No próximo domingo, o atentado terrorista que destruiu o World Trade Center, em Nova Iorque (Estados Unidos), vai completar dez anos. Os norte-americanos têm relembrado o acontecimento intensamente, com reportagens especiais, anúncios na televisão, relatos de sobreviventes e publicação de coletâneas.
Cunhado pela própria data em que ocorreu (11 de Setembro, ou 09/11) – como se o objetivo fosse estabelecer um marco zero também na história –, o atentado vem sendo denominado de “o evento que mudou o mundo”.
Essa percepção começou a ser construída no dia mesmo dos ataques. Lembro-me de ter ouvido de um colega que, na própria terça-feira (dia do atentado), um grupo de professores da Universidade de Michigan (Estados Unidos), reunidos à noite na casa de um deles, não cansava de declarar que o mundo estava de cabeça para baixo, como se algum dia tivesse estado de cabeça para cima.
Ninguém hoje faz questão de lembrar, mas 2001 também foi o ano da posse de George W. Bush nos Estados Unidos e das eleições de Ariel Sharon em Israel, Tony Blair na Inglaterra e Silvio Berlusconi na Itália.
Naquele mesmo ano, antes do 11 de Setembro, dois grandes atentados em Israel e várias incursões israelenses em Gaza e na Cisjordânia mostravam que a Intifada (rebelião popular palestina contra as forças de ocupação de Israel nessas regiões), que havia recomeçado no ano anterior, continuava com força total.
Em 2001, o Talibã destruiu a maior estátua de Buda do mundo, no Afeganistão. Um terremoto na Índia provocou pelo menos 2.250 mortes. E, na China, quase 3 mil pessoas foram condenadas à morte – sendo que quase duas mil foram de fato executadas – em cerca de três meses, conforme estudo da Anistia Internacional.
Nada disso, evidentemente, minimiza o ataque às ‘torres gêmeas’. De uma audácia e criatividade antes impensáveis – ao utilizar aviões de companhias aéreas norte-americanas como armas e forçar a macabra transmissão ao vivo pelas redes televisivas do mundo todo –, o primeiro atentado terrorista internacional em solo norte-americano foi, em todos os aspectos, um acontecimento único, um desafio à imaginação. Nem a ficção científica do cineasta norte-americano Stanley Kubrick (1928-1999), no seu clássico 2001: uma odisseia no espaço, previu situação parecida.
Dez anos depois…
Mas hoje surpreende menos o acontecimento em si e mais o que vem sendo feito dele. Dez anos depois, o governo norte-americano insiste em sustentar uma guerra sem vitoriosos no Afeganistão.
Um artigo da The New Yorker credita boa parte da violência ocorrida no mundo desde 2001 a Osama bin Laden (1957-2011), fundador e ex-líder da organização terrorista Al-Qaeda, responsável pelos atentados de 11 de setembro. Não são poucos os que relacionam seu espetacular assassinato às revoltas no mundo árabe, como se estas fossem consequências do vácuo de liderança na Al-Qaeda.
O editor da revista Atlantic atribui a ausência de uma epidemia de terror nos Estados Unidos ao “persistente poder do ideal americano, que permite a existência de profundas diferenças”.
E, no livro infantil We Shall Never Forget 9/11 – the Kid’s Book of Freedom (em português, Não devemos nunca esquecer o 11 de Setembro – o livro infantil da liberdade), que já vendeu mais de 10 mil cópias, afirma-se que: “A verdade é que estes atos terroristas foram feitos por radicais extremistas islâmicos/muçulmanos que odeiam a liberdade. Estas pessoas malucas odeiam o American way of life porque nós somos LIVRES e nossa sociedade é LIVRE.”
Assim, para além de um ataque terrorista, o 11 de Setembro vem sendo definido como mais um atentado à liberdade da sociedade norte-americana (e, não por acaso, muitos fundamentalistas da extrema direita norte-americana não só aprovaram como comemoraram a escolha do alvo, ícone da globalização na mais cosmopolita das cidades dos Estados Unidos).
Ao ressaltar a liberdade como característica peculiar da sociedade norte-americana, liberais e conservadores reforçam o viés excepcional com que os Estados Unidos continuam tratando a si mesmos, sua história e seu lugar no mundo. Já definida em termos econômicos (o triunfo do capitalismo liberal), religiosos (a providência divina) ou políticos (a democracia republicana), a excepcionalidade dessa vez está na defesa dos valores ocidentais, cujo principal pilar de sustentação é a ideia de liberdade.
Não são poucos os norte-americanos que veem sua própria história como uma permanente luta pela liberdade; assim como são muitos os que concordam que, por ela, vale a pena matar e morrer, como se a tragédia maior do 11 de Setembro não fosse o fato de ter ocorrido, mas o de ter acontecido nos Estados Unidos.
O 11 de Setembro pode até ter mudado o mundo. Mas não mudou os Estados Unidos.
Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro