Na coluna de julho de 2010, intitulada ‘Rumo à energia solar mais eficiente’, relatei uma promissora descoberta feita por pesquisadores da Universidade do Texas, em Austin (Estados Unidos), a partir da qual seria possível aumentar teoricamente a eficiência das células solares convencionais para algo em torno de 66%. Para um dispositivo que há mais de 50 anos vem apresentando eficiência inferior a 20%, essa inovação beira um milagre, buscado por cientistas e engenheiros nesse meio século de atividades de pesquisa e desenvolvimento em energia solar.
Além de animar a comunidade científica, essa busca tem propiciado considerável avanço no entendimento dos mecanismos que estão por trás da conversão de energia solar em eletricidade. Sem abandonar a procura por dispositivos mais eficientes, agora o que se deseja é o desenvolvimento de sistemas mais baratos e que possam ser produzidos em larga escala.
Nos Estados Unidos, esse desejo foi transformado em política pública desde o início de 2011, por meio do projeto SunShot, cujo objetivo principal é a oferta de energia solar ao custo de 6 centavos de dólar por quilowatt-hora entre 2020 e 2030. Se esse objetivo for cumprido, acredita-se que a energia solar será responsável por aproximadamente 17% de toda a geração de energia nos Estados Unidos. Para se ter ideia do tamanho do desafio, o custo pretendido é aproximadamente a metade do atual custo da energia elétrica naquele país.
Ninguém sabe qual será a rota tecnológica usada para se chegar a esse cenário, mas o Departamento de Energia dos Estados Unidos está investindo quase 300 milhões de dólares por ano em projetos inovadores que apontem para essa definição.
A edição de março de 2012 da revista científica Nature Materials apresenta com destaque informações sobre o programa SunShot. Além de uma nota editorial e de uma entrevista com o diretor do programa, Ramamoorthy Ramesh, a revista publica um artigo especial de Albert Polman e Harry Atwater com algumas das mais inovadoras alternativas para a obtenção de células solares fotovoltaicas de altíssima eficiência.
Células mais eficientes
Podemos distinguir duas grandes vertentes – que não são excludentes – para resolver o problema da eficiência das células solares. A predominante é aquela que se dedica à seleção do material apropriado. A outra vertente é muito recente e trata do manejo da luz no interior da célula utilizando-se de recursos nanotecnológicos. Abordar as duas vertentes extensivamente está além dos objetivos desta coluna. Sendo assim, apresentarei as alternativas mais destacadas na literatura especializada.
Muitos dos aspectos científicos pertinentes aos materiais utilizados na fabricação de células solares foram apresentados na coluna de julho de 2010. Mas, naquela oportunidade, não mencionei que um composto formado por cobre, índio, gálio e selênio, apelidado de CIGS, é o responsável pela obtenção do recorde de eficiência em células solares à base de filmes finos, algo em torno de 20%.
Obter alto rendimento em filmes finos é um passo importante para reduzir custos em energia solar. Com filmes finos, gasta-se 100 vezes menos material do que com células solares convencionais, possibilitando a fabricação de dispositivos mais leves e flexíveis.
Parte considerável do custo das células solares convencionais, feitas à base de silício e com pastilhas com espessura na faixa de 200 micrômetros, vem do preço dos materiais e de seu processamento. Esse custo é bastante reduzido com o uso de filmes finos – de espessura na faixa de 1 micrômetro –, que podem ser depositados em diversos tipos de suporte, como vidro comum, plástico e aço inoxidável.
Outros caminhos
Aumentar a eficiência das células solares por meio da escolha de materiais mais apropriados tem limites naturais, impostos pelas leis da termodinâmica e da teoria quântica. Essa é a razão pela qual pesquisas em torno de projetos de engenharia de células solares têm despertado a atenção da comunidade científica e da indústria.
A transformação de energia solar em eletricidade é feita por meio da liberação de elétrons em materiais semicondutores. O caso mais simples é quando temos uma espécie de sanduíche semicondutor, com excesso de elétrons numa fatia e falta na outra. A denominação científica desse sanduíche é junção PN. Cada junção requer uma energia bem definida para liberar seus elétrons. Assim, de todo o espectro da energia solar, apenas aquele correspondente a essa energia da junção será aproveitado. O resto será perdido sob a forma de calor.
Para superar essa limitação, sistemas multijunção foram desenvolvidos. Ou seja, sistemas com diferentes materiais semicondutores, cada um com um tipo de junção. Mesmo com esses sistemas, há perda de energia solar, porque parte dos feixes de luz incidentes atravessam o filme sem interagir com o material.
Então, há necessidade de se desenvolverem sistemas capazes de administrar mais eficientemente a coleta da energia solar e/ou o fluxo dessa energia no interior da célula. No caso de células solares convencionais, espessas, mecanismos de concentração de energia no interior da célula são providenciados com a texturização superficial desses dispositivos, mas isso é impossível no caso de células de filmes finos.
Uma alternativa vem sendo pesquisada com o uso da plasmônica, tecnologia que pode ser apreciada sem precisarmos entrar em seus detalhes científicos. Os processos plasmônicos de que estou falando ocorrem em nanopartículas metálicas incorporadas à superfície das células solares.
É importante ter em mente que, de um lado, essas nanopartículas estão em contato com o ar e, do outro lado, estão em contato com o material semicondutor da célula solar. É essa circunstância que propicia o aprisionamento da radiação solar no interior da célula. Se a nanopartícula estivesse em um meio homogêneo, por exemplo, o ar ou o interior da célula, ela irradiaria a luz absorvida em todas as direções, mas, na interface ar-semicondutor, ela irradia preferencialmente para o interior do semicondutor.
Portanto, uma parte da radiação solar é aprisionada no interior da célula, onde ficará ricocheteando em superfícies internas até ser absorvida pelo semicondutor e transformada em corrente elétrica.
A situação acima é apenas uma entre várias alternativas de uso de recursos para o aprisionamento de radiação solar no interior de células fotovoltaicas e o consequente aumento considerável de seu rendimento. Outra possibilidade é simplesmente colocar um espelho metálico embaixo de um filme de arseneto de gálio (GaAs) em células solares com apenas uma junção. Nesse caso, observa-se eficiência da ordem de 28%.
Esse tipo de célula ainda não está disponível no mercado. Mas, a julgar pelo entusiasmo dos editores da Nature Materials, ele deverá colocar a energia solar em um patamar de participação no mercado internacional muito acima do atual. É ver para crer.
Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana