“Mar de Tethys???” Esta deve ser a primeira pergunta de muitos leitores ao se depararem com o título da coluna. Com exceção de profissionais, estudantes e outras pessoas ligadas à geologia e à paleontologia, a maioria talvez nunca tenha ouvido falar nesse mar, que há milhões de anos era um dos principais corpos de água do nosso planeta.
O mar de Tethys surgiu há aproximadamente 230 milhões de anos, quando se iniciou a divisão do supercontinente Pangea nas massas continentais Laurásia (constituída pela América do Norte, Europa e Ásia) e Gondwana (formada pela Antártica, África, América do Sul, Índia e Austrália). À medida que as massas continentais se moviam, esse mar foi diminuindo até se fechar totalmente, restando apenas o mar Cáspio, o mar Negro e o mar de Aral. Após a “extinção” do mar de Tethys, parte do local passou a ser ocupado pelo “novo” mar Mediterrâneo.
O mais interessante de toda essa história é que existem pesquisas que permitem não só determinar a existência desses “mares do passado”, mas também como se dava a distribuição dos organismos que viveram em suas águas. Foi exatamente o que fizeram duas pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Hilda Maria A. da Silva e Valéria Gallo analisaram os registros de peixes do grupo dos Enchodontoidei (veja figuras) em estudo publicado pela revista Carnets de Géologie . Esse grupo é formado por formas marinhas de corpo alongado que surgiram no Cretáceo e se extinguiram no Eoceno, há cerca de 50 milhões de anos. Representantes desse grupo são encontrados em vários depósitos sedimentares da Europa, Ásia, África, América do Norte e América do Sul.
Áreas de endemismo
As pesquisadoras fizeram um levantamento de todos os Enchodontoidei que viveram durante o Cenomaniano – nome que se dá ao intervalo de tempo entre 99 e 93 milhões de anos atrás. Foram usados 17 gêneros e 12 áreas distintas nas quais pelo menos um desses gêneros foi registrado.
Em seguida as paleontólogas aplicaram um método chamado análise de parcimônia de endemismo . Sem entrar muito em detalhes, esta metodologia envolve a construção de uma matriz de dados, tendo os gêneros em colunas e as áreas nas linhas, e uma análise posterior feita com a ajuda de um programa específico, que permite identificar possíveis áreas de endemismo.
As pesquisadoras concluíram que existia durante o tempo geológico Cenomaniano duas áreas de endemismo no mar de Tethys – a primeira formada pelos territórios hoje ocupados pelo Marrocos e pelo sul da Itália, e a segunda onde hoje estão o Líbano e Israel (veja mapa).
De certa forma esse resultado surpreende um pouco, pois os cientistas tendem a tentar associar as faunas dos depósitos do Marrocos com as dos depósitos brasileiros, particularmente do Nordeste. Embora essa estreita relação de faunas seja verificada em algumas épocas, parece não ter sido o caso durante o Cenomaniano. Naquele período, houve uma fauna de peixes restrita ao norte da África e à Itália, distinta da que encontramos em nosso país.
Estudos como o das pesquisadoras brasileiras, apesar de serem complexos, têm uma contribuição muito grande, uma vez que ajudam os pesquisadores a entenderem como as faunas evoluem no espaço e no tempo. Ou seja, nem só de espécies novas vive o paleontólogo…
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/06/2007
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