Algum dia olharemos para o passado e concluiremos que a criação de uma economia baseada na queima de combustíveis fosseis, em particular, petróleo, foi uma má ideia. Sim, as emissões de carbono resultantes desta queima estão levando a um colapso climático, subida do nível do mar, perda de produção agrícola, aumento de problemas diversos de saúde… Em resumo, um conjunto de efeitos negativos que está colocando em xeque o futuro da economia e, por extensão, a nossa civilização.
Foram necessárias varias gerações, desde a revolução industrial, para que os efeitos climáticos da queima de combustíveis se fizessem sentir. No entanto, bem antes disso, as demais mazelas associadas a esse ciclo produtivo já estavam presentes.
Possuir reservas abundantes do minério negro, líquido e inflamável passou a ser sinônimo de prestigio e, sobretudo, poder – um poder desproporcional que passou a moldar a geopolítica mundial. Passou, também, a ser sinônimo de má governança. Se duvida, pense um pouco e cite-me um país produtor de petróleo que seja um bom exemplo de governança. Países do Golfo? Nigéria? Venezuela? Rússia? O único exemplo que me ocorre é a Noruega, talvez porque, inspirados nos maus exemplos anteriores, resolveram distribuir os royalties do petróleo pela sua população, sem passar por partidos, prefeituras e cia.
No Brasil, estamos vivendo uma grave crise politica que tem entre seus principais ingredientes os diversos esquemas de corrupção alimentados pelas receitas do petróleo.
Um cálculo difícil
Com corrupção ou sem, há tantos e tão abundantes e obscuros subsídios para a produção, refino e distribuição de combustíveis em escala global que nenhum economista é capaz de dizer qual o real custo da opção pelo petróleo. Um dos muitos motivos para isso é que os custos oficiais não consideram custos para a saúde ou o ambiente: são as chamadas externalidades. Hoje, há formas cada vez mais eficientes de monetizar cada uma delas, mas elas não convêm ao status quo.
Não convém às petroleiras e suas irmãs fabricantes de veículos perguntarem se faz sentido a opção pelo automóvel, tornando intransitáveis e irrespiráveis a maioria das metrópoles do planeta, onde, ao contrário da mobilidade prometida, encontramos intermináveis engarrafamentos de veículos dirigidos por cidadãos à beira de um ataque de nervos.
Ou de um ataque cardíaco. A poluição atmosférica urbana mata, aos poucos mas eficientemente, por meio de doenças respiratórias e cardiovasculares, crônicas ou agudas. As maiores vitimas são, como sempre, as faixas etárias mais vulneráveis, isto é, idosos e crianças. Paradoxalmente, tentar assumir hábitos saudáveis, como andar a pé ou de bicicleta, correr etc., pode ser pior para a saúde em ambiente urbano, pois a exposição aos poluentes atmosféricos é diretamente proporcional à taxa de ventilação, naturalmente mais elevada quando a vítima se exercita.
Segundo a OMS, 80% da população urbana do mundo enfrenta níveis inaceitáveis de poluição atmosférica. Pequim, na China, é famosa pelo ar poluído – mas não é a única. (foto: Jonathan Kos-Read / Flickr/ CC BY-ND 2.0)
Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde revela que nada menos do que 80% da população urbana do mundo está exposta a níveis de poluentes atmosféricos bem acima dos limites recomendados, especialmente nos países pobres do Sudeste Asiático e do Oriente Médio. Nos países desenvolvidos, a poluição do ar urbano tem melhorado nos últimos anos, mas a média global piorou cerca de 8 % no período 2008-2013.
Todos achamos que Pequim é a cidade com ar mais poluído do planeta, pela simples razão de que vemos imagens do transito pequinês com frequência na mídia, e de que o tema foi bastante mencionado durante os Jogos Olímpicos de 2008. Mas perca as ilusões: se é fato que a poluição do ar de Pequim é o dobro daquela da cidade do México ou de São Paulo, esta é ainda um terço daquela de Nova Delhi. Várias outras cidades indianas estão entre as campeãs no quesito.
Um critério para quantificar a poluição é medir a quantidade de partículas em suspensão no ar (o famoso aerossol). Ocorre que o sistema respiratório é um filtro que discrimina eficientemente as partículas por tamanho – as maiores ficam retidas nas porções iniciais do trato respiratório e viram meleca, sorte sua. As demais penetrarão conforme seu tamanho e as mais finas são as que efetivamente poderão alcançar os alvéolos.
Partículas com diâmetro menor que 2,5 micrômetros (PM 2.5, significando “particulate matter smaller than 2.5 µm”) são, portanto, as mais perigosas. Então, todo mundo monitora o PM 2.5 no ar urbano, certo? Quem dera! Muitos programas de medida limitam-se a medir o PM 10, dificultando as comparações entre bases de dados.
E o salmão do título da coluna, o que tem a ver com tudo isso?
Bem, você talvez tenha notado que o inconfundível peixe de carne alaranjada andou sumindo até de restaurante japonês. Também, pudera! O quilo, que já custava cerca de 40 reais, pulou para 70.
Ao contrário do petróleo, que cai de preço quando está para acabar, o salmão segue a lei da oferta e da procura. Encareceu porque escasseou, vítima de uma devastadora maré vermelha no Chile, principal produtor.
As marés vermelhas têm este nome porque são provocadas pela floração de microalgas marinhas que têm pigmentos dessa cor. São conhecidas desde a mais remota antiguidade, pelo aspecto cenográfico notável e por igualmente notáveis mortandades de peixes, moluscos e humanos desprevenidos que os tenham consumido: diversas espécies de microalgas liberam toxinas na água e, quando se multiplicam, os efeitos tóxicos aparecem.
O fenômeno da maré vermelha decorre do aumento da concentração de microalgas marinhas que têm pigmentos dessa cor e pode causar grande mortandade de peixes e moluscos. (foto: Alejandro Díaz / Domínio público)
Mas, então, é apenas um processo natural? Sim, como o efeito estufa e o El Niño. O que não é natural é o aumento da frequência, da duração e da intensidade desses fenômenos, provocado por intervenções humanas como a emissão de carbono.
Marés vermelhas têm sido registradas no Chile desde os anos 1970. Elas começaram no extremo sul e foram subindo ao longo da costa, mas a atual é maior de todas até aqui, abarcando 2000 km do litoral do país.
O que desencadeia uma explosão de microalgas marinhas? Não se sabe ao certo, mas sabe-se que há duas condições necessárias, embora nem sempre suficientes: abundância de nutrientes e aquecimento.
As águas frias do Chile são naturalmente ricas em nutrientes. Devem ter ficado mais ricas ainda quando as indústrias salmoneiras despejaram em alto mar, com apoio das autoridades, cerca de 40.000 toneladas de salmões vítimas da última maré vermelha, no início deste ano. Nutrientes em profusão, aquecimento idem – graças às emissões de carbono: estavam reunidas as condições necessárias, e elas foram suficientes.
O efeito foi local; prejuízos, desemprego, crise, conflitos e sushi mais caro no mundo inteiro.
A causa é global.
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro