‘Mamãe’ dinossauro e seus 34 filhotes

Reconstituição artística do grupo de dinossauros que viveu há aproximadamente 120 milhões de anos na China (imagem: Maurílio Oliveira/ Museu Nacional)

Os depósitos de fósseis da província de Liaoning, na China, continuam surpreendendo os pesquisadores. Além das diversas descobertas importantes feitas nesses últimos anos — que incluem aves fósseis, ovos de pterossauros e vários grupos extintos de invertebrados e plantas –, recentemente foi registrado um achado inusitado, publicado na revista Nature (9 de setembro de 2004): 35 fósseis de dinossauros. Esses exemplares são procedentes de uma camada com aproximadamente 120 milhões de anos que compõe um conjunto de rochas ao qual se dá o nome de formação Yixian.

Bom, até aí a descoberta não teria nada de tão excepcional, já que em outros lugares do mundo quantidades expressivas desses répteis são encontradas. A surpresa vem da análise detalhada do material: todos os exemplares pertencem a apenas um tipo de dinossauro — o Psittacosaurus (a espécie ainda não foi determinada), uma forma herbívora. E mais: são um só adulto e 34 animais juvenis. O crânio do adulto tem comprimento de 11,5 cm, enquanto o dos filhotes gira em torno de 4 (!) cm. A julgar pela ossificação do esqueleto, nenhum deles devia ser um embrião, ou seja, apesar de bastante jovens, podiam se locomover livremente. Agora, o mais surpreendente: todos estavam preservados em uma placa de 0,5 m x 0,5 m (totalizando 0,25 m2)!

Qual o significado de uma concentração tão grande de dinossauros de uma mesma espécie em uma área tão pequena? Um estudo detalhado da relação dos fósseis com a rocha onde estão preservados (disciplina chamada de tafonomia) indica claramente que esse agrupamento não é obra do acaso: os esqueletos estão articulados, em posição semelhante a que os animais teriam em vida. A análise do sedimento exclui a possibilidade de que diversos esqueletos desses Psittacosaurus tivessem sido transportados de pontos distantes para se acumular em uma área tão pequena. Os estudos tafonômicos também mostram que, depois de mortos, não houve exposição prolongada das carcaças desses dinossauros e o soterramento foi muito rápido — minutos ou, no máximo, algumas horas. A conclusão da pesquisa indica que todos os 35 dinossauros deveriam ter estado juntos ou bem próximos antes de se tornarem fósseis.

Os 35 esqueletos de Psittacosaurus encontrados em depósitos na província chinesa de Liaoning estão articulados, em posição semelhante a que os animais teriam em vida 
(foto: Jinyuan Liu) 

O que esse Psittacosaurus adulto estava fazendo com 34 Psittacosaurus juvenis ao seu lado? A explicação mais convincente é que os 35 faziam parte de um mesmo grupo, talvez uma ou mais famílias, e que o animal adulto estava cuidando dos mais novos. Não podemos afirmar com certeza que se tratava de uma ‘mamãe’ ou um ‘papai’ Psittacosaurus , ou mesmo se todos os indivíduos juvenis pertenciam a uma mesma ninhada (embora essa possibilidade não esteja descartada). O que podemos afirmar é que a associação desses dinossauros indica que Psittacosaurus adultos cuidavam de indivíduos mais jovens — um resultado extremamente importante, pois é uma rara evidência direta do comportamento de animais extintos.

Evidências de dinossauros que cuidavam de filhotes já foram levantadas anteriormente. O caso mais famoso é o de Maiasaura peeblesorum , dinossauro herbívoro do grupo dos hadrossauros. Centenas de fragmentos dessa espécie (poucos exemplares completos) e ninhos foram encontrados em diversos pontos de uma extensa área em camadas de 78 milhões de anos em Montana (Estados Unidos). Nada, porém, tão dramático como a ocorrência da China.

