A evolução das idéias da física ao longo do tempo nos mostrou diferentes formas de se enxergar e interpretar a natureza. Quando os modelos de que dispomos não conseguem mais explicar os fatos observados ou novas descobertas são realizadas, assistimos à elaboração de novos paradigmas que modificam estruturalmente nossa forma de entender o mundo.
O astrônomo Copérnico: conversa com Deus, tela de 1872 do polonês Jan Matejko (1838-1893). Nicolau Copérnico (1473-1543) deu início à mudança de paradigma que culminou com a aceitação do modelo heliocêntrico, representado no diagrama ao seu lado na pintura acima.
Uma famosa modificação de paradigma foi a transição do modelo geocêntrico, que durou mais de 2 mil anos, pelo modelo heliocêntrico, proposto pelo padre polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) em 1543. No primeiro, acreditava-se que a Terra estaria imóvel no centro do universo, com o Sol, os planetas e as estrelas girando em torno dela. No segundo, o Sol é que fica no centro do nosso sistema planetário.
Nossa experiência cotidiana nos passa a sensação de que o Sol, a Lua, os planetas e as estrelas se movem no céu como se a Terra estivesse parada em um ponto privilegiado. Não sentimos diretamente qualquer efeito que nos indique que ela se move; ao contrário, temos a sensação de estarmos solidamente imóveis. No entanto, graças a várias observações realizadas principalmente pelo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) e pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642), aliadas a uma extraordinária persistência do alemão Johannes Kepler (1571-1630) e à grande visão do inglês Isaac Newton (1642-1727), foi possível consolidar a idéia de que é de fato a Terra que se move ao redor de si mesma e do Sol, e não o contrário.
De forma semelhante, no final do século 19 e no começo do século 20, novas descobertas começaram a abalar a visão dominante da chamada física clássica para explicar a natureza, provocando mudanças radicais não só em sua estrutura conceitual. A partir da compreensão dos novos fenômenos, houve a possibilidade de aplicá-los e muitas das facilidades tecnológicas que temos nos dias de hoje, como telefones celulares, computadores e muitos outros, são frutos dessa revolução na física. A mecânica quântica, que surgiu naquele momento, fez com que o mundo nunca mais fosse o mesmo.
O reino da física quântica é o mundo do átomo. Essa teoria explica como três das quatro forças fundamentais da natureza atuam sobre a matéria. A força eletromagnética se manifesta de diferentes formas – é ela que domina as interações entre átomos e moléculas. As forças nuclear forte e fraca atuam no interior do átomo é são responsáveis pela coesão do núcleo e pelo decaimento radioativo, respectivamente. A única força que a mecânica quântica ainda não descreve com a precisão necessária é a gravidade, responsável pela estrutura do universo em larga escala. Essa é descrita por outro importante pilar da física, a Teoria da Relatividade Geral.
Repensando a natureza
A física quântica desde seus primórdios teve um enorme impacto na forma de pensarmos a natureza. Em particular, conceitos como a quantização da energia, a dualidade onda-partícula e o princípio da indeterminação são alguns de seus aspectos mais fascinantes. Ao mesmo tempo, pode parecer em princípio que esses conceitos são esotéricos e até místicos, pois muitos deles vão de encontro à nossa visão de mundo.
A quantização da energia foi um dos primeiros conceitos a ser introduzido na física quântica. Ele nasceu para explicar a chamada radiação de corpo negro. Todo corpo, em uma determinada temperatura, emite radiação em uma faixa do espectro eletromagnético. No entanto, o comportamento previsto pela física clássica não era condizente com o observado pelos dados obtidos em experimentos com os chamados corpos negros, que absorvem toda a radiação eletromagnética que incide sobre eles.
A ilustração representa o satélite Cobe (sigla em inglês para Explorador Cósmico de Fundo). Os dados colhidos por ele nos anos 1990 permitiram confirmar a expressão formulada em 1900 por Max Planck, para explicar que a energia só poderia ser absorvida na forma de valores discretos (arte: Nasa).
O problema foi resolvido em 1900, quando o alemão Max Planck (1858-1947) conseguiu elaborar uma expressão que descrevia os resultados experimentais da época. Para isso, Planck introduziu o conceito segundo o qual a energia somente poderia ser absorvida na forma de valores discretos, em “pacotes” ou quanta, termo em latim que acabou batizando o ramo da física que nascia ali. Ele propôs que a energia era o produto da freqüência da radiação multiplicada por uma determinada constante, que posteriormente foi batizada com seu nome, que é igual a 6,62 x 10 -34 J.s (J = joule – unidade de energia; s = segundo).
Nos anos 1990, o modelo de Planck pôde ser utilizado para descrever os dados observacionais obtidos pelo projeto Cobe (sigla em inglês para Explorador Cósmico de Fundo). Esse satélite mediu a distribuição espectral de radiação cósmica de fundo, que é uma das evidências da ocorrência do Big-Bang, e a medição era compatível com grande precisão com a equação formulada por Planck, mostrando que o próprio universo é um corpo negro.
A idéia da quantização da energia também foi utilizada por Albert Einstein (1879-1955) para descrever a interação da luz com a matéria, a partir do conceito de fóton, que seria um “quantum de luz”. Com esse conceito, Einstein propôs, em 1905, que a luz também poderia se comportar como partículas em vez de ondas. Alguns anos depois, o francês Louis de Broglie (1892-1987) propôs que as partículas atômicas, como os elétrons, também poderiam se comportar como ondas. Mais tarde, foi observado que elétrons também poderiam se comportar como ondas.
Em princípio, qualquer objeto, seja um átomo ou uma bola de tênis, tem um comprimento de onda associado. No caso de um objeto como uma bola de tênis que pese aproximadamente 100 gramas viajando com a velocidade de 100 km/h, seu comprimento de onda é extremamente pequeno, da ordem de 10 -34 metros (1 dividido por 10 seguido por 34 zeros!), muito menos que o tamanho do núcleo atômico, que é da ordem de 10 -15 metros. Por isso não observamos em nosso cotidiano bolas de tênis se espalhando pelo espaço como se fosse uma onda na superfície de um lago.
Princípio da indeterminação
O físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) formulou o princípio da indeterminação, um dos aspectos mais contra-intuitivos da mecânica quântica (foto: Wikimedia Commons).
Talvez um dos mais revolucionários conceitos da física quântica seja o chamado princípio da indeterminação, proposto pelo alemão Werner Heisenberg (1901-1976). Esse princípio diz que é impossível conhecer simultaneamente, com absoluta precisão, a quantidade de movimento e a posição de uma partícula (a imprecisão está associada com a constante de Planck). Como o valor dessa constante é muito pequeno, seus efeitos não são observados em nosso cotidiano, mas se tornam muito importantes na escala atômica.
Esses conceitos complexos da física quântica podem levar a diversas confusões quando tentamos correlacioná-los com fenômenos nos quais eles não se tornam relevantes, como vimos no exemplo da bola de tênis. Da mesma maneira, o princípio da indeterminação introduziu na física o conceito de que, ao medir determinadas grandezas não podemos saber com certeza absoluta seu valor, mas apenas uma probabilidade do mesmo. Esse aspecto contra-intuitivo da teoria contradiz a base da física clássica e, por isso, realmente abalou as estruturas do nosso conhecimento. O próprio Einstein jamais admitiu que a física quântica fosse completa por causa de interpretações como essa.
Nesse sentido, é sempre muito perigoso utilizarmos os estranhos conceitos da física quântica para tentar interpretar determinados fenômenos que para muitos parecem “inexplicáveis”. Faça uma busca na internet pelo termo “quântica” e você encontrará dezenas de sítios que fazem referência à “energia quântica”, a “terapias quânticas” etc. Da mesma maneira, o princípio da indeterminação é também utilizado como justificativa para os mais diversos argumentos, como a afirmativa segundo a qual não podemos ter certeza de mais nada. Infelizmente essa confusão leva a interpretações que não têm absolutamente nada a ver com os resultados precisos e importantes que a física quântica permite obter.
A mecânica quântica, como qualquer outro ramo do conhecimento, tem seu campo de atuação e é limitada para explicar uma determinada categoria de fenômenos. Embora seja muito charmosa, ela não pode ser utilizada como justificativa para práticas que algumas vezes são muito duvidosas. Seu verdadeiro mistério reside no fato de que a natureza pode ser realmente diferente do que percebemos com nossos sentidos, pois a forma de vermos o mundo é condicionada por nossa experiência humana.
Os rigorosos resultados obtidos pela física quântica nos permitiram vislumbrar mistérios e estranhos aspectos do natureza nunca antes imaginados e que agora conseguimos transformar em diversas tecnologias. Aí reside talvez a verdadeira magia que ela permite desvendar.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
21/12/2007