Geras, deusa grega que representa a velhice, é conhecida parceira de Tánatos, o deus da morte. Embora há muito tempo esses dois conceitos estejam diretamente associados, o ser humano tem buscado formas de evitar os prejuízos físicos do envelhecimento e prolongar a vida.
Uma recente pesquisa norte-americana pode contribuir com esse objetivo, ao elucidar mecanismos biológicos envolvidos nas bases do envelhecimento.
Esses mecanismos estão associados a uma proteína comum em pessoas com uma doença genética cujo nome tem a mesma origem etimológica daquele que batiza a deusa grega da velhice: progeria.
Progeria é uma doença extremamente rara caracterizada pelo envelhecimento dramaticamente precoce. A taxa de envelhecimento dos pacientes com progeria é, em média, oito vezes superior àquela observada na população em geral, o que faz com que uma criança de dez anos tenha problemas de saúde de uma pessoa de oitenta.
Há aproximadamente 100 casos de progeria descritos em todo o mundo, pelo menos um confirmado no Brasil. Sua raridade contrasta com o conhecimento decorrente de seu estudo, que contribui para a compreensão do processo de envelhecimento normal de todos nós.
Enquanto recém-nascidas, crianças com progeria tem aspecto normal. Entretanto, logo nos primeiros anos de vida, sua taxa de crescimento diminui, e elas passam a apresentar menor estatura e peso do que crianças da mesma idade.
Para efeito de comparação, quando alcançam os dez anos, essas crianças têm a estatura de crianças de três anos, porém com características físicas associadas a uma idade avançada, o que faz com que faleçam de complicações cardiovasculares ainda adolescentes.
Portadores de progeria possuem inteligência normal, mas desenvolvem uma aparência marcante, caracterizada por anormalidades esqueléticas e calvície, além de rigidez das articulações e aterosclerose (formação de placas de gordura na parede interna das artérias).
A forma mais grave da progeria é a síndrome de Hutchinson-Gilford, cujo nome reconhece os esforços dos médicos ingleses Jonathan Hutchinson (1828-1913) e Hastings Gilford (1861-1941) na descrição da doença há mais de cem anos.
Mutação única
Em 2003, pesquisadores norte-americanos descobriram que a progeria Hutchinson-Gilford é causada pela mutação de um único par de bases dentre os 25 mil que compõem o gene da lamina A (LMNA).
Curiosamente, mutações em outras regiões de LMNA acarretam doenças distintas, incluindo duas formas de distrofia muscular e a doença de Charcot-Marie-Tooth, que afeta os nervos periféricos e causa diminuição da sensação dos membros, especialmente pernas e pés.
Laminas são proteínas que fornecem estabilidade e força às células. As duas principais laminas – lamina A e lamina C – são conhecidas por sua importância no suporte mecânico e estabilização da membrana nuclear, essencial para a organização do material genético e controle da expressão gênica em todas as células.
O gene LMNA de pacientes com progeria produz uma forma anormal de lamina A chamada progerina. A progerina desestabiliza a membrana nuclear, prejudicando principalmente as células que formam tecidos submetidos a força física intensa, como os dos sistemas cardiovascular e músculo-esquelético.
Originalmente acreditava-se que a progerina estivesse estritamente associada à progeria. Entretanto, em 2007, descobriu-se que células normais de pessoas saudáveis também produzem, em pequena quantidade, essa proteína.
Agora os mesmos pesquisadores que identificaram a mutação em LMNA responsável pela síndrome de Hutchinson-Gilford descobriram uma interação entre progerina e telômeros em células de pessoas comuns. A descoberta foi publicada este mês no The Journal of Clinical Investigation.
Telômeros são sequências de DNA que protegem as extremidades dos cromossomos. Cada vez que uma célula se divide, ocorre seu encurtamento. Quanto menores os telômeros, menor é o número de vezes que uma célula é capaz de se replicar, até o momento em que para de vez. Os telômeros funcionam, portanto, como um relógio da vida, definindo o início da senescência ou, em outras palavras, o envelhecimento celular.
Telômeros, progerina e RNA
Os cientistas, liderados pelo geneticista norte-americano Francis S. Collins (conhecido por coordenar o Projeto Genoma Humano), descobriram que telômeros curtos ativam a produção de progerina em indivíduos saudáveis. Quanto mais curtos os telômeros, mais progerina é produzida.
A pesquisa sugere que o encurtamento dos telômeros, consequência inevitável da multiplicação celular, altera o modo como as células decodificam a informação genética necessária para a produção das proteínas, processo conhecido como splicing alternativo de RNA.
Esse processo ocorre porque o RNA não carrega, de forma linear, todas as informações embutidas na fita de DNA. Para produzir proteínas, células precisam emendar segmentos de informação no RNA chamados exons e remover outros, os íntrons.
A produção de proteínas importantes para a manutenção da integridade do citoesqueleto celular, tais como actina, fibronectina, vimentina e tubulina, é afetada pelo encurtamento dos telômeros. E o mais intrigante é que o encurtamento dos telômeros também afeta o RNA que codifica lamina A, favorecendo o acúmulo de progerina.
Enquanto nos indivíduos com progeria uma mutação no DNA é a causa do acúmulo de progerina, durante o envelhecimento normal essa mesma progerina é produzida, só que dessa vez como consequência de uma alteração no processamento do RNA.
Surpresas à parte, os resultados da pesquisa indicam que o relógio biológico, forjado na perda dos telômeros, interfere na montagem de proteínas, que passa a ser prejudicada por instruções confusas sobre quando é preciso emendar exons e excluir íntrons. O citoesqueleto celular fica, então, comprometido, e ocorre o acúmulo de progerina. É o início do fim de nossas vidas.
Com a descoberta das bases moleculares do envelhecimento, será possível, no futuro, tornar a vida cada vez mais longa e saudável. Isso seria o equivalente, na mitologia grega, a convencer Geras a se aproximar mais de Hebe, a deusa da juventude.
Stevens Rehen
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro