O Super-Homem poderia ter voltado a andar?

 

O ator Christopher Reeve discute o potencial da pesquisa sobre células-tronco para a recuperação de lesões na coluna durante evento no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 2003, um ano antes de sua morte (imagens: Wikipedia).

Após uma queda de cavalo em 1995, o ator norte-americano Christopher Reeve (1952-2004), mundialmente famoso ao encarnar nos cinemas o Super-Homem – herói dos quadrinhos conhecido como o ‘homem de aço’ –, perdeu todos os movimentos abaixo do pescoço e passou os últimos anos de sua vida preso a uma cadeira de rodas, necessitando de auxílio para se alimentar e respirar. Era uma prova emblemática da incapacidade da medicina e do conhecimento científico atual para suplantar alguns de seus maiores desafios.

Até sua morte prematura aos 52 anos em outubro de 2004, o ator investiu sua fortuna e influência para apoiar a descoberta dos mecanismos que governam a regeneração de lesões na medula espinhal. Será que, se ele estivesse vivo por mais alguns anos, seríamos capazes de restituir sua capacidade motora?

Além de Reeve, estima-se que existam no mundo mais de 2 milhões de pessoas que tenham perdido os movimentos de suas pernas (paraplegia) ou de suas pernas e braços (tetraplegia) devido a traumas na medula espinhal, situada no interior da coluna vertebral. Esse órgão pode ser comparado a uma auto-estrada que conecta as informações captadas nos meios interno e externo com aquelas geradas no sistema nervoso. Essa comunicação se faz por meio de impulsos nervosos transmitidos através das membranas plasmáticas de uma intrincada rede de neurônios associados por prolongamentos celulares conhecidos como axônios e dendritos.

Há alguns anos, pensava-se que os neurônios danificados seriam incapazes de reorganizar sua estrutura celular. Acreditava-se que isso estava associado ao fato de estas células serem extremamente especializadas e dedicadas a coordenar o funcionamento de outros tipos celulares. A incapacidade de regeneração seria, assim, um preço a se pagar por essa elevada capacitação. Porém, posteriormente verificou-se que os neurônios poderiam se recuperar, desde que não estivessem muito lesados. Mas se isso era verdade, como explicar a paraplegia, a hemiplegia e a tetraplegia?

Lesões traumáticas e inflamação

O esquema mostra as regiões inervadas em cada porção da medula espinhal, no interior da coluna vertebral. Essas regiões podem ser afetadas em casos de lesões (arte: Jim Lubin).

Essas paralisias devem-se em parte à inflamação que se segue após lesões traumáticas na medula espinhal. A inflamação, um mecanismo protetor contra lesões, leva à liberação de uma série de compostos químicos e à ativação de vários tipos celulares que dificultam a recuperação do delicado equilíbrio anteriormente observado na região afetada.

Na inflamação estão envolvidas as células da glia, que atuam como ‘babás’ dos neurônios, dando a eles alimentação e proteção. Quando ocorrem danos irrecuperáveis nos axônios e dendritos – após um trauma cervical causado por uma queda de cavalo, por exemplo –, os neurônios afetados ativam o processo de morte programada ou apoptose ou são eliminados por necrose.

Posteriormente, as células da glia eliminam os neurônios e seus prolongamentos danificados e deslocam-se para as regiões onde estes estavam anteriormente. Desta forma, quando os axônios dos neurônios sobreviventes são seccionados, os neurônios, ao procurarem estender novamente esses prolongamentos celulares, fazem-no aleatoriamente, tendo assim uma probabilidade reduzida de encontrarem novamente os caminhos e alvos adequados.

Após um traumatismo, neurônios sobreviventes que tentam estender novamente seus axônios no local da lesão terão também de enfrentar outros desafios: a região lesada encontra-se repleta de sinais inibitórios representados por restos celulares, radicais livres e outros compostos tóxicos liberados durante a cicatrização, e há vários “inimigos” à espreita (células inflamatórias), prontos para atacar esses prolongamentos celulares.

Extensão dos prolongamentos celulares
As estratégias atuais para se procurar combater os danos neuronais causados por traumas na medula espinhal buscam proporcionar aos neurônios as condições ideais para sua recuperação e extensão de seus axônios, enquanto se tenta minimizar os danos causados pela reação inflamatória associada à cicatrização dessas lesões. Algumas drogas em fase de teste estão sendo utilizadas para se tentar proteger os neurônios dos efeitos nocivos associados à inflamação.

Porém, mesmo que se ataque prontamente o processo inflamatório, não há garantias de se evitar traumas na medula espinhal, uma vez que as células da glia podem atacar e dificultar a nova extensão dos axônios lesados através da liberação de proteínas que bloqueiam o crescimento axônico.

Em casos de lesões antigas, tem se tentado transplantar para o local afetado células-tronco capazes de se diferenciarem em células da glia ou neurônios, suprindo novamente essa região com os tipos celulares necessários capazes de promover sua recuperação funcional. Outra possibilidade que está sendo testada é a introdução de células gliais adultas capazes de promover as condições ideais para um desenvolvimento adequado dos neurônios lesionados.

Se essas estratégias forem bem sucedidas, apesar de não podermos mais ver Christopher Reeve andando, quem sabe possamos ter esperanças de ver, daqui a alguns anos, Herbert Vianna tocando de pé sua guitarra em um show dos Paralamas do Sucesso. A medicina ainda está bastante distante dessa realidade, mas ela é movida justamente pela busca de superar desafios.
 

Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
28/07/2006