O ovo do pterossauro

A paleontologia da China continua surpreendendo o mundo. Junchang Lü, do Instituto de Geologia da Academia Chinesa de Ciências Geológicas, e colaboradores acabam de divulgar um achado extraordinário: um ovo fóssil de um réptil voador de 160 milhões de anos! E o melhor: ele foi encontrado junto com um esqueleto completo – uma fêmea que, por motivos desconhecidos, morreu antes de ter desovado. A descrição do material – e sua implicação para a paleontologia – acaba de ser publicada pela Science.

A descoberta

É a primeira vez em todo o mundo que se encontra um esqueleto completo de um réptil voador em associação direta com um ovo

Não é segredo para ninguém que os fósseis da China, particularmente os encontrados na província de Liaoning, têm revolucionado a pesquisa de diversos grupos fósseis. São espécies de angiospermas primitivas ou plantas proximamente relacionadas, dinossauros com penas que nos auxiliam a entender a relação desses répteis com as aves, grande número de dinossauros juvenis ao lado de um adulto e até mesmo mamíferos contendo dinossauros em seu estômago.

No entanto, é a primeira vez em todo o mundo que se encontra um esqueleto completo de um réptil voador em associação direta com um ovo.

O exemplar em questão foi obtido pelo Museu de História Natural de Zhejiang. Os preparadores – responsáveis por preparar, ou seja, ‘limpar’ os sedimentos dos fósseis – já sabiam que se tratava de uma peça especial, pois o esqueleto, encontrado nas camadas da Formação Tiaojishan (com 160 milhões de anos), era completo e, por isso mesmo, raro. Nunca é demais lembrar que os pterossauros, por serem répteis voadores, têm ossos muito frágeis e raramente são preservados nas rochas por inteiro.

Fêmea de Darwinopterus com ovo associado
Esqueleto quase completo da fêmea de ‘Darwinopterus’ parcialmente preparado (A) e totalmente preparado (B), com o ovo completamente exposto. (foto: Junchang Lü)

Os pesquisadores também observaram algo muito estranho perto da pélvis do animal, entre os membros posteriores, perto da cauda. Era uma substância muito diferente da rocha e dos ossos, o que levou à suspeita de que poderia ser algum tecido mole, quem sabe parte do couro do animal que tivesse se preservado – uma raridade por si só.

À medida que a preparação do material avançava, veio uma grata surpresa: eles tinham encontrado um ovo fossilizado de pterossauro – apenas a quarta ocorrência no mundo e a mais antiga.

Ovos de casca mole

O ovo desse pterossauro era pequeno, com um comprimento e largura máximos de, respectivamente, 28 e 20 milímetros. Observando a sua superfície, os autores puderam constatar a ausência de fraturas, o que sugere que a casca não era calcificada – como é o caso dos ovos da maioria dos répteis, incluindo as aves –, mas sim composta de uma membrana, como observado em alguns lagartos e tartarugas.

Existem pelo menos dois tipos bem distintos de ovos de pterossauros

A suspeita de que alguns pterossauros punham ovos com casca não calcificada e formada por uma membrana já havia sido levantada antes, após a descoberta de ovos encontrados em rochas de 121 milhões de anos também de Liaoning.

Essa observação diverge de outro achado de um ovo de pterossauro encontrado na Argentina, onde pôde ser evidenciada uma casca que, apesar de fina, era rígida. Ou seja, existem pelo menos dois tipos bem distintos de ovos de pterossauros.

Diferentes ovos de pterossauros
Formato de todos os ovos atribuídos a pterossauros encontrados até hoje. Os animais pertencem aos gêneros: ‘Darwinopterus’ (A) e ‘Ornithocheiridae’ gen et sp. indet. (B e C), encontrados na província de Liaoning, na China; e ‘Pterodaustro’ (D), encontrado na Província de San Luis, na Argentina. (foto: Science/AAAS)

Macho ou fêmea?

Outra implicação da descoberta é a possibilidade de se encontrar características para separar machos e fêmeas nesse grupo de répteis voadores. Pode parecer curioso para as pessoas, mas a distinção entre sexos em populações fósseis não é algo simples. Aliás, é praticamente impossível, já que estruturas típicas de cada um dos sexos estão vinculadas geralmente a cor e feições de tecido mole (penas, tipos e tamanho de pelos, etc.), que não se preservam no registro fóssil.

A descoberta indica a possibilidade de se encontrarcaracterísticas para separar machos e fêmeas nesse grupo de répteisvoadores

No caso do exemplar do museu de Zhejiang, não existe dúvida: aquele esqueleto associado ao ovo pertencia a uma fêmea.

Assim, com esse achado, pode-se estabelecer como eram as características do esqueleto de uma fêmea e, observando outros exemplares da mesma espécie, é possível estabelecer diferenças eventualmente associadas a dimorfismo sexual. Na espécie humana, por exemplo, o esqueleto de homens e mulheres difere no tamanho e na estrutura da pélvis.

Levando em conta esse objetivo, a principal diferença encontrada por Lü e seus colegas está na presença de uma crista óssea na cabeça dos machos que estaria ausente nas fêmeas. Uma observação bem legal, se não fosse por um pequeno detalhe…

Fêmea e macho de Darwinopterus
Com base no estudo da fêmea recém-descoberta e de outros exemplares da mesma espécie, os pesquisadores concluíram que os machos de ‘Darwinopterus’ (à direita) têm uma grande crista óssea na cabeça, o que não ocorre nos indivíduos do sexo feminino (à esquerda). Mas há quem acredite que a crista indique a existência de duas espécies diferentes, controvérsia que só poderá ser resolvida com mais material de pesquisa. (ilustração: Mark Witton, University of Portsmouth)

No final do ano passado, Xiaolin Wang, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciências, e colegas publicaram nos Anais da Academia Brasileira de Ciências a descrição de duas novas espécies de pterossauros do mesmo depósito de Liaoning – também com 160 milhões de anos. Esses autores conseguiram determinar a presença de diferentes espécies naquelas rochas, umas com crista e outras sem…

Talvez seja por isso que Lü e seus colegas tenham apenas identificado a fêmea de pterossauro descrita por eles ao nível de gênero – Darwinopterus sp. –, deixando indefinida a espécie a que o fóssil pertence. Esse gênero inclui pelo menos duas: Darwinopterus modularis e Darwinopterus linglongtaensis.

Enfim, mesmo que a situação sobre dimorfismo sexual entre pterossauros ainda esteja aberta para discussão, a descoberta desse fóssil, por si só, já é capaz de agitar o mundo da paleontologia.

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

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Uma equipe formada por mais de 40 pesquisadores e coordenada por Thomas Gilbert (Universidade de Copenhagen, Dinamarca) acaba de publicar na PNAS uma análise de DNA de mamutes. O material foi extraído de pelos de exemplares que foram encontrados congelados na Sibéria. O estudo do DNA demonstrou a existência de dois grupos de mamutes que se extinguiram em diferentes tempos e revelou ser possível a análise de biomoléculas em fósseis da chamada megafauna.

Liderados por Timothy Cleland (Universidade Estadual da Carolina do Norte, Estados Unidos), pesquisadores reanalisaram uma estrutura tridimensional encontrada na cavidade peitoral de um espécime do dinossauro Thescelosaurus que havia sido interpretada como um coração fossilizado. Por meio do uso de diversas técnicas, incluindo tomografia computadorizada, o novo estudo, publicado na Naturwissenschaften, não encontrou qualquer evidência biológica na citada estrutura e concluiu que a mesma não se trata de um coração fossilizado.

Mark Sutton, do Imperial College (Londres), e colegas acabam de descrever um organismo formado por tecido mole procedente de rochas do Siluriano (~430 milhões de anos) do depósito de Herefordshire, situado na Inglaterra. O animal possui simetria bilateral e possivelmente pertence a um grupo extinto de braquiópodos. A pesquisa acaba de ser publicada na Biology Letters.

Acaba de ser publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências um estudo sobre pegadas de dinossauros saurópodes da Argentina que traz novas informações sobre a locomoção dos titanossaurídeos. Por meio do estudo de Titanopodus, Bernardo González Riga (Universidad Nacional de Cuyo, Argentina) estabeleceu que os dinossauros que geraram esse tipo de pegada caminhavam mais rapidamente do que os animais que deixaram os demais registros encontrados até o momento.

Nesse mesmo volume dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, Pablo Gallina (Universidad Maimónides, Argentina) realizou uma revisão da coluna vertebral do dinossauro saurópode Bonitasaura salgadoi, contribuindo para um melhor conhecimento desse titanossauro encontrado em rochas formadas há mais de 80 milhões de anos na Argentina.

A exemplo do que foi feito no ano passado, estamos abrindo a possibilidade para os leitores da CH On-line elegerem a principal descoberta científica divulgada nesta coluna em 2010. Cinco achados foram destacados e até março deste ano você pode escolher qual mais gostou. A enquete será publicada na próxima semana. Participe!