Penas e cinzas vulcânicas

As aves formam um dos mais interessantes grupos que vivem atualmente. São centenas de espécies encontradas nos mais distintos ambientes – desde as florestas tropicais até os lugares mais frios da Terra, como a Antártica. Os representantes atuais desse grupo são relativamente bem conhecidos do ponto de vista de diversidade, devido a sua importância e ao interesse que geram nos pesquisadores. Já no registro fóssil não se pode dizer o mesmo: as aves são alguns dos mais raros organismos encontrados preservados nas rochas. Uma região, no entanto, pode ser considerada a grande exceção a essa regra: Liaoning.

Situada na parte nordeste da China, essa região contém alguns dos mais extraordinários depósitos fósseis do mundo . As camadas mais ricas estão na região leste daquela província, perto de cidades como Beipiao, Dapingfang e Chaoyang, e forneceram uma quantidade admirável de fósseis excepcionalmente bem preservados como dinossauros , plantas (incluindo angiospermas primitivas), mamíferos (alguns com resto estomacal preservado), pterossauros , dinossauros com penas e aves – apenas para citar alguns. Este último grupo, um dos principais destaques na contribuição científica da China, é o tema desta coluna.

Como já vimos na coluna de julho de 2005 , os depósitos de Liaoning são divididos em duas formações – Yixian e Jiufotang, que representam antigos rios e lagos. Graças a extensas e contínuas erupções vulcânicas, que produziram eventos de mortandade em massa, as camadas dessas unidades podem ser datadas de forma precisa. Assim, sabemos que os depósitos que contêm aves fósseis em Liaoning têm entre 131 a 120 milhões de anos. Das 26 espécies de aves descritas de depósitos mesozóicos da China, 20 (!) vêm de Liaoning.

Entre as formas mais comuns, estão as do gênero Confuciusornis , do qual já foram encontrados mais de mil exemplares. Esse gênero tem três espécies reconhecidas: Confuciusornis dui , C. suni e C. sanctus . Enquanto as duas primeiras são exclusivas da Formação Yixian, a última é encontrada em ambas. Possuindo uma cauda reduzida com as vértebras caudais fusionadas – condição presente nas aves modernas –, essas espécies ocupam uma posição basal na evolução das aves. Algumas formas tinham penas na cauda bem desenvolvidas, que poderiam indicar uma diferenciação entre machos e fêmeas.

Comedora de sementes
Em Liaoning também foi encontrada a ave mais primitiva da China: a Jeholornis prima . Essa espécie possui uma cauda alongada, semelhante à da Archaeopteryx , do Jurássico da Alemanha, tida como a ave mais primitiva do mundo. A Jeholornis possui adaptações que sugerem uma melhor capacidade de vôo quando comparada à ave alemã, tais como o esterno ossificado, além de características da asa. Contudo, o mais surpreendente nessa espécie foi a descoberta em seu estômago de dezenas de sementes. Assim, a Jeholornis prima é a primeira ave conhecida que comprovadamente se alimentava de sementes.

Ainda com relação à alimentação, outro destaque cabe para a Yanornis martini : no seu conteúdo estomacal foram encontrados restos de peixes, plantas e pequenas “pedras” – chamadas de gastrólitos. Isso sugere que poderia haver sazonalidade na alimentação da Yanornis – ora ela se alimentava de peixes, ora tinha uma dieta mais herbívora, baseada em plantas.

Outro destaque das aves fósseis de Liaoning é a Protopteryx . Entre suas características principais está a presença de penas em forma de escamas, sugerindo que as penas evoluíram a partir de escamas alongadas, que formaram um haste central e posteriormente as barbas e bárbulas – conforme se observa nas penas das aves modernas.

A Liaoxiornis delicatus é outra ave importante encontrada em Liaoning. Trata-se de uma ave de pequenas dimensões – a menor já encontrada em todo o Mesozóico, com tamanho semelhante ao de um pardal. Como a maioria das aves desse tempo geológico, ela tinha dentes nas arcadas. Possivelmente se alimentava de insetos.

Além destas, existem diversas outras espécies, inclusive um embrião – o mais antigo até hoje registrado. Esses fósseis têm sido valiosos para uma melhor compreensão dos passos evolutivos das aves, demonstrando que a história desse grupo é bem mais diversificada do que se pensava até a descoberta dos depósitos de Liaoning. 

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
04/12/2006

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Paleocurtas 

As últimas do mundo da paleontologia

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O paleontólogo argentino José Bonaparte, do Museu Argentino de Ciências Naturais, e o americano Hans-Dieter Sues, do Museu Nacional de História Natural dos EUA, acabam de descrever uma nova espécie de réptil esfenodontídeo das rochas sedimentares de idade triássica (com cerca de 215 milhões de anos) da Formação Caturrita, no Rio Grande do Sul. A nova espécie, chamada Clevosaurus brasiliensis , foi descrita a partir de três crânios e mandíbulas. Este é o primeiro registro do gênero Clevosaurus na América do Sul. O estudo, publicado na revista Palaeontology , sugere que a dispersão de faunas durante o Triássico, quando os continentes ainda estavam unidos, era maior do que se acreditava.
Foi descoberta uma nova tartaruga fóssil na Formação Solimões do Acre, em depósitos com idade situada no Mioceno-Plioceno (há cerca de 5 a 7 milhões de anos). Batizada de Supendemys souzai , a nova espécie foi descrita a partir de restos do esqueleto de diversos indivíduos. O estudo, publicado na Revista Brasileira de Paleontologia , mostra que a nova espécie é muito parecida com a Supendemys geographicus , encontrada na Formação Urumaco na Venezuela. A Supendemys é uma das maiores tartarugas já encontradas até o momento: sua carapaça podia atingir mais de 3 metros de comprimento.
Acaba de ser publicado na revista Biology Letters  um estudo biomecânico sobre como se alimentava o peixe Dunkleosteus terreli , um dos maiores representantes do grupo dos placodermas, que dominaram o mar durante os tempos devonianos (entre 415 e 360 milhões de anos atrás). Um dos resultados mais surpreendentes revela a força da mordedura desse vertebrado: simulações indicam que se trata da mordida mais forte entre todos os peixes – incluindo os tubarões – e uma das mais potentes de todos os animais conhecidos.
Pesquisadores alemães e chineses acabam de descrever dois crânios de Guizhouichthyosaurus tangae – um réptil marinho do grupo dos ictiossauros – encontrado na China em rochas do Triássico Superior (com cerca de 225 milhões de anos). O estudo, liderado por Michael Maisch, da Universidade Eberhard-Karls, fornece pela primeira vez detalhes anatômicos sobre esses grandes ictiossauros da China – eles mediam mais de 5 metros de comprimento. A pesquisa foi publicada no Journal of Vertebrate Paleontology .
O pesquisador chinês Yuan Wang e sua colega inglesa Susan Evans publicaram na revista Vertebrata PalAsiatica (vol. 1) uma revisão das pesquisas sobre anfíbios e lagartos fósseis da China. No total, foram encontrados até aqui 16 espécies de anuros e 22 de lagartos em 23 localidades, em rochas formadas desde o Devoniano até o Paleogeno. A maioria das espécies foram descritas nos últimos 15 anos, o que reflete o interesse crescente por esses grupos vertebrados daquele país.
O 3˚ Simpósio Argentino sobre o Jurássico está sendo organizado em Mendoza, de 4 a 5 de maio de 2007. O objetivo básico é congregar pesquisadores interessados em entender como era nosso planeta durante os tempos jurássicos (entre 206 e 144 milhões de anos atrás). O simpósio contará com uma excursão de campo no dia 6 de maio. Mais informações pelo e-mail: [email protected] .