Para divulgar ciência e suas tendências

O conhecimento, qualquer que seja sua natureza, avança pela divulgação de ideias inéditas. Isso não é importante apenas do ponto de vista prático, por causa de interesses comerciais (patentes) ou para garantir a paternidade de uma descoberta científica. A divulgação de ideias inéditas tem grande efeito psicológico, tanto para aqueles que as produzem quanto para quem as divulga.

Os jornalistas, que, muitas vezes, são responsáveis por esse processo de divulgação de novas ideias, têm até uma expressão própria para designar a publicação de uma notícia em primeira mão: ‘furo’. ‘Furar’ os concorrentes tem quase o mesmo significado para jornalistas e cientistas.

Um trabalho científico sem uma boa componente inédita dificilmente é aceito pelas principais revistas do ramo. Já na popularização científica, não há esse rigor quanto ao ineditismo da informação.

Se o ineditismo do tema não é uma exigência prioritária na popularização científica, talvez sua abordagem deva ser ao menos original

Revistas como a Science e a Nature, por exemplo, enviam a jornalistas cadastrados no mundo todo os resumos dos artigos que serão publicados na semana seguinte – mediante acordo de que nada será divulgado antes do prazo preestabelecido – para que eles tenham tempo de preparar eventuais matérias. E embora saibam que vários veículos de diversos países publicarão as mesmas notícias ao mesmo tempo, os jornalistas se pautam pela relevância dos temas e não deixam de divulgá-los.

Se o ineditismo do tema não é uma exigência prioritária, talvez sua abordagem deva ser ao menos original. É sempre agradável quando um texto de divulgação científica apresenta um tema bem conhecido sob uma ótica que foge ao lugar-comum. Essa fuga do lugar-comum constitui um componente de originalidade de textos de popularização científica.

A originalidade desses textos também pode surgir ao se destacar antecipadamente tendências de inovação tecnológica. O escopo da coluna ‘Do laboratório para a fábrica’ possibilita esse tipo de divulgação. Um relato dessa experiência será apresentado por este colunista na 12ª Conferência Internacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia, que será realizada de 18 a 20 de abril na Itália.

Ciência por trás da inovação

O principal objetivo da coluna é discutir a ciência que está por trás de inovações tecnológicas consolidadas ou não. Ou seja, a ideia é mostrar como o conhecimento produzido em universidades e centros de pesquisa chega ou pode chegar à linha de produção das indústrias.

Os temas selecionados mensalmente resultam de prospecção na literatura científica e tecnológica especializada (principalmente as revistas Nature e Science), bem como em meios de divulgação de novidades da ciência e tecnologia (principalmente o PhysicsWorld).

Ficamos muito satisfeitos quando selecionamos um tema que se encontra na ordem do dia. A partir dele, buscamos elaborar um texto que atinja o grande público. Ou seja, procuramos transformar um material estruturado sobre uma base conceitual complexa em uma história que pode ser lida e compreendida sem a necessidade de conhecimento prévio desses conceitos básicos.

Por exemplo: fundamentos do magnetismo foram discutidos em vários textos. Alguns deles tratam de aplicações tecnológicas desse fenômeno na medicina, como ‘Magnetismo, farmacologia e medicina’, ‘Nanopartículas que salvam vidas’ e ‘Histerese magnética: perdas e ganhos’. Outros voltam-se para aplicações na indústria eletrônica, como ‘Um sonho prestes a se realizar’, ‘De Lord Kelvin a Fert e Grünberg’, ‘Um metal polivalente’, ‘Memórias magnéticas a caminho da indústria’ e ‘O nome errado para o produto certo’.

Aplicações do magnetismo
O principal objetivo da coluna é mostrar a ciência por trás das inovações. Os fundamentos do magnetismo, por exemplo, já foram discutidos em vários textos que trataram de aplicações tecnológicas desse fenômeno na medicina e na indústria eletrônica. (montagem: Thaís Fernandes)

Esses textos obedecem a um padrão caracterizado pela exposição de inovações tecnológicas pouco conhecidas pelo grande público, mas bem documentadas na literatura especializada. Mas há também casos em que conseguimos perceber – por intuição ou sorte – tendências na área da inovação tecnológica e abordar esses temas ‘quentes’ antes mesmo que eles ganhem maior projeção.

Apostas bem-sucedidas

A coluna de março de 2009 é um bom exemplo disso. Nada de animador foi encontrado na prospecção feita no mês anterior. Falava-se muito nos lançamentos de livros eletrônicos e seus leitores, mas a literatura especializada dava pouca cobertura ao tema. Entre 2000 e 2008, a Science publicou um único artigo sobre o assunto – ‘Electronic paper: a revolution about to unflod?’ –, em 2005, e a Nature publicou um artigo em 2003 (‘Video-speed electronic paper based on electrowetting’) e outro em 2004 (‘High-mobility ultrathin semiconducting films prepared by spin coating’).

A Web of Science, grande banco de dados sobre estudos científicos, registra para esse período 628 trabalhos sobre o tema, com uma distribuição anual de cerca de 50 trabalhos até 2004. Em 2005, esse número saltou para 70 artigos. Depois, cresceu progressivamente até atingir 145 trabalhos em 2008.

Concluímos, então, que deveríamos abordar o assunto e publicamos a coluna ‘A longa caminhada do papel eletrônico’ em 27 de março de 2009. Coincidentemente, no dia primeiro de abril, a Nature publicou dois textos sobre o mesmo tema – ‘Bendy displays to Market’ e ‘The textbook of the future’ –, uma confirmação de que estávamos no caminho certo.

Outro caso em que a coluna registrou uma tendência de impacto foi o do grafeno. O tema nos despertou interesse depois de uma entrevista com o físico russo-britânico Konstantin Novoselov publicada na Science Watch em fevereiro de 2009. Uma rápida busca na Web of Science nos mostrou que o número de artigos publicados anualmente sobre grafeno cresceu lentamente de 2000 a 2005. Em 2006, houve um crescimento de 73% em relação a 2005 e, em 2007, o número foi mais do que o dobro em relação a 2006. Em 2008, o aumento foi de 80% em relação a 2007.

De olho nas tendências que despontam no campo da ciência, é possível levar conhecimento científico de ponta ao grande público

Essa evolução, que evidencia o grande interesse despertado pelo tema na literatura especializada, está relacionada à publicação de um artigo em 2004 na Science em que Andre Geim e Konstantin Novoselov descrevem como conseguiram isolar o grafeno.

Em 27 de fevereiro de 2009, publicamos a coluna ‘Uma história de sorte e sagacidade’, que descreve como o material foi descoberto por Andre Geim, Konstanti Novoselov e colaboradores e discute algumas de suas propriedades. As pesquisas tecnológicas em torno desse material, relatadas nos meses seguintes na literatura especializada, nos motivaram a publicar, em 25 de junho de 2010, a coluna ‘Promessas tecnológicas do grafeno’. Em outubro daquele ano, Geim e Novoselov ganharam o Nobel.

De olho nas tendências – nem sempre evidentes – que despontam no campo da ciência, é possível levar conhecimento científico de ponta ao grande público. Com essa postura, aliada ao esforço de tornar temas complexos inteligíveis aos leitores não especializados, procuramos contribuir para a melhoria da cultura científica da população.

Carlos Alberto dos Santos
Professor-visitante sênior da Universidade Federal da Integração Latino-americana