O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou no fim de setembro seu 5º relatório. Era ansiosamente aguardado, mas só por estudiosos, ambientalistas e uns poucos gestores que tentam implementar soluções de médio prazo para reduzir o impacto das mudanças climáticas, havidas e por haver.
O impacto da divulgação do relatório não foi dos maiores, por vários motivos. Um deles é que já se esperava o que ele traria: basicamente um documento com mais (e melhores) dados – previsões e análises mais finas e detalhadas, que confirmariam com menor margem de erro as más notícias dos relatórios anteriores.
Outro motivo é o ceticismo climático da mídia, que dedica mais espaço aos questionamentos sobre o IPCC do que aos estudos e conclusões que ele apresenta. Mas uma coisa é certa: ninguém gosta de notícias ruins, menos ainda se elas implicam mudanças de hábitos e, pior, se essas mudanças forem percebidas como perda ou renúncia.
Um dos méritos dos relatórios do IPCC é justamente mostrar que já estamos tendo muito prejuízo com as mudanças climáticas e que, se continuarmos fingindo que não é com a gente, os danos vão aumentar, e muito.
Em resumo, o novo relatório afirma que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera continua subindo, que o planeta está inequivocamente mais quente, que o mar está mais ácido e mais alto, que a probabilidade de as mudanças serem fruto da atividade humana é de 95%, que a temperatura média pode subir até 4 graus Celsius (°C) até o fim do século e que as consequências serão terríveis, especialmente para os países mais pobres, para variar.
A boa notícia é que o IPCC concorda que seriam exageradas algumas previsões anteriores de aumento do nível do mar em até 2 m até o fim do século. Atualmente o IPCC prevê, para o período de 2081 a 2100, aumento do nível do mar de 26 a 82 cm.
Ah, bom! Mas não se empolgue. Lembre que as primeiras previsões sobre o aquecimento, algo como 0,5 a 1°C até 2100, eram otimistas; a temperatura já subiu esse tanto. Aliás, o IPCC prevê que, mesmo em um cenário de conto infantil, em que todo mundo fica bonzinho de repente e para de queimar carvão, petróleo, etc., a temperatura continuaria subindo um bom tempo ainda.
Uma novidade útil no novo relatório é o detalhamento das previsões regionais, como o aumento de 2°C nas temperaturas de verão na América do Sul já para os próximos 20 anos (viu?, é com você mesmo, não com o seu neto!). Para o Brasil especificamente, a previsão é de aumento de 4°C nas temperaturas de verão no centro do país e de 3°C no resto, até 2100.
Haverá menos chuva na Amazônia oriental e no Nordeste, e mais chuva na Amazônia ocidental; a Zona de Convergência do Atlântico Sul, que nos últimos anos já vem transformando o sul do Brasil em um penico, vai fixar residência por lá. É possível imaginar os prejuízos com alagamentos, desabamentos e perdas na agricultura e indústria.
O painel brasileiro
O Brasil dispõe hoje de um grupo de 345 cientistas do clima reunidos no PBMC, que não é mais um partido político e sim o Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. O PBMC divulgou seu relatório no início de setembro, repleto de evidências, previsões detalhadas e sugestões do que fazer para que a vaca não vá de vez para o brejo.
Eles não estão brincando. Muitos estudos mostram que o regime de chuvas (e, portanto, a economia em geral) no Centro-oeste, Sudeste e Sul do Brasil é dependente do metabolismo hídrico da Amazônia. Sem a Amazônia, esqueça a maior fatia de uma das maiores economias do mundo. Simples assim.
O cenário atual já é preocupante: as chuvas não têm sido suficientes para encher as represas hidrelétricas, que estão com cerca de 50% de sua capacidade apenas. Para evitar mais apagões, ligamos as termelétricas, que são caras, poluentes e emitem mais carbono do que o que poupamos com a redução do desmatamento no ano passado. O desmatamento, aliás, voltou a crescer, por obra e graça do nosso novo e generoso código florestal.
Mas nem o IPCC nem o PBMC parecem capazes de mudar os rumos da economia mundial ou brasileira. Carvão, petróleo e gás continuam de vento em popa, assim como o desperdício e a ineficiência em geral. Quer um exemplo singelo? A inacreditável sobrevivência do chuveiro elétrico em um país esturricado pelo Sol. Essa engenhoca, além de dar choque e encolher a imagem da TV, consome 4.000 watts para aquecer (mal) a água do banho.
Outro exemplo? O uso de um veículo moderníssimo para ir de um ponto a outro da cidade, mais devagar do que no tempo da tração animal e da navegação a vela, emitindo gases de efeito estufa e poluentes que matam cerca de 2 milhões de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde.
Com raras exceções, os setores da vida pública ou privada não parecem estar levando a sério o cenário descrito pelos cientistas nem revendo suas práticas e planos pra valer. Tudo indica que vamos seguir mais um tempo na base do deixa como está para ver como fica.
Essa é fácil: está mal e vai ficar pior ainda.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro