Mundo dos dinossauros, ficção e realidade

Na semana de estreia de Jurassic World, a esperada continuação do filme Jurassic Park, uma pesquisa publicada na Nature Communications reacende a discussão sobre a preservação de estruturas celulares em fósseis de dezenas de milhares de anos. O trabalho, de autoria Sergio Bertazzo (Imperial College, Londres) e colaboradores, relata a descoberta de colágeno e possíveis restos de glóbulos vermelhos em vários ossos de dinossauros datados de 75 milhões de anos. O mais surpreendente é que nenhum dos exemplares estudados se encaixa na categoria de preservação excepcional…

Tecido mole fossilizado

Sempre que se fala na preservação de tecido mole em fósseis, a primeira coisa que vem à mente de qualquer pesquisador é que se trata de uma raridade. Quando se fala em restos orgânicos originais, incluindo biomoléculas, aí mesmo que se passa a imaginar condições extremamente especiais de conservação, encontradas na natureza na ordem de uma em um milhão. 

Apesar de raros, existem diversos casos da preservação de tecido mole em fósseis, como o couro do animal, fibras musculares e penas. No entanto, esse tipo de preservação está comumente relacionado a depósitos com material paleontológico excepcionalmente bem preservado – são os famosos konservat lagerstätten, termo que vem da língua alemã e é utilizado para definir camadas que contenham tais fósseis.

Garra de terópode
Garra ungueal de um dinossauro terópode, onde foram encontradas estruturas celulares semelhantes a eritrócitos – os glóbulos vermelhos do sangue. (foto: Laurent Mekul)

Dois exemplos de descobertas desse gênero são as camadas jurássicas de Solnhofen, no sul da Alemanha, de onde vem a ave primitiva Archaeopteryx, e o Burgess Shale, do Canadá, que forneceu inúmeros exemplares do período Cambriano, a maioria formada por animais desprovidos de ossos ou conchas e constituídos, apenas, por tecido mole. No Brasil, o mais famoso depósito com essa característica é a formação Romualdo, da Bacia do Araripe, onde diversos vertebrados possuem fibras musculares e vasos sanguíneos preservados, como o famoso dinossauro Santanaraptor.

Na maioria dessas descobertas, o que se costuma ter é a impressão do tecido mole ou então a substituição tridimensional de estruturas como fibras musculares por minerais, sem, no entanto, conter vestígios de material orgânico original ou biomoléculas. Em alguns poucos casos, houve o registro de estruturas flexíveis, como os vasos sanguíneos em um  Tyrannosaurus rex nos Estados Unidos, sugerindo a presença de matéria orgânica original.

De qualquer forma, todos esses são considerados achados raríssimos. Ou eram, até agora.

A surpresa

De uma forma resumida e simplificada, o que Sergio Bertazzo e colegas fizeram foi obter fragmentos de ossos isolados e submetê-los a uma bateria de testes, em especial técnicas nanoanalíticas, procurando evidências da preservação de tecido mole e biomoléculas. 

Como a recuperação de biomoléculas está sempre ligada a processos destrutivos, já que os fósseis precisam ser “quebrados” para as diversas análises, os autores escolheram fragmentos de oito dinossauros, incluindo alguns cuja espécie não podia ser determinada. Seis amostras são procedentes de depósitos Cretáceos formados há aproximadamente 75 milhões do Canadá, uma da formação Lance (cerca de 68 milhões de anos), nos Estados Unidos, e a oitava de um hadrossaurídeo (grupo de dinossauros herbívoros do Cretáceo) de procedência incerta.

Restos de fósseis
Imagens feitas com microscópio eletrônico de varredura, com as cores (artificiais) demonstrando variações de densidade: a) material amorfo rico em carbono (vermelho) envolto em material mais denso (verde); b) restos de estruturas similares à glóbulos vermelhos; c) e d) fibras de origem orgânica diversas. Todo o material foi recuperado de ossos de dinossauros. Escala: a, c, d – 5 µm; b – 1 µm. (imagens: Bertazzo et al. 2015)

Utilizando um espectrômetro de massa especial (ToF-SIMS), que faz análises físicas pelas quais é possível a identificação de moléculas, Bertazzo e colegas encontraram restos do que poderiam ser biomoléculas em seis dos oito exemplares analisados. Uma costela de hadrossaurídeo forneceu fragmentos de aminoácidos típicos de fibrilas de colágeno, que é a principal proteína de diversos tecidos conjuntivos. Em outros três foram descobertas estruturas fibrosas e uma substância muito rica em carbono. Por último, duas amostras apresentaram restos que podem ser derivados de eritrócitos. Apenas para enfatizar, eritrócitos nada mais são do que os glóbulos vermelhos do sangue. Acho que já deu para o leitor se dar conta da natureza do achado.

O potencial de encontrar biomoléculas, particularmente proteínas, em fósseis, já foi mencionado antes na literatura. Também restos do que poderia ser sangue, como fragmentos de hemoglobina recuperados de um mosquito de aproximadamente 46 milhões de anos preservado em âmbar. Surpreendente, no entanto, é o fato de os achados relatados pela equipe de Bertazzo terem sido feitos em ossos fósseis sem nenhuma preservação excepcional. Não são espécimes de algum lagerstätte especial, mas sim restos bem comuns a qualquer escavação paleontológica. Um exame superficial do material não indicava a presença de tecido mole.

Perspectivas

Se pesquisadores forem capazes de encontrar restos orgânicos em ossos de dinossauros não bem preservados, o que eles seriam capazes de encontrar em fósseis com preservação excepcional? Não dá para não deixar de se perguntar se estamos mais próximos do Jurassic Park do que supúnhamos…

Se pesquisadores forem capazes de encontrar restos orgânicos em ossos de dinossauros não bem preservados, o que eles seriam capazes de encontrar em fósseis com preservação excepcional?

Naturalmente, a pesquisa está no início e não quero, de forma nenhuma, achar que estaremos produzindo parques com animais extintos! Cabe lembrar, aqui, que seis exemplares que produziram indícios de biomoléculas são procedentes da formação canadense Dinosaur Park. Sempre existe a possibilidade de que aquela unidade tenha, sim, algo de especial em termos de preservação, ainda não notado pelos pesquisadores.

Novos estudos são necessários em depósitos de outras regiões. Não nego que sempre sonho quando um laboratório brasileiro se interessaria por esse tipo de pesquisa, levando em conta o excepcional material fóssil que temos em nosso país! (Algum voluntário? Cartas para a coluna!) De qualquer forma, o estudo de Bertazzo e colegas abre novas possiblidades, que podem levar a resultados muito interessantes.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

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No dia 23 de junho de 2015, o autor da coluna irá proferir a palestra “Pterossauros – novidades sobre os dragões do passado”. Além de um panorama geral sobre a pesquisa desses répteis, que foram os primeiros vertebrados a desenvolverem o voo ativo, serão apresentadas as atividades de campo realizadas na China, palco de dezenas de novas descobertas. A palestra faz parte do programa de colóquios do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), situado na Urca, Rio de Janeiro. A entrada é franca e a palestra é aberta ao público. Compareçam!

Entre 2 e 5 de junho de 2015, pesquisadores estarão reunidos em Bonn, na Alemanha, para o 3° Simpósio Internacional sobre Paleohistologia. De seções de ossos ao emprego de novas técnicas, passando por cortes de cascas de ovos fossilizados, o evento procura chamar a atenção para essa importante linha de pesquisa que ainda é muito acanhada no estudo dos fósseis, apesar de seu grande potencial em elucidar diversos aspectos sobre a vida dos organismos extintos.

Um novo tubarão fóssil procedente de rochas com 380 milhões de anos acaba de ser descoberto na Austrália. John Long (The Australian National University, Canberra) e colegas destacam que Gogoselachus lynbeazelyae encontra-se excepcionalmente bem preservado, revelando novos dados sobre o desenvolvimento do esqueleto cartilaginoso das primeiras fases evolutivas dos tubarões. O trabalho foi publicado na Plos One.

De 20 a 23 de julho do corrente ano será organizado, no Museu Nacional/UFRJ, o 5° Simpósio sobre a Evolução das Tartarugas. Pesquisadores de todas as partes do mundo estarão apresentando os mais novos resultados de suas pesquisas sobre esses répteis, que têm despertado interesse cada vez maior dentro da comunidade acadêmica. Mais informações na página do evento.

Acaba de ser noticiada a descoberta de um esqueleto de ave fóssil com aproximadamente 115 milhões de anos na Bacia do Araripe, nordeste do Brasil. Publicado na prestigiosa Nature Communications, o estudo – realizado por Ismar Carvalho (UFRJ), Fernando Novas (Museo Argentino de Ciencias Naturales, Buenos Aires) e colegas – relata que a nova ave tinha penas caudais bem desenvolvidas, a exemplo do que já tinha sido reportado na China, sendo que o exemplar brasileiro está melhor preservado. 

Uma flor encontrada em rochas jurássicas da China acaba de ser descrita na Historical Biology. Denominada de Euanthus panii por Zhong-Jian Liu (National Orchid Conservation Center of China, Shenzhen, China) e Xin Wang (Nanjing Institute of Geology and Paleontology, Nanjing, China), a descoberta demonstra que as angiospermas (plantas dominantes nos dias de hoje) já possuíam flores similares às atuais desde o período Jurássico.