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Vovó Redivina sempre foi uma pessoa ativa e que superou grandes dificuldades para criar sua numerosa família. Nos últimos anos de vida, ela passou a apresentar uma expressão facial distante e o brilho de seus lindos olhos azuis foi pouco a pouco se apagando. Isso, de certa forma, refletia um comportamento cada vez mais alheio e uma dificuldade de se lembrar de pessoas e acontecimentos marcantes. Que transformações súbitas tornaram essa pessoa autônoma em alguém alheio e dependente dos outros mesmo para as necessidades mais básicas? 

Vovó Redivina foi vítima do tipo mais comum de demência, conhecido como mal de Alzheimer, uma doença degenerativa e fatal que acometeu quase 27 milhões de pessoas apenas em 2006, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, cálculos da mesma instituição indicam que essa patologia está se tornando mais comum e que, em 2050, talvez tenhamos mais de 100 milhões de indivíduos afetados no mundo. 

Essa patologia é assim denominada em homenagem à pessoa que primeiramente a descreveu em 1901: o psiquiatra e neuropatologista alemão Alysius Alzheimer (1864-1915). Sua descrição da doença se baseou no estudo de Auguste Deter, uma paciente de 51 anos que apresentava comportamentos estranhos, incluindo a perda de memória recente. Em 1906, após o falecimento de Deter, Alzheimer analisou amostras de seu cérebro e observou a ocorrência de alterações nesse tecido. 

Cada portador do mal de Alzheimer pode manifestar essa patologia de formas diferentes. Mais comumente, ela é associada com a perda de memória, que pode ser confirmada por testes cognitivos, comportamentais ou com o diagnóstico por imagem de ressonância magnética ou tomografia computadorizada. 

Embora essa patologia afete principalmente pessoas com mais de 65 anos, há registros de casos em indivíduos mais jovens. A evolução e o prognóstico do mal de Alzheimer são difíceis de se estabelecer, mas a doença freqüentemente perdura por anos. A expectativa média de vida de seus portadores está em torno de sete anos e apenas cerca de 3% deles alcança mais que 14 anos de vida após o diagnóstico. 

Memória comprometida 

À esquerda, Auguste Deter (1850-1906), primeira paciente diagnosticada com mal de Alzheimer, e, à direita, Aloysius Alzheimer (1864-1915), médico que descreveu a doença.

Inicialmente os portadores de Alzheimer apresentam dificuldade de se lembrar de fatos recentes e de adquirir informações novas. Déficit de atenção e problemas associados com pensamento abstrato e relações conceituais podem também ocorrer nas fases iniciais. Esses sintomas são erroneamente considerados por muitos como um fato natural e comum do envelhecimento. Em alguns casos, exames e testes neuropsicológicos podem revelar o surgimento do mal de Alzheimer com até oito anos de antecedência. 

Entre os sintomas observados nos portadores da doença, a apatia é o mais comum. À medida que ela avança, os pacientes passam a apresentar freqüentemente confusão mental, irritações, mudanças repentinas de humor, problemas de linguagem e perda de memória em longo prazo. Gradualmente, as funções corporais vão se esvaindo até o falecimento. Por outro lado, memórias antigas associadas com a vida do paciente, assim como os fatos aprendidos (memória semântica) e o modo de fazer as coisas (memória implícita) são menos afetados. 

Os fatores associados com o aparecimento e a progressão do mal de Alzheimer são pouco compreendidos. Contudo, há indícios de que o surgimento de placas e emaranhados cerebrais sejam responsáveis por essa patologia. 

Atualmente, existem três hipóteses utilizadas para explicar as causas do mal de Alzheimer. A primeira e mais difundida, conhecida como hipótese colinérgica, afirma que a doença é causada pela diminuição da biossíntese do neurotransmissor acetilcolina. Embora não haja fatos que a comprovem de forma definitiva, pesquisas têm mostrado que os efeitos colinérgicos promovem a formação de agregações encefálicas maiores que levam a um processo de inflamação generalizado nesse tecido. 

Outra proposta, conhecida como hipótese amilóide, afirma que depósitos de beta amilóide causam a doença. Contudo, a remoção experimental dessas placas feita em alguns estudos não apresentou efeitos significativos sobre a progressão da demência. 

A hipótese amilóide também é reforçada por descobertas em indivíduos portadores de síndrome de Down, que apresentam comumente Alzheimer após os 40 anos. Essas pessoas possuem uma cópia extra do cromossomo 21, no qual está localizado o gene para o precursor da beta amilóide ou APP, uma proteína transmembrana que é crítica para a sobrevivência, o crescimento e o reparo de danos em neurônios. Além disso, em algumas formas herdadas de Alzheimer observam-se mutações no gene de APP ou naquele das proteínas pré-senilinas, que processam a APP. 

Hipótese alternativa 
Alternativamente, alguns pesquisadores têm proposto que o mal de Alzheimer pode ser causado por anomalias em uma proteína conhecida como tau, associada com a estabilização dos microtúbulos, filamentos protéicos que atuam como vias de transporte interno nos neurônios. Segundo esse modelo, a hiperfosforilação dessa proteína, com a conseqüente formação de emaranhados de neurofibrilas, está ligada aos efeitos nocivos do Alzheimer. Essa modificação bioquímica promove a degeneração de microtúbulos, um processo que acaba por prejudicar o sistema de transporte dos neurônios e que causa, posteriormente, falhas de comunicação entre essas células e a sua morte. 

Evolução do mal de Alzheimer no cérebro. Processos inflamatórios decorrentes da doença contribuem para a perda de neurônios e levam à atrofia de algumas regiões cerebrais. (Imagens: Fundação Mayo para Educação e Pesquisa Médicas).

Menos de 10% dos casos de Alzheimer são verificados antes dos 60 anos e estão associados com mutações em três genes de expressão autossômica dominante. A ocorrência dessa doença em uma idade mais avançada não pode ser explicada apenas com modelos genéticos. 

Analisadas ao microscópio, as regiões cerebrais deterioradas pelo mal de Alzheimer apresentam placas amilóides (também conhecidas como placas senis), e os emaranhados neurofibrilares são claramente visíveis. As primeiras têm depósitos densos e insolúveis da proteína beta amilóide. Também podem ser observados material extracelular na periferia dos neurônios e a presença de fibras torcidas no interior dessas células. 

Bioquimicamente, o mal de Alzheimer pode ser considerado uma doença causada por um erro no dobramento das proteínas tau e beta amilóide. Essas últimas formam-se após a digestão enzimática de APP e formam as placas beta-amilóide. 

Essas placas levam à morte celular (ou apoptose) dos neurônios ao afetar o equilíbrio dos níveis de íons cálcio intracelular e ao inibir o metabolismo da glicose nessas células. Processos inflamatórios e citocinas decorrentes do mal de Alzheimer também contribuem para a perda de neurônios e de suas sinapses no córtex e em certas regiões do subcórtex cerebral, levando a uma atrofia do lobo temporal e parietal e de partes do córtex frontal e do giro cingulado. 

Diversos tratamentos e medicamentos estão sendo testados para amenizar e combater os efeitos do mal de Alzheimer, mas resultados concretos ainda não foram obtidos. A estimulação mental, associada à prática regular de exercícios físicos e a uma dieta balanceada, é recomendada para a prevenção da doença. Contudo, o mais importante talvez seja tratarmos com paciência e dispensarmos uma dose enorme de carinho para as pessoas que, como a vovó Redivina, cuidaram de nós por muitos anos.  

Jerry Carvalho Borges 
Universidade do Estado de Minas Gerais 
Regiane Silveira Teodoro 
Centro de Atenção Psicossocial – Passos (MG) 
15/08/2008 

SUGESTÕES PARA LEITURA 
Jalbert J.J., Daiello L.A., Lapane K.L. Dementia of the Alzheimer Type. Epidemiol Rev. 2008 Jul 16. 
Cummings J.L., Mackell J., Kaufer D. Behavioral effects of current Alzheimer’s disease treatments: a descriptive review. Alzheimers Dement. 2008 Jan; 4(1):49-60. 
Mimura M. Memory impairment and awareness of memory deficits in early-stage Alzheimer’s disease. Tohoku J Exp Med. 2008 Jun; 215(2):133-40. 
Castellani R.J. et al. Alzheimer disease pathology as a host response. J Neuropathol Exp Neurol. 2008 Jun; 67(6):523-31. 
Schwab C., McGeer P.L. Inflammatory aspects of Alzheimer disease and other neurodegenerative disorders. J Alzheimers Dis. 2008 May; 13(4):359-69. 
Solomon P.R., Murphy C.A. Early diagnosis and treatment of Alzheimer’s disease.Expert Rev Neurother. 2008 May; 8(5):769-80. 
Bird T.D. Genetic aspects of Alzheimer disease. Genet Med. 2008 Apr; 10(4):231-9.

Vovó Redivina aos 20 anos, em 1950, no seu casamento (à esquerda), e aos 75 anos, em 2005, nos últimos anos de sua vida (à direita).