No final do século 15, navegadores europeus se aventuravam pelo Atlântico à procura de um novo caminho para o oriente. Essa empreitada possibilitaria grandes oportunidades de negócios e desenvolvimento econômico.
Além de encontrar nova rota marítima, descobriram também um ‘Novo Mundo’, com habitantes e hábitos diferentes dos que conheciam e com muito mais riquezas do que as que pretendiam trazer da Índia e China. O continente americano foi colonizado e se tornou um novo lar para muitos, inclusive para nós brasileiros, que em sua grande maioria tem origem em outras partes do mundo.
As viagens pela Terra há cinco séculos foram uma grande ousadia. No século 20, vencemos o desafio de deixar o planeta e alcançar o espaço, chegando à Lua, que está a aproximadamente 380 mil quilômetros de nós. Mas, considerando-se o Sistema Solar, essa viagem não passou de um mero passeio pelo nosso quintal. Isso foi há quase 50 anos e, depois, o homem não esteve mais lá pessoalmente.
Enviamos sondas espaciais para todos os planetas do Sistema Solar, asteroides e até cometas, como é o caso da sonda Rosetta, que permitiu que o módulo Philae fizesse um pouso inédito na superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Ainda no século 21, talvez nos próximos 20 ou 30 anos, esperamos pisar em Marte. Já a visita a outros planetas do Sistema Solar é algo que ainda está mais distante.
Mas imaginar viagens a planetas que estão ao redor de outras estrelas, mesmo aquelas que estão a dezenas de anos-luz de nós, esbarra em obstáculos tecnológicos praticamente intransponíveis. Imagine então viajar para outras galáxias, que estão a milhões de anos-luz da Terra. Será eternamente impossível essa viagem?
Ela ainda é tecnologicamente inviável, mas talvez seja fisicamente possível. É essa a temática do filme Interestellar, do diretor Christopher Nolan, lançado recentemente. No filme, a humanidade, em um futuro não muito distante, vive uma época na qual as condições da Terra estão seriamente comprometidas. Surge então a oportunidade de se fazer uma viagem para outra galáxia em busca de um planeta habitável para garantir a sobrevivência de nossa espécie.
Para realizar essa jornada fantástica, os astronautas atravessam um estranho objeto chamado ‘buraco de minhoca’ (wormhole, em inglês). Essa entidade pode existir, como prevê a teoria da relatividade geral, de Albert Einstein, desenvolvida para explicar a força que domina o universo em grande escala: a gravidade.
Atalho no espaço-tempo
O termo buraco de minhoca foi criado pelo físico norte-americano John Wheeler (1911-2008) para designar um ‘atalho’ através do espaço e do tempo. Um buraco de minhoca possui pelo menos duas ‘bocas’ conectadas a uma única ‘garganta’ ou ‘tubo’, que hipoteticamente permitiria que a matéria atravessasse esse ‘tubo’ e viajasse de uma ‘boca’ à outra.
O nome dado a essas estruturas vem da analogia com um verme que está na casca de uma fruta e pode pegar um atalho para o lado oposto da fruta por um caminho através do miolo, em vez de mover-se pela superfície. Da mesma forma, um viajante que atravessasse um buraco de minhoca pegaria um atalho para o lado oposto do universo por um túnel.
A teoria da relatividade geral descreve os efeitos da força da gravidade. A ideia básica dessa complexa teoria é que a presença de matéria ‘distorce’ o espaço e o tempo ao seu redor. Imagine que o espaço seja uma toalha esticada, apoiada pelas pontas. Ela fica esticada e plana se nada for colocado sobre ela. Mas um objeto com massa posto sobre ela afundará e curvará a lona. Qualquer objeto lançado sobre essa lona tenderá a ser atraído na direção da curvatura. Quanto maior a massa do objeto, maior a curvatura do espaço.
Ainda nesse contexto, Einstein mostrou que o espaço e o tempo estão interligados, formando um continuum espaço-tempo de quatro dimensões. Os buracos de minhoca ‘furam’ esse espaço quadrimensional, permitindo que grandes distâncias sejam interconectadas e que o próprio tempo passe de maneira diferente. Para compreender essa ideia, vamos novamente lançar mão de uma analogia, que, embora não seja precisa, ajuda a entender esse efeito.
Imagine uma folha de papel com dois pontos desenhados em suas extremidades. A distância que separa esses pontos é o tamanho da folha de papel. Mas, se dobrarmos a folha de forma que os dois pontos se toquem, a distância fica praticamente nula. Podemos visualizar isso facilmente na folha, pois é como se ela fosse um objeto bidimensional. No caso do buraco de minhoca, não apenas o espaço tridimensional é dobrado, mas também o próprio tempo.
Quanto mais intenso é o campo gravitacional, mais devagar o tempo passa. Esse efeito pode ser verificado aqui mesmo em nosso planeta. Os relógios atômicos dos satélites que formam a rede de GPS têm que ser corrigidos em função da distância que estão da Terra ao longo de suas órbitas, pois quando estão mais próximos da superfície a gravidade atrasa os relógios na ordem de 1 nanossegundo (1 bilionésimo de segundo).
Ficção e realidade
Em algumas passagens do filme Interestellar podemos ver vários desses efeitos (cuidado com spoilers a partir deste ponto do texto!). Os astronautas, ao descer em um planeta que estava muito próximo de um buraco negro (estrela com densidade tão alta que sua gravidade é intensa o suficiente para que nem a luz possa escapar dela) e ficar aí por cerca de uma hora, quando voltam para a nave espacial já se passaram aproximadamente 23 anos.
Um dos pontos mais polêmicos do filme, a meu ver, é quando o astronauta Cooper cai dentro do buraco negro. O primeiro efeito que ocorreria nesse caso é que ele se despedaçaria devido à intensa gravidade do buraco negro. A diferença de forças entre os pés e a cabeça do astronauta seria tão grande, que o partiria em muitos pedaços.
Desde o início do filme há indícios de que o buraco de minhoca em nosso Sistema Solar, ao redor de Saturno, foi uma criação artificial, ou seja, de alguma civilização muito avançada. Ao entrar no buraco negro, o astronauta Cooper pode entender os fenômenos que começaram a acontecer no quarto de sua filha.
Nesse lugar, artificialmente criado, ele pode ver simultaneamente diversos instantes do tempo, pois, como espaço e tempo são indistinguíveis, o tempo é apenas mais uma dimensão, como quando, ao observar uma direção (norte-sul), podemos ver o passado e o futuro. O mais surpreendente de tudo é que a própria humanidade, em um futuro muito distante, criou a estrutura dentro do buraco negro para, de alguma forma, nosso herói salvar a humanidade no passado.
Eventos complexos abordados no filme são, na maioria das vezes, especulações, que podem até ser fisicamente possíveis, como o próprio filme coloca, mas ainda não sabemos se de fato são por não compreendermos os efeitos quânticos da gravidade. A teoria da relatividade geral é incompatível com a física quântica na forma que a conhecemos e é fundamental para descrever o que acontece no interior de objetos exóticos como os buracos negros. A salvação da humanidade, segundo o filme, dependeu exatamente disso.
Na literatura ou no cinema, a ficção científica é um exercício de criatividade daqueles que a escrevem ou filmam. No caso de Interestellar, o diretor foi bastante feliz e obteve um resultado interessante. O foco principal do filme é sem dúvida a jornada realizada pelo astronauta Cooper, que foi muito além do tempo e do espaço. Mas, além disso, Cooper busca também encontrar-se com seus próprios sentimentos.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Um nanossegundo equivale a 1 bilionésimo de segundo, e não a 1 milésimo de bilionésimo de segundo, como informado anteriormente. (24/11/2014)