O primeiro peixe-voador

Um peixe-voador fóssil! Sinceramente, nunca tinha me deparado com esse tema antes e agradeço a um estudante por ter chamado minha atenção para ele ao me enviar o trabalho de Guang-Hui Xu, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, em Pequim (China). Esse pesquisador chinês liderou uma equipe que acaba de publicar na prestigiosa Proceedings of the Royal Society B a descrição de uma nova espécie de peixe-voador que é o mais antigo representante desse grupo encontrado até agora.

Os peixes-voadores são animais exclusivamente marinhos. Existem apenas dois grupos: os Exocoetidae e os Thoracopteridae. Destes, apenas o primeiro possui representantes atuais e reúne cerca de 50 espécies viventes. Aliás, o peixe-voador é um prato culinário muito apreciado em diversos países, como o Japão, e é também o símbolo nacional de Barbados!

Além das espécies recentes, esse grupo possui cerca de uma dezena de representantes fósseis. O mais antigo deles foi descoberto em camadas do Eoceno (cerca de 40 milhões de anos atrás).

A capacidade de voar dos dois grupos existentes de peixes-voadores evoluiu de forma independente e em tempos totalmente distintos

Já o grupo dos Thoracopteridae é bem mais antigo e não tem formas viventes. Até a descoberta de Xu e sua equipe, os únicos fósseis eram provenientes de depósitos do Triássico Superior (aproximadamente 220 milhões de anos atrás) localizados na Europa, mais especificamente na Áustria e na Itália.

Interessante salientar que, do ponto de vista evolutivo, os Thoracopteridae e os Exocoetidae não estão proximamente relacionados, sendo o primeiro grupo bem mais primitivo (ou basal) que o segundo. Esse fato demonstra que a capacidade de voar desses peixes evoluiu de forma independente e, o mais curioso, em tempos totalmente distintos.

A nova espécie

Voltando ao trabalho de Xu e colaboradores, a nova espécie de peixe-voador, que pertence ao grupo dos Throracopteridae, foi denominada de Potanichthys xingyiensis. O número de exemplares é bastante pequeno: apenas dois, ambos encontrados em depósitos do Triássico Médio (Landiniano), formados há aproximadamente 230 milhões de anos (Formação Falang), na província de Guizhou, na região sul da China. Essa espécie é, portanto, o registro mais antigo de um peixe-voador de que se tem notícia, o que por si só já é um fato muito interessante para os pesquisadores da área.

Potanichthys xingyiensis
Fóssil de ‘Potanichthys xingyiensis’ encontrado em depósitos de 230 milhões de anos na China. (foto: Xu et al/ Proc. R. Soc. B)

Potanichthys era relativamente pequeno: atingia um comprimento total de 153 milímetros (menos de um palmo). Como todo peixe-voador, ele tinha as nadadeiras peitorais extremamente alongadas, com tamanho correspondente a pouco mais de 40% do comprimento total do seu corpo. Sua cabeça era grande, maior do que a dos demais peixes-voadores, uma característica importante da nova espécie. Possuía 16 dentes cônicos e relativamente pequenos. Ao contrário de muitos peixes, inclusive outros voadores, era praticamente desprovido de escamas – tinha apenas quatro colunas verticais na região da nadadeira caudal.

Para que voar?

Uma curiosidade natural de todo mundo é entender por que um peixe ‘aprende’ a voar. Bem, voar não seria o termo mais correto. Precisamos fazer aqui uma grande ressalva. Apesar de voarem, eles não possuem ‘asas’, e sim nadadeiras peitorais, que, ao contrário das dos demais peixes, são bem desenvolvidas, com uma base rígida e ramificações que aumentam sua área de contato com o ar.

Também é importante salientar que esses peixes não batem as nadadeiras, como fazem as aves e os morcegos com as suas asas! O voo desses animais é do tipo planado, ou seja, a partir de uma impulsão dada pelos batimentos de sua cauda, eles propulsionam seu corpo acima da superfície da água e planam por, em média, 50 metros. Grosso modo, lembram um avião planador, sendo que, de vez em quando, tocam a superfície da água com a cauda para ganhar maior propulsão. Existem registros, segundo Guang-Hui Xu, de voos de aproximadamente 400 metros! Nada mau para um peixe…

Veja no vídeo abaixo o voo de um peixe-voador

O que intriga os cientistas é o motivo de eles terem desenvolvido essa estratégia. Uma das ideias propostas seria a de que o voo, mesmo planado, facilitaria a migração das diferentes espécies de um local para outro. Apesar de ser uma hipótese inicialmente interessante, estudos fisiológicos determinaram que o ato de voar, mesmo de forma planada, é, digamos, caro para o animal, já que consome muita energia.

Logo veio uma segunda hipótese: voo de fuga! Se você vai gastar muita energia, tem que valer a pena. E nada melhor do que continuar vivo, correto? Assim, pesquisadores propuseram que os peixes-voadores, sobretudo os do grupo Exocoetidae, teriam desenvolvido essa estratégia para fugir de predadores. Nos dias de hoje, estes são formados, particularmente, pelos golfinhos.

No caso de Potanichthys e outros membros do grupo de peixes-voadores basais, apesar da não existência de golfinhos na época em que viveram, havia outros grandes predadores, que poderiam vê-los como uma boa refeição. Nos depósitos triássicos da China, onde a nova espécie foi descoberta, são encontrados, por exemplo, diversos répteis marinhos e também outros peixes maiores. Assim, pode-se imaginar que seria uma boa vantagem para o Potanichthys escapar desses predadores planando sobre os oceanos do passado!

O estudo dos colegas chineses discute ainda outros aspectos da vida dos peixes-voadores. Considerando que atualmente esses peixes vivem apenas em águas relativamente quentes, com mais de 20 ºC, eles levantam a hipótese de que, em todos os depósitos onde peixes-voadores foram encontrados, a temperatura da água dos ambientes que existiram ali no passado deveria ser semelhante.

Peixe-voador
Peixe-voador momentos após sua decolagem. Atualmente esses animais vivem apenas em águas relativamente quentes. (foto: U.S. National Oceanic and Atmospheric Administration)

Os autores ainda fizeram uma boa distinção entre os peixes-voadores verdadeiros, ou seja, os que realmente poderiam planar, dos falsos peixes-voadores. O importante, segundo Xu e colegas, não é ter nadadeiras peitorais bem desenvolvidas, mas sim uma nadadeira caudal assimétrica, com a parte de baixo bem grande, de forma a dar uma melhor propulsão ao animal.

Diante desse trabalho, pode-se constatar que os cientistas chineses continuam realizando grandes descobertas – e não apenas sobre dinossauros ou aves extintas, grupos que renderam grande reconhecimento às suas pesquisas. Além disso, é bacana ver um país valorizar os seus museus e realizar investimentos expressivos na pesquisa científica, incluindo o estudo dos fósseis. Naturalmente, isso não acontece por acaso e é fruto da militância de sociedades científicas que incentivam a livre expressão e participação dos seus associados, todos lutando para a melhoria das condições de pesquisa na paleontologia. Será que podemos ter esperanças?

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

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O Museu de Ciências Naturais da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), em Canoas, Rio Grande do Sul, acaba de inaugurar uma exposição de fósseis. A mostra, que enfoca particularmente as formas de vertebrados encontradas nos depósitos triássicos daquele estado, tem como destaque principal os restos de um esplêndido exemplar de Prestosuchus chiniquensis, um parente distante dos crocodilomorfos. O material inclui, além do crânio, grande parte do esqueleto do animal. Mais informações no site da Ulbra.

O colega José Bonaparte (Museo Municipal de Ciencias Naturales, Mercedes, Buenos Aires) acaba de publicar na Historical Biology uma revisão de um grupo bastante interessante de cinodontes (vertebrados na linha evolutiva dos mamíferos) chamado Brasilodontidae. Formados por poucas espécies, todas insetívoras, os brasilodontídeos são considerados proximamente relacionados aos primeiros mamíferos, sendo, portanto, importantes para o entendimento das origens desse grupo.

O pesquisador Mário Dantas (Universidade Federal de Minas Gerais) e colegas realizaram um estudo sobre a paleoecologia de três espécies da megafauna (formas de grande porte que viveram durante o Pleistoceno) procedentes de diferentes áreas do nordeste brasileiro. A partir de estudos isotópicos, os autores conseguiram determinar que a dieta da preguiça gigante Eremotherium laurillardi, do proboscídeo Notiomastodon platensis (parente distante dos elefantes) e do notoungulado Toxodon platensis (animal semelhante aos hipopótamos) variava de acordo com o hábitat que eles ocupavam: os animais que viviam em áreas mais abertas eram pastadores e, em áreas mais fechadas, havia um hábito alimentar mais diversificado. O estudo foi publicado na Quaternary Research

Bo Wang (Nanjing Institute of Geology and Paleontology, Nanjing, China) e colegas fizeram um estudo detalhado sobre a preservação dos insetos fósseis da famosa biota de Jehol, encontrada em depósitos do Cretáceo Inferior (entre 125 e 120 milhões de anos atrás) na China. Os autores estudaram exemplares de 12 localidades distintas e constataram a existência de um grande número de insetos preservados na forma do mineral pirita (um sulfeto de ferro). Assim, concluíram que esse modo de fossilização, chamado de piritização, é bastante importante para a formação de fósseis em ambientes lacustres do passado longínquo. O artigo acaba de ser publicado na Palaios.

Ezequiel Vera e Silvia Cesari (Museo Argentino de Ciencias Naturales, Buenos Aires) publicaram nos Anais da Academia Brasileira de Ciências um artigo descrevendo duas novas espécies de coníferas dos depósitos do Cretáceo Inferior do Grupo Baqueró, bastante conhecidos pela ocorrência de vegetais fósseis. Até então, a maioria das plantas encontradas eram folhas, algumas, inclusive, com a cutícula preservada. Esses são os primeiros registros de madeira fóssil dessa unidade.

Termina em 15 de dezembro deste ano o prazo de submissão de trabalhos para o Rio Ptero 2013. Esse evento, que será realizado no Museu Nacional/UFRJ de 23 a 26 de maio, vai reunir os principais pesquisadores interessados na pesquisa dos pterossauros e apresentará as novas descobertas desse grupo de répteis voadores. Participe!