O fantasma de um inseto

Ao olhar para Strudiella devonica, a primeira impressão não poderia ser mais decepcionante: um verdadeiro ‘borrão’ de coloração escura que mais se parece com a sombra – ou o ‘fantasma’ – do que outrora representava um inseto. Ele somente pode ser notado por estar preservado em uma rocha de coloração mais clara. Fora do contexto geológico, esse fóssil correria grande risco de passar despercebido ou mesmo ser descartado.

Mas justamente o contexto geológico faz com que esse material seja considerado um dos principais achados dos últimos anos para o entendimento de como ocorreu a evolução dos insetos e o seu subsequente domínio dos ambientes terrestres. Não é à toa que o trabalho realizado por Romain Garrouste, do Museu Nacional de História Natural de Paris (França), e colaboradores foi recentemente publicado com destaque na prestigiosa Nature.

Um fóssil de pequenas dimensões

O único exemplar conhecido de Strudiella devonica tem 8 milímetros de comprimento – menos da metade de uma moeda de 10 centavos! É procedente de camadas encontradas na localidade conhecida como Strud, situada na província de Namur, no sul da Bélgica. Esse depósito foi formado há aproximadamente 370 milhões de anos e compreende a parte superior do período geológico denominado Devoniano, também conhecido como ‘idade dos peixes’ e no qual surgiram os primeiros tubarões.

O único exemplar conhecido de Strudiella devonica tem 8 milímetros de comprimento – menos da metade de uma moeda de 10 centavos!

Apesar de a maior parte da diversidade da vida se concentrar nos mares durante o Devoniano, foi nesse período que ocorreu uma rápida colonização dos ambientes terrestres pelas plantas – em especial, as samambaias –, que formaram extensas florestas. Também nesse período se deu o início da ocupação da terra pelos animais, tanto vertebrados como invertebrados.

Os depósitos de Strud são muito bem conhecidos na literatura científica pela ocorrência de diversos exemplares de tetrápodes (animais com quatro patas) basais. O exemplar de Strudiella foi descoberto em camadas de um antigo lago de água doce que abrigava, além de restos de plantas, diversos crustáceos e artrópodes, como os euriptéridos, popularmente conhecidos como escorpiões-marinhos, embora não tenham qualquer parentesco com os escorpiões atuais.

Apesar do diminuto tamanho, pode-se reconhecer em Strudiella uma região torácica separando a cabeça e o abdômen. Também podem ser identificados três pares de pernas, uma das principais características do grupo Hexapoda, que inclui os insetos (grupo de animais mais diversificado de todos os tempos).

Desenho de 'Strudiella devonica'
Desenho interpretativo de ‘Strudiella devonica’, em que é possível observar cabeça, tórax e abdômen separados, característica que, juntamente com a presença de três pares de patas, indica tratar-se de um hexápode. (ilustração: Nel et al/ Nature)

O exemplar também apresenta um par de antenas, olhos grandes e uma mandíbula, que, segundo Romain Garrouste e colaboradores, indica uma forma onívora. Não foram encontrados restos de asas, o que levou os pesquisadores a classificar o único exemplar encontrado como uma ninfa. Ou seja, o indivíduo ainda não havia completado a sua metamorfose e, desse modo, não sabemos como era a aparência do animal adulto.

Fechando a lacuna

O nosso conhecimento a respeito da evolução dos insetos é necessariamente restrito ao registro fossilífero – como acontece, aliás, com qualquer outro grupo. O grande problema em relação aos insetos é que, pelo fato de eles serem bastante frágeis, sua preservação nas rochas é compreensivelmente mais difícil.

De acordo com os fósseis, sabemos que os insetos se originaram entre 425 milhões e 385 milhões de anos. Depois, sabe-se que houve uma diversificação durante o período Carbonífero, mais especificamente há 325 milhões de anos, quando o registro fossilífero apresenta uma variedade muito grande de formas e aponta o surgimento de vários grupos.

Entre 385 milhões e 325 milhões de anos atrás, existia uma lacuna em que praticamente não se encontrou qualquer registro de insetos nas rochas. Por isso, o achado de Strudiella devonica é realmente fantástico: embora o exemplar não esteja bem preservado, ele diminui esse intervalo para 45 milhões de anos.

