Novos mamíferos jurássicos

A origem dos mamíferos ainda é bastante discutida no meio acadêmico. O maior problema tem sido encontrar fósseis que permitam estabelecer os primeiros estágios da evolução do grupo, que inclui os primatas e, dentro destes, a nossa própria espécie.

Com a colaboração de colegas chineses, o paleontólogo Jin Meng, do Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, acaba de realizar descobertas que permitem um novo olhar para a evolução dos mamíferos e suas primeiras fases de diversificação. O estudo foi publicado recentemente na revista Nature.

Sem entrar em muitos detalhes, as espécies do grupo Mammalia podem ser separadas em diversos subgrupos. O mais basal de todos são os monotremados, os únicos que põem ovos.

Há também os Allotheria, que reúnem os multituberculados – grupo extinto de aspecto semelhante ao dos roedores, mas com dentição bastante específica – e os haramiyidos, formas bizarras com características dos multituberculados e de animais mais modernos. Por último, o grupo dos Theria, que reúne espécies modernas representadas pelos placentários e marsupiais.

Novos mamíferos
Reconstrução das novas formas de mamíferos jurássicos descobertos por Jin Meng e colegas. A descrição foi feita com base em seis indivíduos encontrados na Formação Tiaojishan, na província chinesa de Liaoning. (imagem: Zhao Chuang)

Nos últimos anos, a principal discussão tem sido sobre onde, no quadro evolutivo dos mamíferos, devem estar inseridos os Haramiyida. Uma corrente de pesquisadores acredita que devam estar dentro de Mammalia. Nesse caso, a diversificação dos mamíferos basais teria sido muito rápida e teria ocorrido já no final do Triássico, há cerca de 208 milhões de anos.

Uma segunda corrente advoga que os haramiyidos não seriam mamíferos, mas ocupariam uma posição mais basal, fora do grupo Mammalia. Essa segunda hipótese indica que o processo de diversificação dos mamíferos teria acontecido mais tarde, apenas no período Jurássico.

Formação Tiaojishan

Jin Meng e colegas apresentaram três novas espécies de mamíferos com base em seis indivíduos encontrados na China. Todos procedem de depósitos da Formação Tiaojishan, mais especificamente da região de Linglongta, na província de Liaoning. Embora não haja unanimidade, a maioria dos pesquisadores atribui a essas rochas idade jurássica, tendo se formado há aproximadamente 160 milhões de anos.

As novas espécies foram batizadas Shenshou lui, Xianshou linglong e Xianshou songae. Elas fazem parte dos haramiyidos e formam um novo agrupamento, denominado Euharamiyida.

O estudo corrobora a hipótese de que a diversificação dos primeiros mamíferos se intensificou no Jurássico e não antes

Basicamente, as novas espécies se diferenciam entre si e dos demais mamíferos por detalhes tanto na dentição como em distintas partes do esqueleto. Entre as feições que mais se destacam, estão a região posterior da cabeça, bastante larga, um focinho comprimido lateralmente, além do enorme dente incisivo que sobressai na arcada inferior.

O estudo de Jin Meng e colegas sugere que os euharamiyidos (e, assim, os haramiyidos) devem ser considerados mamíferos e classificados dentro de Mammalia. Desse modo, corrobora a hipótese de que a diversificação dos primeiros mamíferos se intensificou no Jurássico e não antes.

Holótipos
Holótipo (espécime utilizado para descrever uma espécie) de ‘Shenshou lui’ (a), ‘Xianshou linglong’ (b) e ‘Xianshou songae’ (c). Essas espécies fazem parte dos haramiyidos e formam um grupo novo, denominado Euharamiyida. (fotos: Jin Meng)

Algumas das primeiras espécies viviam exclusivamente em árvores (formas arborícolas), enquanto outras ocupavam tanto as árvores quanto a terra firme (formas escansoriais).

Esse estudo é de grande interesse e mostra novamente a importância da China para o desenvolvimento da paleontologia. Como já dito em colunas anteriores, com investimento contínuo e suporte adequado, a descoberta de fósseis importantes acaba se tornando quase um processo natural. 

E vem em seguida a pergunta inevitável: será que um dia os pesquisadores brasileiros chegarão a ter condições de financiamento e infraestrutura semelhantes às dos colegas chineses e norte-americanos?

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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A última obra do colega Cástor Cartelle intitula-se Das grutas à luz, publicada pela editora Bicho do Mato. O livro traz um pouco da história das descobertas dos fósseis da megafauna ocorridas em Minas Gerais. Ricamente ilustrada e bilíngue (português-inglês), a obra contribui para a divulgação da pesquisa paleontológica realizada no Brasil.

 

Francisco Barroso (UFPE) e colegas acabam de apresentar o primeiro registro da fauna ediacarana no Nordeste do Brasil, mas especificamente no Ceará. Com idade estimada em torno de 600 milhões de anos, esses fósseis permitiram a identificação de nove espécies distintas, contribuindo para um melhor conhecimento das formas de animais que estão entre as primeiras a habitar o planeta. O estudo foi publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.

 

De 5 a 8 de novembro ocorrerá a 74ª reunião anual da Society of Vertebrate Paleontology (SVP), em Berlim, Alemanha. Tradicionalmente organizada nos Estados Unidos, esta será a segunda vez que a SVP se reunirá na Europa. O encontro é uma oportunidade para os pesquisadores apresentarem as mais recentes descobertas de vertebrados fósseis. Mais informações no site do evento.

 

Leigha King (East Tennessee State University, Estados Unidos) e Steven Wallace (Oklahoma State University, Estados Unidos) realizaram estudo sobre a relação de parentesco de Panthera atrox, felino extinto que viveu na América do Norte, com as demais espécies do gênero. P. atrox é julgada por muitos como parente de Panthera leo, o leão moderno, que é bem menor. O estudo, que demonstra a dificuldade em estabelecer a história evolutiva desses felinos, foi publicado na Historical Biology.

Lucas de Melo França (Universidade Federal do Sergipe) e colegas publicaram estudo sobre as condições ecológicas em que viviam duas espécies da megafauna brasileira: a preguiça-gigante Eremotherium laurillardi e o proboscídeo Notiomastodon platensis. O artigo, publicado na Quaternary Science Reviews, mostra que ambos viviam em planícies abertas, que seriam similares à atual caatinga.

Acaba de ser publicado na Paleobiology estudo que procura revelar o tempo de incubação de ovos de dinossauros saurópodes. Graeme D. Ruxton (University of St. Andrews, Reino Unido) e colegas utilizaram parâmetros atuais para tentar entender por que os ovos e as ninhadas desses répteis são menores do que se esperava.