Compreender o mundo sempre foi um anseio da humanidade: há milhares de anos tentamos explicar os fenômenos e eventos que observamos, além de desenvolver formas de verificar e testar nossas ideias. O céu e seus astros sempre estiveram na pauta da curiosidade humana, talvez por serem, ao mesmo tempo, tão presentes no dia a dia e tão inalcançáveis. Mas as explicações que homens e mulheres foram capazes de dar para os fenômenos celestes mudaram – e muito – ao longo da história.
No alvorecer da consciência humana, um eclipse causava temor e medo. Um evento tão poderoso e desconhecido, para o homem primitivo, somente poderia ser obra de seres poderosos, como um deus raivoso com seus discípulos. Essa visão mística de um fenômeno natural, embora não seja nem um pouco científica para os padrões atuais, já manifestava a tentativa de compreender o que estava acontecendo no céu.
Com o passar do tempo, novas formas de ver o mundo foram propostas. Os filósofos gregos desenvolveram um pensamento mais racional, também a partir da observação, para construir os seus modelos de universo. Aristóteles, por exemplo, dizia que nosso mundo era composto por quatro elementos (terra, água, ar e fogo), o que lhe permitia explicar uma série de fenômenos. Por que a fumaça de uma fogueira sobe? Ora, porque, sendo feita do elemento ar, tende a ir para seu lugar natural, entre a Terra e a esfera lunar. Por que uma pedra, se jogada para o alto, cai? Porque é feita do elemento terra, cujo lugar natural é o centro do planeta.
Para Aristóteles, os objetos celestes, como a Lua, o Sol, os planetas e as estrelas, eram feitos de um quinto elemento, chamado éter. Seu lugar natural era um mundo celestial puro e perfeito, separado do nosso, terreno e imperfeito. No céu, viviam os deuses. Os planetas se moveriam presos em esferas, de forma uniforme e – adivinhe? – perfeita.
O centro do universo conhecido
Além das esferas celestes, muitas outras ideias foram propostas para explicar o movimento dos planetas e demais astros. Em particular, o modelo que dominou a astronomia por mais de mil anos foi o modelo geocêntrico, consolidado pelo astrônomo Cláudio Ptolomeu entre os séculos 1 e 2, no qual os corpos celestes obedeciam aos epiciclos, mecanismos que realizavam movimentos circulares ao redor de um ponto que descrevia uma órbita circular ao redor da Terra.
Essa visão foi satisfatória durante muito tempo, mas, com o avanço das observações astronômicas – ainda antes do uso do telescópio –, notou-se que os movimentos celestes eram muito mais complexos do que se podia imaginar. Foi necessário não somente mudar a visão que se tinha do mundo, mas também confiar cada vez mais na precisão das observações feitas.
O grande astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) colecionou, durante quase 30 anos, as mais precisas observações astronômicas feitas até sua época. Para tal, construiu instrumentos pioneiros de alta precisão, como um sextante com braços de quase dois metros cada. Seus resultados colocavam em xeque o modelo geocêntrico e mostravam que era necessário propor algo novo. Brahe, porém, não conseguiu elaborar um modelo satisfatório para suas próprias observações, pois não conseguia abandonar a ideia de que a Terra estava no centro do universo.
Naquele tempo, já se conhecia o modelo heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-1543), divulgado no ano de sua morte, mas que ainda não havia convencido a comunidade científica de então. Foi astrônomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630) quem deu continuidade ao trabalho de Brahe, de quem foi assistente e herdeiro intelectual.
Confiando na precisão dos dados obtidos por seu antecessor, Kepler propôs que os planetas se moviam ao redor do Sol, mas não em órbitas circulares, como imaginava Copérnico, e sim em órbitas elípticas – em consequência, ora um dado planeta estaria mais próximo do Sol, ora mais distante. Kepler percebeu também que, quanto mais distantes do Sol, mais devagar os planetas se moviam. Quanto mais perto do astro-rei, mais velozes eram. E sugeriu haver uma constante numérica resultante do raio da órbita elevado ao cubo dividido pelo período orbital (tempo para completar uma órbita) ao quadrado.
