Paleoarte dá vida aos dinossauros

Quem nunca olhou para uma ilustração ou escultura de um dinossauro e se perguntou se o animal tinha de fato aquela aparência, com todos aqueles dentes e cores? Como é que os cientistas sabem disso? Pode parecer estranho, mas o público leigo não é o único que tem esse tipo de dúvida. Nós, pesquisadores que estudamos os fósseis, muitas vezes também fazemos essas mesmas perguntas.

Nunca é demais lembrar que o material no qual a pesquisa paleontológica se baseia pode ser muito ingrato: pedaços de esqueleto, geralmente incompletos, e, sobretudo, desprovidos de detalhes da morfologia externa, como a textura do couro, minúcias da face e, principalmente, a coloração. O problema é similar no caso de animais invertebrados e plantas.

Apesar dessas limitações, toda exposição paleontológica que se preze traz cada vez mais reconstruções, tanto dos organismos extintos como de todo o ecossistema em que eles viviam. Mas quem faz esse trabalho? Engana-se quem pensa que é o pesquisador de fósseis. Ninguém pensaria isso se visse os desenhos de alguns paleontólogos, a começar pelos deste colunista! O profissional com esta incumbência é o paleoartista.

Suas atividades são fundamentais para a divulgação das pesquisas com fósseis. Para celebrar o trabalho desses profissionais, o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sediou no mês passado a 2ª Exposição Internacional de Arte Paleontológica – ou Dinos in Rio. O encontro contou com paleoartistas de Portugal, Brasil e Argentina – país pioneiro nessa área na América do Sul.

Foram mostradas ali as novas tendências na reconstrução das espécies extintas, que envolvem desde o uso de robôs (animatrônica) até a inserção de desenhos (muitos gerados por computação gráfica) em ambientes atuais, dando um realismo particular à obra. O encontro contou com palestras e discussões entre paleoartistas, cientistas, estudantes e o público.

Fronteira sutil
Um dos pontos mais problemáticos é estabelecer o que é ou não paleoarte. Refletindo a respeito, arrisco uma definição que talvez não seja unânime. A paleoarte é a reconstrução de um organismo extinto ou de um ecossistema antigo, obedecendo rigorosamente o conhecimento científico disponível na época da confecção do trabalho.

Um esqueleto simples, portanto, não é uma peça de paleoarte, pois retrata o material fóssil em si, incluindo as partes que não são conhecidas. Uma reconstituição que inclua a cor e a pele já configura uma peça desse gênero, desde que sejam respeitadas as limitações impostas pelo conhecimento científico.

Note que a ciência é um elemento central dessa definição: sem ela não existe paleoarte. Um contraexemplo bastante popular é o réptil voador Pteranodon retratado com longos dentes no filme Jurassic Park III. Trata-se de uma heresia para qualquer estudioso desses animais, já que os fósseis mostram, de forma inequívoca, que eles não tinham dentes…

Um segundo ponto a ser destacado na definição é o conhecimento científico disponível quando obra é confeccionada. Comumente as informações sobre um determinado organismo mudam à medida que a pesquisa avança e outros fósseis são encontrados.

Bom exemplo é o próprio Tyrannosaurus rex. Em trabalhos de paleoartistas do passado, esse dinossauro carnívoro era reproduzido em postura com o dorso levantando e arrastando sua cauda no solo. Reconstituições recentes devem refletir os resultados de estudos modernos que indicam que esse e outros predadores mantinham o corpo em posição mais horizontal, com a cauda levantada.

Devo destacar, no entanto, um aspecto da paleoarte que me incomoda: a grande variedade existente na reconstrução de uma mesma espécie. Uma pesquisa rápida na internet permite encontrar uma diversidade de reconstituições de muitos dinossauros carnívoros sem um padrão difinido. Cada paleoartista usa um modelo distinto para uma mesma espécie,o que dificulta o reconhecimento de quem é quem.

Nunca é demais lembrar que, na natureza, isso não ocorre: quando cores mudam, estamos, na maioria dos casos, diante de uma nova espécie. Diante disso, como proceder? Uma sugestão seria a de se estabelecer uma certa prioridade de cores ou de textura da pele (no caso de ilustrações preto e branco).

O paleoartista que fizesse a primeira reconstrução de uma determinada espécie teria, por assim dizer, estabelecido um padrão de cor que deveria ser seguido – com alguma variação – pelos demais. Essa questão não parece tão importante no momento, mas certamente poderia gerar uma discussão produtiva no futuro.

Sucesso de público
A primeira exposição internacional de paleoarte no Brasil ocorreu em 2005, durante o 2º Congresso Latino-americano de Paleontologia. Naquele evento, realizado no Rio de Janeiro, a exposição foi voltada essencialmente para os participantes do congresso, com acesso restrito ao grande público. Já o Dinos in Rio, montado nas dependências do Museu Nacional no palácio real da Quinta da Boa Vista, estava aberto à visitação de todos. E que visitação…

Foram 18 mil visitantes entre 25 e 30 de agosto. Apenas no fim de semana, após ampla divulgação na imprensa, 13.700 pessoas vieram examinar de perto as belas peças expostas pelos paleoartistas. O museu teve que estender a visitação por uma hora no sábado e domingo para que todos da enorme fila formada desde cedo pudessem entrar!

Visitação como essa em uma mostra de paleontologia no Brasil só havia sido vista durante a exposição No tempo dos dinossauros. Realizada em 1999, também no Museu Nacional, essa mostra incluiu algumas das primeiras reconstruções de animais extintos e foi um verdadeiro marco na paleontologia brasileira.

O evento deste ano contou com várias premiações. A melhor peça da exposição, eleita pelo público, foi um robô do pterossauro Tapejara imperator  feita pelo engenheiro eletrônico argentino Hugo Nicolás Pailos. A réplica foi um verdadeiro sucesso entre o público jovem, demonstrando que a robótica – ou animatrônica – tem vaga garantida na paleoarte.

Pelo visto, o Tapejara deu sorte: o prêmio de melhor ilustração ficou para um desenho que mostra esse réptil alado ao lado do Santanaraptor, um dos dinossauros mais conhecidos do Brasil. Com belíssimas cores, a obra premiada foi feita por Maurílio Oliveira, que já havia vencido um concurso internacional com a mesma imagem.

A melhor escultura foi a do Angaturama limai, de Orlando Grillo. Receberam menções honrosas os argentinos Carlos Alberto Papolio e Jorge Antonio González, alem do paleoartista brasileiro Felipe Alves Elias. O prêmio de revelação foi para André Pinheiro, que fez a reconstrução do crocodilomorfo aquático brasileiro Guarinisuchus.

A mostra recém-encerrada no Museu Nacional evidenciou a qualidade dos paleoartistas sul-americanos. Que sirva de estímulo para o desenvolvimento desse campo, que ainda está engatinhando no Brasil.

Ainda falta bastante para que o país alcance um número expressivo de paleoartistas atuantes como tem, por exemplo, nos Estados Unidos, onde uma pessoa pode sobreviver – e bem – apenas da reconstrução de organismos extintos. Mas o que vimos no Museu Nacional mostra que a produção de nossos paleoartistas nada deixa a desejar em relação à de seus colegas norte-americanos e europeus..

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
08/09/2009

Confira fotos de algumas obras expostas na mostra Dinos in Rio (clique nas imagens para ampliá-las)

O robô do pterossauro Tapejara imperator visto acima foi eleito a melhor peça da exposição Dinos in Rio. O autor da obra é o engenheiro eletrônico argentino Hugo Nicolás Pailos, à esquerda na foto. O uso de robôs na confecção de esculturas – a animatrônica – foi uma dos destaques do evento. O robô do Tapejara foi a primeira reconstituição desse gênero de um réptil voador brasileiro.

Detalhe do robô do Tapejara imperator, que abre e fecha a boca e move as asas e foi a sensação da mostra Dinos in Rio. Esse pterossauro viveu há 115 milhões de anos na região da atual Chapada do Araripe, entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. A espécie foi recentemente rebatizada de Tupandactylus imperator.

O prêmio de melhor ilustração foi dado a Santanaraptor e Tapejara, do brasileiro Maurílio Oliveira. O desenho mostra esse réptil alado encontrado na Chapada do Araripe ao lado do Santanaraptor, um dos dinossauros mais conhecidos do Brasil, do qual já foram encontradas fibras musculares e vasos sanguíneos preservados em três dimensões.

O prêmio de melhor escultura foi para a reconstituição do Angaturama limai feita por Orlando Grillo. Esse dinossauro, do qual existe um esqueleto completo recentemente montado nas exposições permanentes do Museu Nacional, é um dos mais bizarros que se conhece: ele tinha focinho comprido e dentes lembrando um jacaré!

A reconstituição do crocodilomorfo aquático brasileiro Guarinisuchus, do brasileiro André Ribeiro, ganhou o prêmio revelação da Dinos in Rio. Esse animal media três metros de comprimento e viveu há 62 milhões de anos. Seus fósseis encontrados em Pernambuco são os mais completos de um animal de seu grupo já achados no Brasil.

Reconstituição recente de Tyrannosaurus rex no Museu Field em Chicago, nos Estados Unidos. As representações mais atuais desse réptil mostram-no em posição horizontal, com a cauda levantada, ao contrário de desenhos anteriores, em que ele a arrastava no solo. O rigor científico é um pré-requisito essencial para a paleoarte. 

 

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Pesquisadores europeus acabaram de publicar um estudo revolucionário sobre a maior extinção documentada na terra, há 252 milhões de anos. A pesquisa foi liderada por Arnaud Brayard, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, França). Apesar de o evento ter dizimado cerca de 80% de toda vida marinha, um grupo reagiu rapidamente atingindo níveis de diversidade maior: os amonóides. A pesquisa usou uma extensa base de dados sobre diversidade de grupos de moluscos – nos quais os amonóides estão incluídos. O estudo foi publicado na Science.
Um novo peixe do grupo das piranhas (Serrasalmidae) foi encontrado em depósitos com cerca de 6 milhões de anos (Mioceno Superior) na região da cidade de Paraná, província de Entre Ríos, Argentina. Segundo Alberto Cione (Museo de La Plata, Argentina) e colegas, estima-se que a nova espécie – Megapiranha paranaensis – tenha de 95 a 128 centímetros. O estudo, publicado no Journal of Vertebrate Paleontology, sugere que as formas mais primitivas das piranhas tinham hábito alimentar mais diversificado do que as formas recentes, predominantemente carnívoras.
O livro eletrônico PaleoParks – The protection and conservation of fossil sites worldwide acaba de ser publicado na internet, no Journaux Electroniques en Geosciences. Editado por Jere H. Lipps e Bruno R.C. Granier, a obra reúne as principais contribuições apresentadas em um workshop sobre parques paleontológicos, discute modelos para esses parques e, também, o que se pode fazer em relação à preservação de descobertas sobre o passado.
Foi publicado pela editora Revinter o livro Paleontologia, arqueologia, fetologia – tecnologias 3D. Editado por Heron Werner Jr. e Jorge Lopes, a obra bilíngue (inglês e português) reúne diversos textos de pesquisadores da Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI), do Museu Nacional (MN/UFRJ) e do Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT) sobre a aplicação da tomografia computadorizada na ciência, incluindo pesquisas sobre fósseis. Mais informações na página da editora.
Não perca o próximo Congresso Brasileiro de Paleontologia, de 13 a 18 de setembro. Organizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, o encontro tem como objetivo reunir os pesquisadores brasileiros atuantes nas diferentes áreas da pesquisa com fósseis. Mais informações na página do congresso.
Outra reunião científica que será realizada no mês de setembro: o 68a Reunião Anual da Society of Vertebrate Paleontology, principal evento científico internacional de pesquisa de fósseis de vertebrados. Pela primeira vez o encontro ocorrerá na Inglaterra, em Bristol, entre 23 e 27 de setembro. Mais informações na página da reunião.

Durante a próxima Bienal do Livro Rio, no Riocentro, este colunista fará uma palestra sobre dinossauros e outros fósseis no estande da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), na tarde de quinta-feira, dia 17 de setembro. Durante esta ocasião, será distribuído um quebra-cabeça para crianças e adultos.