‘É por ali, rapazes!’

A cada tentativa, milhões deles são lançados, mas só um — na melhor das hipóteses — poderá ter sucesso se atingir o alvo. Em qualquer curso de economia ou táticas de guerra, essa estratégia da Natureza seria reprovada sumariamente como desperdício de forças e matéria-prima. Na prática, no entanto, ela parece ter uma lógica: a competição entre os milhões de espermatozóides talvez seja uma maneira eficiente, ainda que dispendiosa, de garantir que o melhor dos candidatos será selecionado para a fecundação.

Mas selecionado segundo qual critério? Integridade celular, bons genes e reservas adequadas de energia são sugestões freqüentes, mas agora há uma nova possibilidade. De acordo com um estudo alemão publicado na revista Science em 28 de março, talvez os espermatozóides sejam selecionados por sua capacidade de… sentir cheiros que os atraem em direção ao óvulo.

A capacidade de detectar cheiros, ou seja, a presença de substâncias químicas específicas diluídas no ar ou na água, depende da existência no revestimento interno do nariz de proteínas receptoras que ’grudam’ seletivamente as tais substâncias: são os receptores olfativos. Como detectar cheiros é algo que se faz com o nariz, esperava-se que só ali fossem encontrados os receptores.

No entanto, quando esses receptores foram identificados uns dez anos atrás, surpresa: no interior do nariz eles estão, sim — mas também nos testículos, nas células que geram espermatozóides. Logo ficou claro que os próprios espermatozóides também continham receptores olfativos em sua superfície. Seria a corrida em direção ao óvulo então guiada por um mecanismo semelhante ao olfato?
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Hanns Hatt e seus colaboradores sugerem que sim. A equipe identificou um receptor olfativo específico dentre os aproximadamente 50 produzidos nos espermatozóides, e determinou quais moléculas o receptor é capaz de detectar. Curiosamente, as substâncias que melhor ativam o receptor têm aromas florais, como sugerem seus nomes: lilial, floralazona e bourgeonal (do inglês bourgeon , broto de flor). E mais: se essas essências florais emanarem de um finíssimo tubo de vidro dentro de uma solução contendo espermatozóides humanos, eles mudam sua trajetória e nadam em direção ao tubo, tanto mais rapidamente quanto mais perto estiverem da origem do ’cheiro’.

O estudo demonstra pela primeira vez que espermatozóides de mamíferos — e de humanos em particular — de fato seguem ’pistas’ químicas ao longo do caminho, como bons cães farejadores. Com um requinte: como receptores olfativos costumam ser muito seletivos naquilo que ’farejam’, as verdadeiras ’pistas’ que levam os espermatozóides ao óvulo possivelmente têm aroma… floral.

Resta saber se quem é ’perfumado’ é o próprio óvulo ou os outros ambientes por onde os espermatozóides devem passar até atingir seu alvo lá em cima, nas trompas. Vai ver que o caminho é guiado por uma seqüência de ’aromas’ diferentes, por que não? O problema agora é determinar se óvulos, tão escassos e preciosos, de fato produzem substâncias, digamos, aromáticas.

E se um cheirinho floral pode ajudar na concepção, eis uma notícia para quem está interessado justamente no contrário: assim como os espermatozóides são atraídos pelo lilial, eles fogem de uma essência chamada undecanal como o diabo da cruz. Quem sabe em breve ’repelentes de espermatozóides’ não virão a se juntar aos espermicidas nas prateleiras das farmácias?

Fonte: Spehr M, Gisselmann G, Poplawksi A, Riffell JA, Wetzel CH, Zimmer RK, Hatt H (2003). Identification of a testicular odorant receptor mediating human sperm chemotaxis. Science 299, 2054-2058.

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia