim por diante. Não se esqueça de mudar frequentemente de posição, para dourar por igual.
Mas por que esse metano gelado resolveu se evadir, depois de tanto tempo hibernando, e invadir nosso ar? Devido ao aumento de 1º C na temperatura do oceano nos últimos trinta anos. Bolhas de gás mais quente, mesmo que pouca coisa mais quente, são mais volumosas, portanto menos densas, e sobem mais rápido à superfície. Física pura.
Mas parece também que a maior parte deste fluxo ascendente não chega à atmosfera, por dissolver-se na água. Pode ser – mas eu dormia melhor quando ele estava quietinho no gelo. Inclusive porque, ao dissolver-se na água, o metano acelera a acidificação da mesma, já promovida pelo aumento do CO2 atmosférico, cortesia de nossa nobre e voraz espécie. Química pura? Não sei, mas é outro círculo vicioso com jeitão de que vai acabar mal. Afinal, a água se move e seu metano acabará pertinho da atmosfera alguma hora.
Perda de carbono
Parque nacional de North York Moors, no norte da Inglaterra. Medições feitas em vários tipos de solo daquele país mostraram que todos eles perderam carbono em proporção semelhante nos últimos anos (foto: Wikimedia Commons).
Um processo semelhante, porém de fundo mais biológico, e de consequências ainda mais graves, foi revelado há cerca de dois anos por pesquisadores ingleses. E eles juram que foi sem querer – sabe como é o humor inglês…
Eles haviam medido em 1996 as concentrações de carbono no solo em uma grande variedade de locais e tipos de solo por todo o país – rurais, urbanos, agrícolas, florestais, costeiros etc. A tarefa era trabalhosa, mas não tão difícil num país rico e pequeno.
Mas eles resolveram repetir as medidas 12 anos depois. E… tchan, tchan, tchan, tchan! Todos os solos tinham perdido carbono e – pior – em proporções semelhantes. A única explicação possível era a maior emanação de CO2 pelas bactérias do solo. Cálculos mostraram que a perda registrada era compatível com o pequeno aumento de temperatura média registrado no período. Lembre-se que o metabolismo das bactérias é diretamente proporcional à temperatura, dentro da faixa em que elas conseguem ter algum.
O que é arrepiante, nesse caso, é que o mapa de carbono natural no solo do planeta é muito mais vasto que o do metano preso no gelo. Mesmo o CO2 sendo 20 vezes menos eficiente que o metano na geração de efeito estufa, a conta torna ridículas as metas do protocolo de Quioto. E pensar que esse carbono estava bem embaixo dos nossos pés, esse tempo todo…
Mas voltemos ao gelo. Quando limpo, é muito claro e, portanto, reflete boa parte da radiação solar que recebe, devolvendo luz e calor à atmosfera, quem diria (bem, os pioneiros do alpinismo, que ficaram quase cegos). Porém, quando coberto de poeira ou fina fuligem oriunda de combustão, sempre mais escura que ele próprio, o gelo se torna menos reflexivo e passa a absorver mais calor. Isso derrete o gelo e expõe o solo, mais escuro ainda, que então… chega, você entendeu: é mais um círculo vicioso.
Os vulcões também contribuem com fuligem, embora tenham o bom gosto de fazê-lo só de vez em quando, e um de cada vez. E nesse caso, pelo menos, a culpa não é nossa.
Temperatura do mar
Pôr do Sol no oceano Pacífico, na Califórnia (EUA). As temperaturas da água dos mares são as mais altas desde que começaram a ser medidas, há 130 anos (foto: M. Brendel).
A princípio a coluna parava no parágrafo acima. Até que, na manhã seguinte, o Centro de Dados Climáticos dos Estados Unidos divulgou que a temperatura da água do mar atingiu os níveis mais elevados desde que se iniciaram as medições, há 130 anos. O Mediterrâneo está 3º C acima da media, e o Ártico, 5,5º C acima.
São péssimas notícias: assim como as gigantescas massas de água do mar funcionaram como um amortecedor térmico durante um longo período de aquecimento, farão o mesmo se conseguirmos revertê-lo.
A quantidade de energia necessária para aquecer o mar foi titânica. Se você já ficou em pé diante do fogão, de barriga roncando, às duas da manha, esperando a água esquentar para preparar um ovo quente ou um macarrão instantâneo, sabe do que estou falando. Se já se irritou com o leite quente demais que te fez perder o ônibus da escola, também.
Física pura de novo: ela nos explica a termodinâmica, mas não ensina como recuperar o leite derramado ou amolecer uma gema que passou do ponto…
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
21/08/2009