Mobilidade elétrica em espaço reduzido

Paira sobre o avanço tecnológico da microeletrônica e seus sucedâneos (nanoeletrônica, spintrônica, optoeletrônica, entre outros) a ameaça do fim da lei de Moore, algumas vezes mencionada aqui nesta coluna (ver, por exemplo, Por uma nova geração na indústria eletrônica).

Segundo o postulado, previsto em 1965 pelo engenheiro estadunidense Gordon Moore (1929-), a cada dois anos, dobra-se o número de transistores em chip. A busca pela manutenção dessa lei, ou seja, para comportar um número cada vez maior de transistores em um espaço cada vez menor, tem registrado sucessivas vitórias de laboratórios de pesquisa e da indústria.

Em artigo recentemente publicado na Science, uma equipe de pesquisadores liderada por Michelle Simmons, da Universidade de New South Wales, Austrália, e composta por colaboradores da Universidade de Purdue (EUA) e da Universidade de Melbourne apresenta resultados bem promissores para adiar o esgotamento da tecnologia do silício.

Uma equipe de pesquisadores apresenta resultados bem promissores para adiar o esgotamento da tecnologia do silício

No imaginário tecnológico popular, a miniaturização dos produtos eletrônicos praticamente restringe-se ao processo de escala dos transistores, mas todos os profissionais envolvidos com pesquisa e desenvolvimento desses produtos reconhecem a importância e a dificuldade de lidar com o problema da interconexão entre os milhares de transistores de um chip.

De fato, o processo de miniaturização eletrônica enfrenta diversos tipos de limitação, alguns de origem científica básica – ou fundamental, no dizer dos especialistas. Esses independem do tipo de material. Outras limitações dependem do tipo de material envolvido e de alguns aspectos tecnológicos.

Os limites fundamentais são, no presente estágio tecnológico, insuperáveis. Por exemplo, a eletrônica digital baseia-se na manipulação de dois estados de energia, geralmente associados à existência ou não de corrente elétrica (Para mais detalhes sobre a questão, leia as colunas A pequena notável e O desafio da spintrônica).

Como o processo de miniaturização diminui o valor da energia associada à transição de um estado para o outro, ele está limitado ao valor mínimo determinado pelas leis da termodinâmica, que é simplesmente proporcional à temperatura. Para dispormos de energia menor, é necessário diminuir a temperatura a níveis abaixo da ambiental, o que não convém no caso de produtos tecnológicos amplamente usados pela sociedade.

Outro entrave: o processo de escala – ou simplesmente scaling, na literatura em inglês – refere-se ao fato de que todas as dimensões físicas dos componentes de um circuito (chip, processador, transistor, interconectores etc.) são reduzidas por fatores similares; isso significa a necessidade de nanofios em circuitos nanoeletrônicos. Produzir e manipular nanofios em escala industrial não é tarefa para qualquer um.

Nanofio
Concepção artística de um circuito de sensor de luz integrado com base em matrizes de nanofios. Manipular e produzir fios na escala nanométrica é uma das dificuldades envolvidas no processo de miniaturização. (imagem: Lawrence Berkeley National Laboratory/ University of Califórnia)

Comportamento clássico em regime quântico

Há que se ter em conta ainda o fato de que, na escala nanométrica, o comportamento descrito pela física clássica geralmente dá lugar a um comportamento quântico. Ou seja, o movimento de uma partícula pontual da física clássica é substituído pelo movimento ondulatório da teoria quântica, o que implicaria em comportamento bem diferente daquele com que a indústria está habituada a lidar.

No entanto, surpreendentemente, os resultados obtidos por Michelle Simmons e colaboradores sugerem que, em determinadas condições, o comportamento clássico pode ser mantido em espaços nanométricos, mesmo em temperatura próxima do zero absoluto.

A indicação de que há comportamento clássico em regime quântico vem da persistência da lei de Ohm em um fio com largura de aproximadamente 1,5 nanômetro, o que corresponde ao espaço ocupado por quatro átomos enfileirados, e, em relação à altura, por um único átomo.

Pela lei de Ohm, postulada pelo físico alemão Georg Simon Ohm (1789-1854), a corrente que circula em um condutor é proporcional à voltagem aplicada. O coeficiente de proporcionalidade é a resistência do condutor, que depende do comprimento e do diâmetro do condutor. Trata-se de um comportamento linear que geralmente não se apresenta em regime quântico. Estudos teóricos sugerem que, em nanofios, a resistência independe do seu comprimento. Em síntese, a lei de Ohm, de acordo com a literatura na área, não se aplicaria a esses fios. 

A façanha foi possível graças à engenhosidade na fabricação de nanofios de fósforo

A façanha foi possível graças à engenhosidade na fabricação de nanofios de fósforo. Primeiro, os pesquisadores usaram técnicas bem conhecidas para abrir um canal nanométrico na superfície de um cristal de silício. Depois, expuseram a superfície do cristal a um gás de fósforo, cujos átomos ocuparam o canal.

Finalmente, depositaram silício sobre a superfície e obtiveram um nanofio de fósforo, ou seja, um verdadeiro fio atômico no interior do cristal. Como o fósforo tem um elétron a mais do que o silício, a substituição deste por aquele resulta em excesso de elétrons livres para aumentar a condutividade elétrica e fazer valer a lei de Ohm.

Por enquanto, tudo não passa de promessa; não será logo em seguida que a técnica vai sair do laboratório de pesquisa para a linha industrial da fábrica, mas a expectativa é de que esse resultado mantenha a lei de Moore válida por mais alguns anos.

Talvez a principal limitação para a continuidade da lei de Moore sejam os efeitos quânticos emergentes no processo de miniaturização. E, nesse sentido, a equipe de Michelle Simmons mostra que pode haver uma porta de escape.


Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana