Problemas globais exigem soluções globais. Enquanto as previsões climáticas para o futuro próximo vão ficando cada vez mais pessimistas e as temperaturas vão rompendo sucessivos recordes – tanto para cima como para baixo –, mas com temperatura média em alta, a possibilidade de algum acordo internacional para a redução das emissões de gases de efeito estufa parece cada vez mais remota. Afinal, mudar cadeias produtivas requer imaginação, tecnologia e recursos para investimento.
Os recursos andam ariscos em tempos de crise econômica global. Há tecnologia, mas não o bastante: acordamos tarde do sonho do planeta sem limites e ainda estamos engatinhando na busca por alternativas energéticas menos suicidas e fedorentas do que as atuais.
Diante de tal quadro, resta a imaginação. Em A verdade inconveniente, documentário norte-americano de 2006 sobre a campanha do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore para alertar a população sobre o aquecimento global, há uma animação feita pela equipe da série Futurama (do mesmo criador de Os Simpsons) em que um tecnocrata sugere usar helicópteros para jogar grandes blocos de gelo no mar e, assim, resfriá-lo. Obviamente, seria uma sandice, já que a produção e o transporte do gelo gerariam muito mais calor do que o gelo seria capaz de remover do oceano. A termodinâmica é mesmo impiedosa.
Mas não devemos subestimar a imaginação e a capacidade da espécie que inventou a linguagem, a cultura, a religião e o dinheiro, sem esquecer a agricultura, o zíper, os antibióticos, o automóvel e… o desperdício. Afinal, se conseguimos fazer o canal do Panamá e criar e controlar doenças, não é um aquecimentozinho global que vai nos intimidar, certo?
E assim surgem propostas de engenharia a serem aplicadas em escala comparável à do problema: é a geoengenharia. São propostas no mínimo surpreendentes, como a colocação em órbita de megaespelhos refletores para reduzir a incidência de raios solares na superfície terrestre. Ou a instalação de espelhos do gênero em áreas desérticas e em oceanos: isso geraria menos carbono do que colocar megabarracas de praia em órbita.
Também se cogita o uso de aviões, balões e barcos para semear na atmosfera substâncias que favoreçam a formação de nuvens. E a aspersão dos oceanos com ferro para estimular o crescimento do fitoplâncton, fixando assim muitas gigatoneladas de carbono. E aguardem novos lançamentos em breve.
Alto custo, eficiência duvidosa
As propostas têm em comum elevados custos financeiros, sociais e ambientais, além de eficiência para lá de duvidosa. Mais do que isso, são joias do mesmo pensamento linear e da arrogância que nos trouxeram à beira do atual precipício. O problema é o Sol? Façamos sombra. É o carbono? Domemos os oceanos, colocando-os a nosso serviço, e assim por diante.
Se conseguimos alterar o clima da Terra (sem falar de sua paisagem) e colocar em xeque o sistema que inventamos foi porque resolvemos manipular o planeta antes de entender minimamente seu funcionamento. Nesse sentido, essas propostas de geoengenharia são emblemáticas, já que não temos a menor ideia do que acontecerá se as colocarmos em prática, a não ser o gasto líquido e certo de grande quantidade de recursos cada vez mais escassos, além da geração de mais carbono.
Apesar disso (ou talvez por isso mesmo), investimentos não desprezíveis têm sido feitos em pesquisas sobre o tema, para reduzir as incertezas que rondam essas ambiciosas soluções. O governo inglês, por exemplo, destinava até 2009 cerca de 30 milhões de reais por ano para pesquisas na área. A Royal Society (instituição inglesa dedicada à promoção do conhecimento científico) achou que se deveria gastar 10 vezes mais.
Recentemente, Bill Gates, fundador da Microsoft, doou 10 milhões de dólares a um fundo para pesquisa e inovação em clima e energia. Nos dois últimos anos, os pedidos de financiamento ao governo dos Estados Unidos para pesquisas sobre o tema somaram 3,4 bilhões de dólares, dos quais se aprovou um vigésimo apenas.
Ora, direis, em comparação com os chutados 30 bilhões de reais da represa de Belo Monte ou de nosso ainda hipotético trem-bala: tudo isso junto ainda é merreca. E é mesmo. Mas a situação pode mudar, e muito. Não se empolgue, pois as citadas obras não ficarão mais baratas, o montante dos investimentos em geoengenharia é que pode aumentar bastante.
Captação de CO2: opção viável?
No entanto, há uma solução para a redução das emissões de carbono que, além de menos mirabolante do que as supracitadas, já é operacional. Trata-se da captação de CO2 na fonte. Em uma termoelétrica a gás ou carvão, por exemplo, isso implica primeiro remover compostos de enxofre, nitrogênio e outras impurezas dos gases de combustão. Em seguida, os gases já mais asseadinhos são resfriados para diminuírem de volume e injetados em um reator onde o CO2 se combina com amônia também resfriada. Os gases agora livres de CO2 são então lavados e expelidos por uma chaminé.
Aquecendo-se a solução de amônia, esta libera o CO2 e, após resfriamento, pode ser reutilizada. Por sua vez, o CO2 liberado é comprimido até se tornar líquido. Mas onde guardaremos tantos botijões? E quando haverá uma opção compacta dessa parafernália para carros flex 1.0?
De novo não se empolgue: a solução por enquanto só serve para grandes fontes fixas de emissão. Fico curioso em relação ao consumo de água, energia e emissão de carbono associados a essa forma tão laboriosa de… captar carbono, mas essa aritmética fica para outra vez. Por enquanto, vamos à questão dos botijões.
Botijões, que botijões? Não haverá, tivemos ideia melhor: megabotijões naturais – e, portanto, gratuitos –, ou seja, estocagem geológica em rochas do subsolo, ou melhor ainda, injeção em poços de petróleo desativados. Não é genial? Do poço viestes, ao poço voltarás. Aleluia! Estamos salvos.
Mas…. Um momento. Se eu entendi direito, a mesma cadeia produtiva do petróleo que inferniza sua concorrente nuclear há décadas, brandindo sob o nariz desta a suposta insegurança da estocagem geológica de rejeitos sólidos, insolúveis, vitrificados, cimentados, encapsulados e cuja toxicidade tem prazo determinado, quer agora nos convencer que é seguro fazer o mesmo com um gás que é um poluente eterno, quando não consegue nem mesmo evitar o vazamento de um líquido? E tudo isso para evitar mudar hábitos perdulários?
Depois de Futurama, resta-nos lembrar de Hardy, a hiena do desenho da Hanna-Barbera: Ó Deus, ó vida, ó lugar, isso não vai dar certo.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro