Júnior Baiano e Ronaldinho Gaúcho juntos!

Células IKDC antes (A) e depois (B) de terem sido serem ativadas. As imagens foram obtidas por microscópio no baço de camundongos (fonte: Chan et al., 2006).

As células dos mamíferos têm sido exaustivamente pesquisadas e hoje conhecemos as funções principais de seus vários tipos celulares. Porém, fomos surpreendidos por duas pesquisas publicadas em 12 de fevereiro na revista Nature Medicine , lideradas por Franck Housseau, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, e pela francesa Laurence Zitvogel, da Faculdade de Medicina Kremlin-Bicêtre, em Paris. Esses estudos revelaram a existência em camundongos de um tipo celular desconhecido pela ciência e têm levado vários laboratórios a travarem uma acirrada disputa para ter o privilégio de descrever primeiro essas células em seres humanos.

Esta célula, conhecida como IKDC – iniciais em inglês para ‘célula dendrítica assassina produtora de interferon’ – faz parte do sistema imune, uma linha de defesa do organismo contra patógenos invasores e células defeituosas. Porém, ela possui características que a tornam uma espécie de mistura entre um zagueiro vigoroso – como o veterano Júnior Baiano – com um meia talentoso e capaz de coordenar toda a ação de seu time – como Ronaldinho Gaúcho. As IKDCs combinam a capacidade de destruir patógenos ao mesmo tempo que armazenam e distribuem informações sobre esses invasores para outras células, aumentando a eficiência do sistema imune.

O sistema de defesa do organismo atua através da ação coordenada de diversos tipos celulares. Exemplos são as células dendríticas, que coletam informações dos invasores e as distribuem, permitindo uma ação coordenada dos componentes do sistema imune, ou as células conhecidas como assassinas naturais (NK, nas iniciais em inglês), responsáveis pela destruição de bactérias invasoras e de células cancerosas.

Em sua pesquisa com camundongos, o grupo de Housseau estava examinando tipos de células dendríticas produtoras de uma molécula conhecida como interferon, utilizada para a comunicação celular, quando notou nas membranas plasmáticas de um pequeno grupo de células analisadas a existência de interferons encontrados apenas nas células NK.

As imagens indicam a regressão de tumores no pulmão de camundongos na presença de células IKDC (a), em comparação com animais que não possuem essas células ativadas (b) (fonte: Taieb et al., 2006).

Posteriormente, os pesquisadores marcaram as IKDCs com moléculas fluorescentes e infectaram os camundongos com bactérias patogênicas. Inicialmente, as IKDCs foram encontradas combatendo os invasores no sangue, intestino, fígado e outros órgãos – como fariam as células NK. Porém, após algum tempo, as IKDCs passaram a ser observadas nos linfonodos, espécies de quartéis generais do sistema imune distribuídos pelo corpo. Nos linfonodos, 35% das IKDCs estavam agora se comportando como células dendríticas com grande número de prolongamentos citoplasmáticos e moléculas específicas. Esta mudança ocorre apenas em uma ocasião e, após algum tempo, essas células são destruídas.

Já a pesquisa do grupo de Zitvogel mostrou que as IKDCs são mais que uma mera curiosidade ou um ornitorrinco imunológico (o ornitorrinco é um simpático animalzinho que representou um desafio para a classificação dos animais, pois parece um pato e bota ovos, mas tem pêlos e alimenta seus filhotes com leite). A equipe francesa mostrou que a introdução das IKDCs em camundongos, nos quais células tumorais haviam sido previamente implantadas, levou a uma diminuição no surgimento de tumores. O mesmo não ocorreu quando foram utilizadas apenas células NK.

Devemos aguardar para os próximos meses os resultados das tentativas de descrição de um tipo de células semelhantes às IKDCs nos seres humanos – algo equivalente a se descobrir uma nova espécie de mamífero desconhecida pela ciência em pleno século 21. A raridade das IKDCs dificulta esta tarefa: acredita-se que, em camundongos, esse tipo celular represente menos de 10% do total de células do sistema imune presentes em locais como o baço. Porém, se essas células realmente existirem, podemos descobrir que nosso corpo possui mais um craque em nossa batalha diária contra agentes infeciosos e moléstias como o câncer.
 

Jerry Carvalho Borges
Universidade do Texas em San Antonio
(pós-doutorando)
17/03/2006