A identificação desse pequeno exemplar levou os autores a sugerir que a diversificação dos insetos deve ter sido mais antiga do que se supõe

Outro ponto interessante é que a justificativa usada para o fato de não haver registros de insetos em depósitos formados entre 385 milhões e 325 milhões de anos atrás era a quantidade relativamente restrita de oxigênio na atmosfera terrestre reinante durante aqueles tempos, o que resultaria em uma baixa variedade de espécies.

Mas a identificação desse pequeno exemplar levou os autores a sugerir que a diversificação dos insetos deve ter sido mais antiga do que se supõe, hipótese que poderá ser comprovada apenas com novas descobertas. Possivelmente, a ausência de fósseis do grupo nesse período seria o que se chama de artefato tafonômico, ou seja, uma questão de não terem sido encontrados depósitos que apresentassem as condições necessárias para a preservação de animais tão frágeis como os insetos.

Seja como for, a descoberta desse único indivíduo de Strudiella devonica, além de abrir a possibilidade de novos achados, claramente demonstra que nem sempre os fósseis mais importantes são os que estão mais bem preservados. Às vezes, são os pequenos registros que nos fornecem grandes resultados.

Levando-se em conta as últimas notícias, vale dizer: nada como um dia após o outro na vida de um paleontólogo…

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
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Vincent Balter (Laboratoire de Géologie de Lyon, França) e colegas aumentam a controvérsia a respeito da alimentação dos primeiros hominídeos. Uma das teorias que procuram explicar o sucesso do gênero Homo em se tornar o grupo de hominídeos dominante no planeta baseia-se na concepção de que esse gênero teria uma dieta alimentar mais variada do que a dos demais e estaria, portanto, mais bem adaptado a mudanças ambientais. No entanto, ao realizar análises isotópicas em dentes de espécies extintas, o novo estudo, publicado na Nature, determinou que, ao contrário do que se pensava, a dieta de Australopithecus – um parente mais distante do homem moderno – era mais variada que a de Homo.

Roger Benson (University of Cambridge, Inglaterra) e colegas publicaram na PLoS One uma revisão do registro de dinossauros terópodes procedentes de depósitos cretáceos da região sul da Austrália. Os pesquisadores concluíram que existem evidências da presença de pelo menos nove espécies de terópodes, que poderiam representar no mínimo três grupos distintos e cujo tamanho poderia variar de 2 a 8,5 metros de comprimento. Como esses grupos deveriam ter uma distribuição cosmopolita durante o Jurássico, os autores defendem que as formas consideradas típicas do Gondwana (supercontinente do sul, originado após a divisão da Pangeia, que há milhões de anos reunia todos os continentes do planeta) teriam se diferenciado não por causa da fragmentação dos continentes, mas sim devido ao endemismo criado por questões climáticas.

Já está finalizada a programação do VIII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, que será realizado entre 27 e 31 de agosto no Centro de Tecnologia e Geociências da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. Bastante variado, o evento terá palestras, minicursos e mesas-redondas, além da apresentação de alguns dos principais avanços científicos na pesquisa de vertebrados fósseis. Não perca!

Ainda falando sobre eventos científicos, está em plena organização o Rio Ptero 2013, que ocorrerá entre 23 e 26 de maio do próximo ano. Sediada no Museu Nacional/UFRJ, essa reunião científica, de caráter internacional, irá congregar os principais pesquisadores envolvidos no estudo dos pterossauros. Também será organizada uma exposição de paleoarte exclusiva sobre esses répteis alados. Mais informações no site do evento.

A descrição do primeiro crânio de um dinossauro saurópode completo do Cretáceo dos Estados Unidos acaba de ser publicada na Naturwissenschaften. Abydosaurus mcintoshi é procedente da Formação Cedar Mountain, do parque Dinosaur National Monument (Utah, Estados Unidos), e está proximamente relacionado ao Brachiosaurus, que é bem mais antigo e vivia durante o Jurássico. No trabalho, também é feita uma análise da dentição dos saurópodes, que demonstra o desenvolvimento em diferentes espécies de dentes mais estreitos, que eram substituídos mais rapidamente do que nas espécies mais basais.

Rafael Costa da Silva (CPRM, Rio de Janeiro) e colegas encontraram duas pegadas de um grande dinossauro carnívoro em depósitos da Formação Caturrita, que afloram na localidade de Faxinal do Soturno (Rio Grande do Sul). Acredita-se que essas rochas tenham se formado durante o Triássico Superior, mas o novo material, aliado a informações de plantas fósseis, sugere uma idade mais nova, talvez até mesmo jurássica. O estudo foi publicado no Journal of South American Sciences.