Várias descobertas surpreendentes de fósseis da China, particularmente da região de Liaoning e arredores, já foram apresentadas nesta coluna. Agora estamos noticiando mais uma: a de um dos menores répteis voadores já encontrados, batizado de Nemicolopterus crypticus. O nome vem do grego: nemos quer dizer floresta; ikolos significa habitante, morador; pteros equivale a asa e, por fim, kryptos quer dizer escondido. Uma tradução livre do nome da espécie seria algo como “o escondido morador alado da floresta”.
De forma geral, os pterossauros surgiram há aproximadamente 225 milhões de anos e se extinguiram juntamente com a maior parte dos dinossauros, há 65 milhões de anos. Durante esse período, esses animais alados dominaram os céus do planeta. Do ponto de vista evolutivo, podem ser considerados como “irmãos” dos dinossauros: os dois grupos de répteis tiveram um ancestral comum, mas depois cada um seguiu seu próprio caminho.
Considerados os primeiros vertebrados a desenvolverem o vôo ativo, os pterossauros são um dos grupos mais enigmáticos de animais pré-históricos. Eles raramente são encontrados e geralmente estão mal preservados e incompletos. Seu estudo tem ganhado bastante impulso nos últimos anos devido a importantes descobertas, particularmente na Alemanha, no Brasil e na China.
A descoberta da nova espécie de pterossauro também foi feita na China, durante um trabalho de campo na localidade de Luzhougou, perto da cidade de Yalugou, na província de Liaoning. Os pesquisadores Xiaolin Wang e Zhonghe Zhou, ambos do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, de Pequim, encontraram um esqueleto quase completo em uma pequena placa de siltitito (rocha de granulometria bem fina).
Os ossos bem escuros contrastavam com a coloração mais cinza da rocha, fazendo com que a natureza do fóssil pudesse ser determinada logo no primeiro instante: tratava-se de um pterossauro. Naquela localidade já haviam sido encontrados restos de dinossauros, peixes e plantas – mas nenhum pterossauro até então. As rochas indicam que o ambiente era de uma floresta cortada por pequenos rios e lagos há 120 milhões de anos, em pleno período Cretáceo.
Durante um trabalho de campo realizado por Diogenes de Almeida Campos, do Museu de Ciências da Terra (DNPM), e por este colunista, os colegas chineses convidaram-nos para uma pesquisa conjunta. A descrição da nova espécie, resultado dessa parceria, acaba de ser publicada com destaque na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, ou simplesmente PNAS. A participação brasileira no projeto foi patrocinada pela Faperj, pelo CNPq e pela Academia Brasileira de Ciências.
Mas qual a importância dessa descoberta?
Pouco maior que um pardal
O esqueleto do Nemicolopterus crypticus estava praticamente completo, com asas, corpo, membros posteriores, crânio e mandíbula. Isso já bastaria para configurar uma descoberta fascinante. Mas não era tudo: além disso, o animal também tinha um tamanho bem pequeno. Com 25 cm de uma ponta a outra das asas, ele era pouco maior que um pardal.
No início, supunha-se que seria um recém-nascido, que acabara de deixar o ovo. No entanto, uma análise detalhada mostrou que o animal tinha todos os ossos bem formados, ao contrário dos recém-nascidos, nos quais alguns elementos ainda são cartilaginosos, particularmente no pé. Por outro lado, ele tampouco representava um adulto, já que diversos ossos do crânio não estavam completamente fusionados. Assim, concluiu-se que se tratava de um animal jovem, o que faz dele um dos menores – senão o menor – pterossauros já encontrados até aqui.
E quanto mais esse animal podia crescer? Esta é uma questão ainda não resolvida. Vejamos sua posição na história evolutiva dos pterossauros: o Nemicolopterus crypticus é membro do grupo Ornithocheiroidea, que reúne as formas mais derivadas de répteis voadores. Alguns desses animais atingiam tamanhos gigantescos, como o Anhanguera do Brasil ou o Quetzalcoatlus dos Estados Unidos, cada um, respectivamente, com 5 e 10 metros de abertura alar.
Outras feições do Nemicolopterus crypticus chamam mais a atenção. A principal delas está na curvatura das falanges dos pés. Comparado com alguns fósseis de lêmures, pode-se concluir que a nova espécie era mais arborícola. O estudo sugere que o Nemicolopterus crypticus vivia na copa de árvores, alimentando-se de pequenos insetos.
Essa descoberta também levanta a hipótese de que os grandes pterossauros que se alimentavam predominantemente de peixes são descendentes de pequenos animais como o Nemicolopterus crypticus. Com essa descoberta, revelamos, assim, uma página desconhecida na fascinante história da evolução desses répteis alados.
Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
11/02/2008
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