Mais eu olho, mais eu gosto; mais eu gosto, mais eu olho

É claro que um rosto bonito segura o nosso olhar por mais tempo. Mas não se esperava que o contrário também fosse verdade: quanto mais se olha para um de dois rostos, maiores se tornam as chances de aquele vir a ser eleito o favorito.

A descoberta foi feita por Shinsuke Shimojo e colaboradores, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA), e será publicada na revista Nature Neuroscience de dezembro. A tarefa dos 24 voluntários do estudo era simples: escolher o mais atraente em cada um de vários pares de rostos, sem pressa. Quando decidissem, bastava indicar a escolha apertando um botão. Enquanto isso, os pesquisadores registravam seus movimentos dos olhos, para medir quanto tempo os voluntários dedicavam a cada foto, lado a lado, à medida que decidiam qual era o rosto mais atraente.

Com apenas duas opções, esperava-se que os voluntários passassem metade do tempo olhando para cada rosto, comparando-os, até se decidirem. Mas isso só ocorreu no início de cada nova escolha. A partir de um certo ponto, o olhar dos voluntários aos poucos se concentrava cada vez mais em um dos rostos, que terminava por segurar o olhar dos voluntários… e então era declarado o vencedor.

Até aqui ainda não seria possível dizer se o fato de olhar mais tempo para um rosto contribui para sua escolha como o mais atraente. Mas os pesquisadores foram além: mudaram a forma de apresentação das duas alternativas para poder manipular o tempo total de observação de cada rosto pelos voluntários. Ao invés de verem duas fotos lado a lado, os voluntários agora olhavam fixamente para um ponto no centro da tela, onde apareciam alternadamente fotos de um rosto ou de outro. O objetivo, claro, era determinar se seria possível influenciar a escolha dos voluntários fazendo um dos rostos ser visto mais longamente do que o outro.

Não deu outra: de cada par, o rosto que os pesquisadores haviam mostrado por mais tempo aos voluntários tinha maior probabilidade de ser escolhido ’o mais atraente’. A manipulação não é total: ao menos nesse estudo, mostrar um dos rostos por mais tempo não garante que ele receberá a preferência do observador. Mas o efeito é claro, fazendo as chances de um dos rostos do par ser o escolhido subirem de 50% para 60%.

Para os autores, a manipulação da preferência segundo o tempo de observação de um rosto é possível devido a um ’efeito bola-de-neve’, em que uma pequena tendência inicial a olhar para uma das imagens faz com que ela seja vista por mais tempo, o que contribui para a formação de preferência. A preferência, por sua vez, provavelmente faz com que o rosto que começa a ser preferido seja olhado mais longamente. Olhar mais longamente reforça ainda mais a ’atração’ pela imagem, que faz com que ela continue a ser olhada mais longamente… e assim a bola-de-neve vai crescendo, até que a preferência se torna consciente, e o voluntário aperta o botão.

O efeito não é limitado a rostos: olhar mais longamente uma de duas figuras abstratas também aumenta as chances de ela ser eleita a mais atraente. Curadores de museus, anotem esta: os visitantes certamente agradecem aquele sofazinho colocado em frente aos quadros mais populares. Mas quem sabe um sofá bem confortável instalado estrategicamente diante de uma tela desconhecida não poderia ser o peteleco que faltava para torná-la um sucesso?

Fonte: Shimojo S, Simion C, Shimojo E, Scheier C. Gaze bias both reflects and influences preference. Nature Neuroscience , dezembro de 2003.

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia