Mais do que fórmulas matemáticas

A física é um conjunto de conhecimentos que possibilita compreendermos a natureza de uma maneira muito profunda. As teorias e os modelos desenvolvidos ao longo de séculos construíram uma estrutura que permite entender o universo em larga escala – explicando os movimentos de planetas, estrelas e galáxias –, bem como descrever a interação das partículas elementares para a formação de átomos e moléculas.

Essa ousadia de tentar explicar tudo, é claro, tem um preço. A física consegue resolver de maneira exata um certo número de problemas. Outros são solucionados apenas de maneira aproximada. Por exemplo, para calcularmos os efeitos gravitacionais entre dois corpos, como a Terra e a Lua, encontramos uma equação geral que descreve o movimento. Entretanto, se considerarmos a ação de um terceiro corpo, como o Sol, a solução não é mais analítica, ou seja, não dispomos mais de uma equação geral. Nesse caso, é necessário fazer uma solução numérica, ou seja, resolver a equação de forma aproximada. Quanto mais aproximações numéricas são feitas, mais preciso é o resultado obtido. Aqui, a limitação é apenas a capacidade computacional de resolver o problema.

A descrição matemática que a física usa leva, muitas vezes, as pessoas a confundi-la com a própria matemática. Como professor, já ouvi diversas vezes de alunos iniciantes que a física era um monte de fórmulas matemáticas. Isso decorre do fato de, infelizmente, a física ser apresentada dessa maneira para os alunos do ensino fundamental e médio, como uma contínua aplicação de fórmulas matemáticas e, na maioria das vezes, sem a contextualização necessária.

Quando lemos um livro ou um texto qualquer, não basta apenas conhecermos o significado de cada palavra isolada. É a partir do conjunto que elas formam frases e expressam ideias. Com um conjunto de ideias é que construímos um certo entendimento de um determinado assunto. Por exemplo, em um poema, cada verso e a ordem em que surgem são importantes para expressar a ideia do poeta. Além disso, cada leitor pode fazer uma interpretação diferente, construindo assim uma nova forma de entendimento, que pode mudar a cada leitura.

Física
Para descrever os fenômenos da natureza, os físicos começam atacando os problemas mais simples de forma ampla para depois resolver os mais complicados de forma mais particular. (imagem: M.Murat Akyil/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Da mesma maneira, a abordagem de um problema físico não é apenas a aplicação de uma determinada equação. Para descrever os fenômenos da natureza, os físicos quase sempre começam pelo problema mais simples, atacando-o da forma mais ampla possível, para só depois resolver os problemas mais complicados de uma forma mais particular.

Sobre molas e pêndulos

Um dos problemas prediletos dos físicos chama-se ‘oscilador harmônico’. Exemplos de osciladores harmônicos simples é o movimento periódico de um objeto preso a uma mola ou um pêndulo. Nesses casos, temos um objeto que se aproxima e se afasta periodicamente da posição de equilíbrio na qual a mola não se encontra nem comprimida nem esticada ou, no caso de um pêndulo, quando a massa não está nem na posição mais alta nem na mais baixa, conforme mostra a figura.

Pedulo

A equação que descreve esse movimento, baseada nas leis de Newton, é facilmente resolvida e explica com grande precisão esse movimento, calculando-se, por exemplo, a frequência da oscilação do corpo.

Para um sistema massa-mola, essa frequência depende da razão entre a constante de mola – que por sua vez depende do tipo de material de que ela é feita – e do valor da massa do corpo. Para o pêndulo, se ele oscilar com pequenas amplitudes, essa frequência depende do comprimento do pêndulo e da aceleração da gravidade.

Por que esse problema, de uma massa pendurada em uma mola ou um pêndulo oscilando, pode ter alguma importância fundamental na física?

É que esse tipo de situação – oscilação periódica – se apresenta em muitas situações físicas. Por exemplo, em alguns circuitos eletrônicos, os movimentos das correntes elétricas se comportam como se fossem osciladores. Os aparelhos de rádio e televisão convencionais captam os sinais emitidos por estações por meio de antenas. Para sintonizarmos em uma estação específica, ajustamos o equipamento de forma que os seus circuitos internos criem oscilações na mesma frequência que a estão recebendo, para amplificar o sinal recebido. Por isso as emissoras de rádio sempre divulgam a frequência na qual elas estão transmitindo. Ou seja, se uma estação de rádio transmite em 100 MHz (cem milhões de Hertz), para captar o sinal é necessário que o aparelho de rádio esteja ajustado na mesma frequência.

Oscilação quântica

Outro problema interessante de se descrever como se fosse um oscilador harmônico é a interação entre átomos ligados entre si formando uma estrutura sólida. Embora as ligações químicas entre átomos ocorram em função da interação da força eletromagnética, em uma primeira aproximação, para poder compreender esse fenômeno, podemos imaginar que os átomos estão ligados entre si por pequenas molas, que fazem com que eles oscilem em torno de uma posição de equilíbrio.

Como se trata da interação entre átomos, a descrição desse fenômeno precisa lançar mão da física quântica. Ao se resolver o problema do ‘oscilador harmônico quântico’, é possível descrever em quais frequências os átomos oscilam e calcular com que energia isso ocorre. O resultado obtido mostra que os átomos nessa situação somente assumem alguns valores de energia proporcionais a constante de Planck, que é a constante fundamental da física quântica. Como consequência, é possível descrever como se comporta a capacidade térmica dos materiais em função da temperatura, que é de fundamental importância para aplicações tecnológicas.

Infelizmente, fenômenos complexos, como a própria vida e o pensamento estão fora do alcance da abordagem da física

Esse método que a física utiliza, associado a uma descrição matemática precisa, permite que possamos descrever o enredo no qual se desenvolvem os fenômenos físicos. Infelizmente, fenômenos complexos, como a própria vida e o pensamento estão fora do alcance da abordagem da física. Talvez um dia, com o avanço das teorias e dos métodos nessa área, possamos também desvendar esses mistérios e compreender o universo como um todo.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos