Mais respeito aos carecas

Uma verdade inegável da condição humana é que a aparência importa. Os seres humanos tendem a fazer inferências sobre a personalidade e o sucesso de cada um com base no aspecto físico.

Da mesma forma, a dominância, que pode ser definida pelo conjunto de características que fazem alguém ser percebido como ‘poderoso’ pelos outros, também está associada a comportamentos e características físicas, que, por sua vez, são usadas para aumentar a influência interpessoal e capacidade de liderança de cada indivíduo.

Em 1996, dois pesquisadores da Universidade de Marburg, na Alemanha, foram capazes de predizer, a partir da análise de fotos de cadetes – na época de suas formaturas – quais daqueles jovens alcançariam a patente de general 20 anos depois. Os militares de feições dominantes foram os mais bem-sucedidos na carreira militar.

Com base nessa observação, Albert Mannes, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, resolveu examinar o impacto social da opção voluntária de homens por raspar a própria cabeça, o que poderia exacerbar a aparência dominante nesses indivíduos.

O trabalho, publicado no mês passado na revista Social Psychological and Personality Science, analisa uma característica física maleável, uma escolha pessoal que, por sua vez, soa contraditória, visto que uma cabeleira espessa sempre esteve associada à força, juventude e virilidade, e sua ausência à velhice, fraqueza e impotência.

Por que raspar a cabeça?

A calvície masculina, ou alopecia, é um condição que a maioria dos homens irá experimentar em algum momento da vida e que tem consequências psicológicas, sociais e econômicas consideráveis.

Embora comum e normal, é associada à baixa autoestima, estresse e depressão. É por isso que muitos homens tentam ocultar ou reverter a perda natural de seus cabelos, alimentando uma indústria que movimenta 3,5 bilhões de dólares anualmente.

Embora comum e normal, a calvície masculina é associada à baixa autoestima, estresse e depressão

Será que homens que rejeitam um símbolo extremamente poderoso e popular de virilidade e juventude tornar-se-iam ainda mais vivos e mais viris do que seus pares cabeludos?

Uma segunda hipótese é que homens que raspam suas cabeças violariam uma norma social. E quando as pessoas testemunham alguém violando uma dessas normas, tendem a assumir que se trata de um indivíduo forte.

O que a pesquisa sugere, no entanto, é que um homem que elimina voluntariamente todos os seus cabelos pode estar buscando os traços estereotipados de atletas e heróis de cinema. Há inúmeros exemplos de filmes de ação e aventura com atores de cabeças raspadas.

Dominantes, másculos e líderes

Na primeira etapa do estudo de Mannes, fotografias de 25 homens foram selecionadas a partir do diretório de uma universidade americana. Cada um deles foi fotografado em um fundo idêntico, do peito para cima e usando terno escuro e gravata. Dez homens tinham a cabeça raspada, quinze usavam o cabelo em estilos variados, desde cortado rente e curto até longos na altura dos ombros. Nenhum deles tinha barba ou sinais de calvície.

Cinquenta e nove alunos (sendo 35 mulheres) classificaram as fotos da seguinte forma:

Tabela 2b

Os resultados indicam que os entrevistados perceberam os homens com cabeças raspadas como os mais dominantes e sociáveis. De certo modo, à luz da evidência psicológica considerável que liga a calvície a um posicionamento inferiorizado, a descoberta é surpreendente. Por outro lado, os mesmos indivíduos foram considerados menos atraentes e mais velhos.

Num segundo experimento, 344 participantes (177 do sexo feminino) avaliaram fotografias de quatro homens com cabelo e outras fotografias, dos mesmos homens, com os cabelos removidos digitalmente. Mantendo a mesma pessoa, mas simplesmente manipulando seu ‘penteado’, o autor buscou eliminar atributos não observados como uma explicação para diferenças na percepção de dominância.

Os homens com o cabelo removido digitalmente foram percebidos como mais dominantes do que os mesmos homens com cabelo, e esse efeito foi atribuído, em parte, à confiança e masculinidade percebidas. Esses mesmos indivíduos também foram considerados mais altos e fortes quando retratados com suas cabeças raspadas. Como só o cabelo foi alterado nas fotografias, outros fatores não puderam explicar as diferenças observadas.

Tabela 1b

O autor realizou ainda uma terceira análise, na qual perguntou se a dominância poderia ser atribuída ao conhecimento adquirido de que há mais testosterona nas pessoas calvas. Se fosse este o caso, não deveria haver diferenças entre indivíduos de pouco cabelo ou cabeça raspada quando comparados entre si, mas somente quando comparados àqueles com cabelo. Consistente com os dados da análise anterior, homens de cabeça raspada foram percebidos como mais dominantes, másculos e líderes.

As análises sugerem que um couro cabeludo raspado está ligado à dominância, muito provavelmente a partir de estereótipos

As três análises descritas aqui sugerem que um couro cabeludo raspado está ligado à dominância, muito provavelmente a partir de estereótipos, e não pelo fato de rejeitarem um símbolo popular ou violarem uma norma social.

O autor, que, aliás, adotou o visual sem cabelos, termina o artigo sugerindo que homens que experimentam a calvície deveriam raspar a cabeça, o que poderia aumentar sua capacidade de liderança, promover ascensão social e econômica e aliviar, de forma paliativa, os prejuízos psicológicos e financeiros associados a essa perda. Quem se anima?


Stevens Rehen
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro