Meteorologia, história e tempestades imprevistas

Christina Barboza ajeitou o GPS do carro alugado e rumou para Quixadá, terra de Rachel de Queiroz. Mas não foi o interesse pela literatura que motivou a historiadora a dirigir sozinha de Fortaleza para lá. Para ela, Quixadá é a terra dos monólitos e do açude do Cedro, o primeiro a ser construído no Brasil depois da terrível seca de 1877.

Mas, sobretudo, Quixadá foi um dos destinos da Comissão Científica do Império, como ficou conhecida a primeira expedição científica brasileira que, entre 1859 e 1861, explorou o território do Ceará para coletar dados sobre várias áreas do conhecimento, inclusive a astronomia.

À época, Quixadá, assim como a vizinha Quixeramobim, chamava a atenção por suas excepcionais condições meteorológicas.

Pesquisadora em história da ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), Christina há anos estuda a história da meteorologia no Brasil, assunto tão importante quanto pouco estudado entre nós.

Mas, em um movimento contrário ao dos céticos e brincalhões – que insistem em afirmar que seguir previsão do tempo é o mesmo que acreditar em Papai Noel –, a meteorologia vem ganhando mais espaço nas pesquisas de historiadores que se dedicam a analisar tanto as práticas meteorológicas no país quanto à repercussão e discussão de fenômenos importantes relativos a esse campo de estudos.

Veja neste vídeo imagens do Açude do Cedro, o mais antigo do Brasil

Prever para evitar

Entre esses fenômenos está a tempestade de 11 de julho de 1887, ocorrida na entrada da Lagoa dos Patos, na costa do Rio Grande do Sul. As chuvas provocaram o naufrágio do navio a vapor Rio Apa, que partiu do Rio de Janeiro no início do mês, com destino a Montevidéu. Poucos sobreviveram.

O Jornal do Commercio não poupou críticas aos responsáveis. Em matéria publicada em 21 de julho daquele ano, “ainda debaixo da dolorosa impressão dos sinistros ocorridos na nossa costa do sul”, alerta o governo sobre “a necessidade de iniciar a organização de um serviço meteorológico semafórico ao correr do nosso litoral. (…) É incalculável o número de naufrágios que tem poupado este serviço excelentemente organizado em alguns países da Europa e nos Estados Unidos…”.

A tragédia aconteceu justamente na época em que se tentava organizar uma rede de estações meteorológicas no Brasil. Afinal, ao contrário do que dizia a matéria do Jornal do Commercio, até mesmo na Europa a atividade era recente.

A tragédia aconteceu na época em que se tentava organizar uma rede de estações meteorológicas no Brasil

O primeiro serviço meteorológico europeu foi iniciado na Inglaterra, em 1861, e, dois anos depois, a França inaugurava o seu. Não seria de se espantar, portanto, se, em 1887, o Brasil ainda engatinhasse no assunto.

Mas nem era o caso. Sem levar em consideração as observações meteorológicas feitas pelas populações indígenas, as primeiras medições científicas foram feitas em 1781, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Esforços e dificuldades

Em 1827, foi criado o primeiro observatório astronômico do Brasil, transformado, algum tempo depois, em Imperial Observatório do Rio de Janeiro.

Imperial Observatório
Fachada sul do prédio que abrigava o Imperial Observatório no morro do Castelo. (foto: Observatório Nacional)

 

Na segunda metade do século 19, já estavam sendo realizadas no Brasil observações meteorológicas. Elas eram feitas por cientistas como Oswaldo Weber, que estudou o volume de chuvas no Ceará, e o belga Luis Cruls, que, em 1882, publicou a monografia “O clima do Rio de Janeiro”, baseada em 40 anos de observações meteorológicas.

Era justamente Cruls que tentava organizar uma rede meteorológica brasileira para obter informações fidedignas sobre o comportamento da atmosfera. As observações precisavam ser feitas sempre às 9h7m19s da manhã, hora local no Rio de Janeiro e meio-dia em Greenwhich.

O problema é que os dados eram coletados por cientistas amadores voluntários espalhados pelo território brasileiro. Além de boa vontade, estes ainda tinham que dispor de um telégrafo para transmitir as informações colhidas localmente para o observatório no Rio de Janeiro.

Tantas dificuldades explicam por que, olhando as tabelas com dados sobre a pressão atmosférica, força e direção dos ventos entre 8 e 13 de julho de 1887 de todo o Brasil, era tão difícil prever o temporal que causou o naufrágio do Rio Apa.

Tabela da Revista do Observatório
Tabela com dados sobre a pressão atmosférica, força e direção dos ventos entre 8 e 13 de julho de 1887, mês e ano do naufrágio do navio a vapor brasileiro Rio Apa. Imagem reproduzida da ‘Revista do Observatorio’, Anno II, n. 8, agosto de 1887.

 

Foi o que tentou explicar Henrique Morize, funcionário responsável pelo serviço meteorológico do Imperial Observatório à época. Segundo ele, “estas tempestades, vindas do alto mar, tornam-se dificílimas de prever, pois que já podem estar muito desenvolvidas no oceano, onde não há ilhas em que se possam organizar estações”.

Embora outras polêmicas tenham cercado o caso, parece que esta acabou convencendo os que ainda não estavam convencidos das dificuldades envolvidas na previsão do tempo no Império do Brasil.

A Princesa Isabel decidiu, em 1888, criar uma instituição específica para cuidar do assunto: a Repartição Central Meteorológica

Pelo menos foi o que aconteceu com a Princesa Isabel. Talvez por influência da tragédia, ela decidiu, em 1888, um mês antes de abolir a escravidão, criar uma instituição específica para cuidar do assunto: a Repartição Central Meteorológica. 

Em pleno verão carioca, cada vez mais inclemente, é quase impossível encontrar tema de estudo mais pertinente. Sobretudo diante das persistentes dificuldades na previsão do tempo.

Afinal de contas, alguém tem que explicar por que o novíssimo radar meteorológico da cidade não captou a chuvarada que acabou por deixar o bairro de Laranjeiras, lar desta colunista, praticamente submerso!

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

 

Sugestões para leitura

Barboza, Christina Helena da Motta. Tempo bom, meteoros no fim do período: uma história da meteorologia em meados do século XIX através das obras de Emmanuel Liais. Tese de Doutorado, FFLCH/Universidade de São Paulo, São Paulo (mimeo). 2002.

Barboza, Christina Helena da Motta. “A previsão do tempo no Império”, Nossa História, 3(27): 74-79, 2006.

Kury, Lorelay (org.). Comissão Científica do Império, 1859-1861. Rio de Janeiro: Editora Andrea Jakobsson Estúdio, 2009.