Pela primeira vez, conseguiu-se uma descrição matemática e precisa dos movimentos planetários, conhecida até hoje como modelo de Kepler. Na época, o astrônomo imaginou haver uma força que atraía os planetas para o Sol, mantendo-os em órbita. Para ele, essa força deveria ser magnética – naquela mesma época, o médico inglês William Gilbert (1544-1603) explicara o funcionamento da bússola propondo que a Terra se comportava como um gigantesco ímã. Era natural, portanto, imaginar que o mesmo deveria acontecer com os outros planetas e até com o Sol.
A força que nos une
Mais de 50 anos se passaram até que o físico e matemático inglês Isaac Newton (1642-1727) avançasse a partir das ideias de Kepler. Ele propôs um modelo físico completo, que posteriormente ficou conhecido como Mecânica Clássica, para explicar os movimentos terrestres e celestes. Descreveu que a força que atraía tanto os planetas como qualquer objeto aqui na Terra era a gravidade, e obteve uma expressão matemática para o seu efeito. Comparando-a com as leis de Kepler, notou que constante encontrada por seu antecessor se relacionava com a constante de gravitação universal, que Newton propôs em suas equações.
A precisão das leis de Newton foi testada em 1846, quando os astrônomos John Couch Adams (1819-1892) e Ubain Le Verrier (1811-1877) previram, de maneira independente, a existência de um novo planeta no sistema solar. Era Netuno, identificado a partir dos desvios observados na órbita de Urano, que havia sido descoberto décadas antes. A observação de Netuno foi feita pelo astrônomo alemão Johann Gottfried Galle (1812-1910), graças à precisão da luneta do observatório de Berlim, no qual trabalhava.
O sucesso das previsões e comprovações das teorias de Newton fortaleceu o sentimento de que a ciência necessita de comprovações experimentais e que, quando novas evidências surgem, novas ideias e modelos devem ser testados.
Mais tarde, outra órbita planetária irregular – desta vez, a de Mercúrio – desafiou as leis de Newton. Seu periélio, ou seja, o ponto da órbita em que o planeta se encontra mais próximo ao Sol, era variável, coisa que a teoria newtoniana não conseguia explicar. Imaginou-se que o problema era semelhante ao de Urano, isto é, que deveria existir um planeta perturbando a órbita de Mercúrio. O suposto planeta recebeu até nome, Vulcano, mas nunca foi observado.
Rumo à compreensão profunda
O próximo grande avanço no conhecimento dos movimentos celestes veio quase 250 anos depois da publicação das ideias de Newton. Em 1915, o físico alemão Albert Einstein (1979-1955) publicou a Teoria da Relatividade Geral (TRG), na qual generalizou sua teoria anterior, de 1905, para explicar a origem da gravidade. Einstein mostrou que essa força estava associada à curvatura do espaço e do tempo, devido à presença da massa. A TRG não somente explicou o problema do periélio de Mercúrio, mas também descreveu com precisão o porquê do desvio da luz das estrelas quando passa por campos gravitacionais intensos.
Em 1916, Einstein previu, a partir da TRG, as ondas gravitacionais, que deveriam ocorrer devido ao movimento dos planetas no espaço, da mesma maneira que se criam ondas em um lago devido a movimentos na sua superfície. Um efeito tão difícil de ser detectado que levou 100 anos para ser observado, com a ajuda de um instrumento de altíssima precisão e a sorte de detectar um fenômeno astronômico raro, a colisão de dois buracos negros.
A história da nossa compreensão do espaço é apenas um exemplo de como a ciência caminha a partir da explicação dos fenômenos que observamos e do teste experimental de novas ideias. Ao longo da jornada do desenvolvimento humano, descobrimos e inventamos muitas ferramentas para entender o mundo – a meu ver, a ciência é a melhor delas.
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos