“Chegamos!”, foi a exclamação geral. No dia 19 de fevereiro, estávamos enfim todos reunidos no acampamento às margens do Lago Barreales, após três dias e 55 horas dentro de ônibus e uma curta estadia em Buenos Aires ‐ este foi o meio de transporte utilizado pela maior parte da equipe brasileira (financiamento para pesquisa básica continua sendo um problema…).
A região é conhecida como Loma de La Lata, um dos principais depósitos de gás da América do Sul, e está localizada na Província de Neuquén, noroeste da Argentina. Em plena terra de índios Mapuche, mais especificamente da comunidade Paynemil, foi fundado o Centro Paleontológico Lago Barreales (CePaLB), que pertence à Universidad Nacional del Comahue. O centro está situado a cerca de 90 km da cidade de Neuquén. A população da região se resume a alguns índios com suas criações de cabras e à equipe de 6 a 8 paleontólogos e técnicos que mantêm o CePaLB. A cidade mais próxima, Añielo, fica a 17 km e tem pouco mais de 2 mil habitantes.
Como é que se cria um centro de pesquisa no meio do deserto? E nós, o que estávamos fazendo ali?
Como diversas grandes descobertas da paleontologia, a criação do CePaLB deve muito à obstinação e ao acaso ‐ ou, como preferem alguns, à sorte. Desde que chegou a Neuquén há quase 20 anos, Jorge Calvo, atual dirigente do Centro, se dedicou a procurar dinossauros. Entre os diversos lugares que ele explorou estão as margens do Lago Barreales. No entanto, a beleza do local contrastava com a carência de fósseis e as diversas expedições não resultaram em nada de especial. Um dia, porém, tudo mudou…
Em fevereiro de 2000, Calvo organizou nova campanha para percorrer as margens do lago. Horas depois, apenas poucos fragmentos de ossos haviam sido encontrados. Com a moral da equipe em baixa, sem possibilidade de subir um penhasco que existia à frente, ele resolveu examinar alguns pequenos cerros próximos à costa do lago. Em um dado momento, alguém encontrou partes de tartarugas ‐ o melhor material do dia e das expedições anteriores ‐, o que fez com que eles decidissem coletar o material.
Como é comum em escavações, os mais experientes trabalham nas peças principais, enquanto os novatos são colocados em áreas menos promissoras. Um dos “não-experientes” viu um pequeno pedaço de osso aparecendo entre as rochas avermelhadas na base do cerro das tartarugas. Começou a escavar, expondo mais o tal osso, até que alguém o identificou: tratava-se de uma vértebra cervical (do pescoço) de um dinossauro. Com um detalhe: era uma dos maiores já encontradas até hoje, com 110 centímetros! Todos podem imaginar o que aconteceu depois: as atenções foram voltadas para aquele material, e as tartarugas… bem, elas foram coletadas mais tarde.
Outros exemplares foram escavados posteriormente e revelaram o esqueleto parcial de um dos maiores dinossauros já encontrados, com mais de 30 metros de comprimento. O interesse da descoberta desse gigante se alastrou pela imprensa e, assim, pela sociedade, resultando em um bom apoio financeiro (principalmente de empresas e particulares) para o desenvolvimento dos trabalhos. No local, denominado de Futalognko, instalou-se desde 2002 uma escavação permanente e foi criado o CePaLB. Acoplada à atividade científica e tirando proveito da beleza natural da região, essa área tem servido para o desenvolvimento de uma nova atividade: o turismo paleontológico, ainda pouco difundido na América Latina.
Mas como é que uma equipe de paleontólogos e estudantes brasileiros entram nessa história?
Desde 2001, pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ têm realizado trabalhos em colaboração com a equipe argentina da Universidad Nacional del Comahue, incluindo pesquisa de campo. Todo ano, uma equipe brasileira (com estudantes) viaja até Neuquén e realiza trabalhos conjuntos com a equipe argentina, o que possibilita um bom intercâmbio de informações e técnicas. Nunca é demais lembrar que, em termos de coleta de dinossauros, os argentinos estão bem à nossa frente!
De 2002 a 2004, as atividades de campo se concentraram na localidade Futalognko, que revelou-se bastante rica em fósseis. Neste ano, no entanto, houve uma mudança de planos: a atividade de campo com a equipe brasileira iria se realizar em uma nova localidade, a cerca de 2,5 km da anterior. Desde 2001, queríamos trabalhar nessa área, já que as cheias anuais do lago expunham ali muitos fragmentos e restos isolados de ossos de dinossauros. Exatamente devido a essa oportunidade, todos estavam bem animados, apesar do cansaço decorrente da longa viagem.
Após montar acampamento e de uma relativa boa noite de sono (a barraca não é a nossa cama, mas bem melhor que um assento de ônibus), iniciamos os trabalhos. Transportados de carro do acampamento até a “praia”, chegamos ao local. A primeira vista não era muito animadora: por algum motivo, a cheia do ano passado tinha exposto pouquíssimos exemplares. Um osso aqui, outro acolá, mas nada muito interessante. Chegamos a pensar em transferir as atividades.
Decidimos iniciar a escavação, concentrada em alguns pontos, onde partes de ossos apareciam. À medida que os trabalhos seguiam, novos exemplares eram encontrados. Duas semanas depois, estava claro que a nova localidade é excelente: cerca de 2,5 toneladas de material foi recuperado. Vértebras da cauda, pescoço, uma placa esternal, escápula e outros elementos não identificados foram coletados. Mesmo os colegas argentinos ficaram surpresos. Mas o melhor é o que esse material representa: um dinossauro de proporções gigantescas, semelhante em tamanho ao que foi encontrado pela equipe argentina em 2000: um animal com mais de 30 metros de comprimento. E ainda resta mais no campo para ser coletado!!
Estamos animados para dar continuidade às escavações em Los Barreales. Uma região de rara beleza, com um lago no meio do deserto, e rica em fósseis, como o dinossauro gigante que nós acabamos de encontrar. Com o que mais um paleontólogo pode sonhar?
Para mais informações, visite o site http://www.proyectodino.com.ar .
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/03/05
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O CePaLB possui uma exposição com diversos animais fósseis, como os da imagem acima, que mostra a réplica e a reconstrução da cabeça do carnívoro Giganotosaurus carolinii , encontrado em outra região da província de Neuquén.
Fêmur de um pequeno dinossauro encontrado parcialmente destruído pelas cheias do Lago Barreales. São exemplares assim que levaram à escolha dessa região para se iniciar a escavação.
Membros da equipe brasileira e argentina trabalham na coleta de um dinossauro gigantesco da Patagônia. Esta é a primeira etapa da escavação: retirar parcialmente a rocha que cobre os ossos. Assim, pode-se ter uma idéia geral do que está sendo escavado ‐ se é um dinossauro ou outro animal, e quais ossos estão preservados.
Este é o conjunto principal de ossos encontrados, com vértebras cervicais (do pescoço) e uma placa esternal, além de diversas costelas. Todo o material é protegido antes de ser engessado. Pontas de outros ossos ‐ possivelmente outras partes do pescoço ‐ ficaram no terreno e serão coletados em 2006.
Após ter a superfície superior e laterais protegidas por gesso e tela de arame, o bloco com (apenas!) uma vértebra cervical e o esterno foi virado para que pudesse ser transportado. Devido ao seu peso ‐cerca de 800 kg ‐, foi preciso o esforço de todos e algumas horas de trabalho para removê-lo.
Uma vez virado o bloco, parte da rocha foi retirada para reduzir o peso. Mesmo assim, foi necessária uma máquina para transportar o material até o acampamento.
Reconstrução geral de um dinossaruro do tipo do escavado na Patagônia. Estimativas iniciais do seu tamanho indicam que seu comprimento era de mais de 30 m. Assim, este deve ser um dos maiores dinossauros encontrados até agora. O desenho mostra ainda um homem de 1,80 m de altura representado na mesma escala (arte: Maurílio Oliveira).
Pôr-do-sol no Lago Barreales. Com impressionantes belezas naturais e um rico depósito fossilífero, esse é o sítio dos sonhos para os paleontólgos.
Paleocurtas
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Será realizado em Aracaju (SE) de 14 a 19 de agosto de 2005 o XIX Congresso Brasileiro de Paleontologia , no qual serão apresentadas as principais novidades da área, com destaque para a pesquisa de invertebrados fósseis, bastante comuns na região. Também em agosto acontece o II Congresso Latino-americano de Paleontologia de Vertebrados , já noticiado aqui.
Em agosto de 2004 um trabalhador de uma mina próxima à cidade de Hannover (norte da Alemanha) encontrou pegadas fósseis pertencentes a dinossauros herbívoros do grupo dos iguanodontes e a dinossauros carnívoros (os terópodes). As rochas correspondem à margem de uma praia que existia na região há 140 milhões de anos. As pegadas estão sendo estudadas e chamam a atenção pela excelente preservação.
A descoberta de um novo crocodilomorfo ‐ Uberasuchus terrificus ‐ foi anunciada por pesquisadores do Instituto de Geociências/UFRJ, do Centro de Pesquisas Paleontológicas L. I. Price e do Museu Nacional/UFRJ. A nova espécie, conhecida a partir de um esqueleto parcial, viveu há 70 milhões de anos na região de Uberaba (MG) e ocupava o topo da cadeia alimentar, possivelmente competindo com os dinossauros carnívoros da época.
Em 9 de abril próximo o Museu de Geologia da Universidade de Wisconsin (Madison, EUA) exibirá pela primeira vez o objeto mais antigo datado da terra: um zircão (mineral do grupo dos silicatos comumente utilizado em datações absolutas) de 4,404 bilhões de anos (!!), coletado em rochas da Austrália. O evento está sendo organizado em grande estilo e contará com um concerto especial de jazz com música composta para a ocasião.
Um parente distante do famoso dinossauro Velociraptor ‐ vilão no filme Jurassic Park ‐ foi descoberto na Patagônia. O Neuquenraptor argentinus , encontrado por pesquisadores argentinos em rochas com cerca de 87 milhões de anos na Serra de Portezuelo (Neuquén, Argentina), é um dos raros registros do grupo Deinonychosauria na América do Sul. O estudo, publicado em fevereiro na revista Nature , mostra que esse grupo de dinossauros não era exclusivo das massas continentais do supercontinente Laurásia (Europa, América do Norte e Ásia) como se supunha anteriormente, mas também era diversificado no supercontinente Gondwana (América do Sul, África, Índia e Oceania).
Pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ relataram a descoberta na região de Jales (SP) da cauda de um crocodilomorfo associado à espécie Baurusuchus pachecoi . O fóssil, procedente de depósitos com cerca de 80 milhões de anos, tem várias marcas e perfurações, interpretadas pelos autores como tendo sido feitas por um outro membro dessa espécie. Embora seja comum o comportamento agressivo em crocodilomorfos recentes, esta é a primeira vez que esse tipo de observação é feito em um representante extinto desse grupo. O trabalho que descreve esta rara evidência de comportamento social foi publicado no Journal of Vertebrate Paleontology .
Entre 19 e 26 de junho deste ano será realizado a North American Paleontology Convention na Universidade Dalhousie, em Halifax (Nova Scotia, Canadá). Nesse congresso serão apresentados trabalhos que abordam desde microfósseis até vertebrados fósseis. Destaque cabe ao simpósio Early Vertebrate Evolution, no qual serão apresentados os resultados das pesquisas referentes à evolução dos primeiros vertebrados.
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e a proposta da coluna “Caçadores de Fósseis”.