Gigante brasileiro

Vinte e cinco metros. Essa era a extensão do titanossauro Austroposeidon magnificus, encontrado nas cercanias da cidade de Presidente Prudente, no estado de São Paulo, em 1953, mas cuja descrição vem a público apenas hoje (5/10), mais de 60 anos depois – coloque em perspectiva: o que são seis décadas para um animal com idade estimada em 70 milhões de anos? O trabalho, liderado pela paleontóloga Kamila Bandeira, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e que contou com a participação do colunista que vos escreve, foi publicado na PLoS One. Um delírio para os apaixonados pelos gigantes da pré-história!


Vértebra dorsal do novo dinossauro. (foto: Kamila Bandeira)

Os dinossauros dominaram a terra firme durante a maior parte da Era Mesozoica: seus registros mais antigos são provenientes de rochas formadas há aproximadamente 230 milhões de anos e o último dinossauro não-aviano foi descoberto em camadas depositadas há cerca de 66 milhões de anos. Nesse período, eles se adaptaram para os mais distintos ambientes, tendo vivido em todos os continentes, incluindo a Antártica.


Braço do maior dinossauro encontrado no Brasil,
mostrando detalhe de uma vértebra do pescoço.
(ilustração: Maurílio Oliveira/ Museu Nacional/ UFRJ)

Ao longo do tempo, esses répteis se diversificaram de forma surpreendente. Por exemplo, aprenderam a voar – como no caso dos microraptores (grupo extinto que usava braços e pernas como asas) e das próprias aves, que são consideradas dinossauros modificados e sobreviveram até os dias atuais. Porém, no imaginário popular, o que faz sucesso mesmo é o grande porte de alguns grupos de dinossauros. Os titanossauros são um exemplo. Alguns deles são considerados os maiores animais que jamais caminharam sobre nosso planeta! Esses répteis gigantes simbolizam o que a maioria das pessoas pensa quando o assunto é dinossauro: corpo volumoso, pescoço e cauda bem compridos e a cabeça comparativamente pequena.

Os titanossauros dominaram todo o supercontinente Gondwana, que, no passado geológico, reunia as massas continentais que hoje formam América do Sul, África, Índia, Antártica e Austrália. A. magnificus tinha parentes, por exemplo, na vizinha Argentina, como o Futalognkosaurus e o Mendozasaurus, que também eram gigantes.

No Brasil, já foram descritas cerca de uma dezena de espécies de titanossauros, mas nenhuma delas poderia se enquadrar na categoria dos gigantes. A. magnificus era quase o dobro do tamanho de Maxakalisaurus topai, que alcançava cerca de 13 metros. Vale lembrar que o dinoprata – como esse último é apelidado –, continua sendo o maior dinossauro brasileiro a ser montado no país e acaba de completar uma década exposto no Museu Nacional.

 

História e descoberta

Se, por um lado, as dimensões do “novo” dinossauro podem fazer o queixo de muita gente cair – vale olhar a ilustração que compara o A. magnificus a outros dinossauros e também ao homem –, o mesmo se pode dizer da história de sua descoberta, mas por outros motivos. Ao contrário do que diz a imaginação de muita gente, o trabalho dos cientistas não envolveu, neste caso, nenhuma viagem a um país longínquo, nem condições difíceis de pesquisa de campo com risco de vida para os paleontólogos. Mas tem lá seus detalhes admiráveis.

A descoberta foi feita por um morador local. Na época – seria o destino? –, viajava por ali o paleontólogo gaúcho Llewellyn Ivor Price (1905-1980), um dos pioneiros nessa área de pesquisa no Brasil. Avisado do achado, ele coletou grande parte do material e levou-o ao Museu de Ciências da Terra, atualmente administrado pelo Serviço Geológico do Brasil.

Detalhe da tomografia de uma vértebra de Austroposeidon
As setas indicam as partes mais espessas da sua estrutura
interna, que ainda não haviam sido encontradas em nenhum
titanossauro. (foto Kamila Bandeira)

Os fósseis tiveram um destino pouco emocionante, mas muito comum: a gaveta. Somente muitos anos mais tarde um grupo de pesquisadores obteve recursos da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro para preparar e estudar o exemplar. Tardaram, mas não falharam. Além de descrever a espécie, até então desconhecida para a ciência, o grupo trouxe ao conhecimento do público um novo recordista peso-pesado da pré-história brasileira.

Como é comum quando se fala em dinossauros gigantes, o material no qual se baseia a nova espécie é relativamente escasso. São vértebras do pescoço e do dorso do animal, algumas bem fragmentadas, mas outras dotadas de importantes detalhes anatômicos que permitiram diferenciar o A. magnificus de outros titanossauros. Do tamanho das vértebras veio também a estimativa do comprimento total do animal, 25 metros – mais comprido do que aqueles ônibus duplos e articulados do sistema de transportes carioca BRT!

Os fósseis foram estudados com a técnica da tomografia computadorizada, que permite "cortar" digitalmente os ossos em diferentes planos e, com isso, acessar detalhes do seu interior. Neste estudo, foi possível observar a presença de anéis de crescimento intercalados com um tecido ósseo mais denso, uma configuração inédita para os titanossauros e que ainda precisa ser melhor investigada. Pelo visto, o maior dinossauro do Brasil ainda tem muita história para contar…

Atualização (17/10/2016): Este texto foi modificado para incluir o seguinte trecho: "A. magnificus era quase o dobro do tamanho de Maxakalisaurus topai, que alcançava cerca de 13 metros. Vale lembrar que o dinoprata – como esse último é apelidado –, continua sendo o maior dinossauro brasileiro a ser montado no país e acaba de completar uma década exposto no Museu Nacional." A informação anterior, de que o segundo maior dinossauro brasileiro seria o dinoprata, é controversa.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Está acontecendo esta semana (3 a 7/10), no Museu Nacional/ UFRJ, o X Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados. O evento apresenta as principais novidades sobre a paleontologia brasileira. Veja a programação no site.

Francisco Figueiredo (UERJ) coordenou estudo sobre peixe fóssil encontrado em depósitos cretáceos do Maranhão: Codoichthys carnavalii. O trabalho, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, reviu a relação de parentesco de diversas espécies extintas do grupo Clupeomorpha, hoje representado pelas sardinhas.

Acaba de ser publicado na Cretaceous Research um estudo sobre lenho fossilizado encontrado em rochas formadas há aproximadamente 100 milhões de anos no norte da Itália, mas especificamente no Tirol do Sul. Evelyn Kustatscher (Naturmuseum Südtirol, Itália) e colegas estabeleceram que o material representa uma angiosperma do gênero Agathoxylon e observaram a presença de inúmeras perfurações feitas por bivalves. Estudos sobre as floras do período Cretáceo são raros na Itália.

Robert Lemanis (Ruhr-Universität Bochum, Alemanha) e colegas publicaram artigo na Peerj sobre a resistência das conchas dos amonoides, grupo de moluscos cefalópodes que se extinguiram ao final do período Cretáceo, junto com os dinossauros. Os autores analisaram diversas hipóteses que procuram explicar a complexa construção da concha que caracteriza diversas espécies desse grupo – um tema bastante controverso.

André Mori e Juliana de Morais Leme (USP) publicaram na Revista Brasileira de Paleontologia artigo de revisão sobre um grupo extremamente importante de artrópodes fósseis da Era Paleozoica no Paraná: trilobitas do grupo Calmoniidae. Os autores focaram na problemática de separar detalhes anatômicos de artefatos resultantes dos processos que levaram à preservação desses animais.

Colin Braithwaite (University of Glasgow, Reino Unido) publicou na Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology uma pesquisa sobre a tartaruga gigante Aldabrachelys. O enfoque do autor foi biogeográfico, procurando entender eventos de dispersão que afetaram essa tartaruga e sua influência na distribuição das formas gigantes atuais existentes no oceano Índico.