Outra pergunta que essa descoberta deixa no ar: como todos esses Psittacosaurus morreram? A causa mortis em fósseis dificilmente pode ser determinada com precisão, mas no caso específico dessa descoberta existem duas possibilidades principais. A primeira seria uma erupção vulcânica, que teria despejado cinzas, levando à morte por asfixia desses dinossauros. Tal hipótese se baseia no fato de níveis com cinzas vulcânicas serem bastante comuns em toda a seqüência de camadas que formam os depósitos de Liaoning. Outra possibilidade seria esses dinossauros terem sido pegos de surpresa por uma enchente e morrido por afogamento. Certamente não teria sido uma tsunami — onda gigante da qual tanto se fala pela tragédia ocorrida no final do ano passado no Oceano Índico –, principalmente pelo fato de que há 120 milhões de anos a região de Liaoning ficava bem longe da costa. Porém, enchentes devido a diversos fatores são bem comuns na natureza e talvez esta seja a melhor hipótese para explicar a morte desses pobres Psittacosaurus .

Seja como for, são essas ‘tragédias do passado’ que produzem exemplares importantes e fornecem aos paleontólogos pistas de como animais extintos viveram. Desgraça para uns, alegria para outros… 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
07/01/05

 

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De 6 a 16 de dezembro de 2004 foi realizado o primeiro workshop internacional de preparação de fósseis. A atividade, parcialmente financiada pela Society of Vertebrate Paleontology, ocorreu no Museu Paleontológico Egidio Feruglio, na cidade de Trelew (Chubut, Argentina). Especialistas dos Estados Unidos e do Brasil apresentaram uma variedade de técnicas para preparadores de fósseis de instituições argentinas e brasileiras, visando a uma melhor capacitação técnica dos profissionais atuantes nesses países. É sempre bom lembrar que fósseis fazem parte do patrimônio de uma nação e sua conservação para as gerações seguintes é um dever da sociedade.

Após o sucesso no Museu de Ciência da PUC do Rio Grande do Sul, a exposição temporária intitulada Arte Fóssil está em exibição na Estação Ciência , em São Paulo (SP), onde ficará até 23 de janeiro. O inovador dessa mostra é apresentar para o público diversos icnofósseis — rastros e pegadas que ficaram preservados nas rochas sedimentares. Ao contrário dos ossos e dentes, os icnofósseis são marcas que indicam a passagem de um animal sobre a superfície em tempos passados.

Fósseis encontrados em rochas de 575-560 milhões de anos da região conhecida como Mistaken Point, em Newfoundland (Canadá), fornecem novas informações sobre as primeiras formas complexas de vida no nosso planeta. Classificados dentro da fauna de Ediacara, que agrupa as formas mais antigas de animais com uma estrutura complexa conhecidas até agora, os novos fósseis representam animais desprovidos de esqueleto e que viviam em ambientes marinhos profundos. Exibindo estruturas ramificadas de tamanho centimétrico, esses novos animais não têm nenhuma relação de parentesco com formas modernas, ao contrário de outras espécies da fauna de Ediacara. A descoberta, uma das mais importantes do ano passado, foi matéria de capa da revista Science em 20 de agosto de 2004.

A ocorrência de novos ovos de pterossauros na Argentina e na China foi recentemente publicada na revista Nature (2 de dezembro de 2004). Curiosamente, a natureza dos ovos é bastante distinta: enquanto o material argentino (com 100 milhões de anos) tinha casca ‘dura’ formada por cristais de calcita — como os das aves –, o da China (com 121 milhões de anos) tinha a casca ‘mole’ — como os de algumas tartarugas e lagartos. Esse fato é um tanto curioso – embora não impossível — e certamente levará algum tempo para ser avaliado pelos pesquisadores, já que raramente grupos de vertebrados possuem características de ovos tão distintas, sobretudo animais voadores. De qualquer forma, as descobertas abrem novos caminhos para a pesquisa desse extinto grupo de répteis alados.

Uma interessante pesquisa sobre crustáceos fósseis foi recentemente publicada na Revista de Paleontologia . São 52 exemplares coletados em rochas com aproximadamente 60 milhões de anos na pedreira Poty, no município Paulista, em Pernambuco. O estudo revelou que os exemplares pertencem a duas espécies distintas ( Necrocarcinus sp. e Costacopluma nordestina ) e que essa região de Pernambuco era um ambiente costeiro, possivelmente um mangue, há milhões de anos.  

 

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