A coluna deste mês atrasou de propósito, para aguardar o relatório final da Cúpula do Clima, COP-21, divulgado no fim de semana. O documento foi saudado e celebrado como evento histórico, uma chance sem precedentes de salvar o planeta etc. Mas a expressão “salvar o planeta”, em suas diversas versões, já mostra que começamos mal.
Não temos poder para destruir o planeta, nem para salvá-lo. Ele está irremediavelmente condenado a desaparecer, junto com o sol, daqui a cerca de cinco bilhões de anos. Portanto, o que está em jogo não é o planeta, que seguirá seu curso conosco ou sem, mas o nosso modo de vida, de produção e de relação predatória com os recursos naturais. O correto seria, portanto, dizer “salvar a civilização humana”, ou o capitalismo, ou o mercado, ou a governança global, que são hoje quase sinônimos.
Confundir o planeta com nossa civilização é sintoma grave dos males que nos fizeram chegar onde chegamos, sendo a arrogância e a onipotência os principais. Nosso domínio sobre a natureza está escriturado em praticamente todos os textos sagrados, que dizem que os humanos receberam dos deuses o mandato para reinar em seu nome sobre as coisas e as criaturas. Como os textos em questão são obra humana (até prova experimental em contrário, publicada em periódico cientifico indexado, com comitê editorial e revisão pelos pares), eles são também a primeira evidência escrita de conflito de interesse.
Mas voltemos à COP-21 e seu festejado relatório. O que há ali que justifique tanta celebração? O numero de países participantes foi recorde, 187, incluindo Estados Unidos e China, os maiores poluidores do planeta, que até aqui esnobavam este tipo de conferencia. Ótimo.
O acordo se propõe a limitar o aumento global de temperatura a 2 graus centígrados, ou menos. Ótimo.
O acordo prevê a criação de um fundo de 100 bilhões de dólares por ano, com recursos de países ricos, para financiar os países menos ricos em sua adaptação às mudanças climáticas. Ótimo.
Os motivos de celebração param por aí.
Por que não soltar fogos de artifício
O tal fundo de 100 bilhões ao ano é uma merreca – só à guisa de comparação, os investimentos globais em energias renováveis em 2014 foram de 240 bilhões. Os investimentos globais necessários para financiar os planos voluntários de redução de emissões anunciados nesta COP beiram 1,5 trilhão de dólares. Sem contar que não ficou realmente claro quem (e se) vai pagar.
Não há metas definidas de cortes de emissão de gases causadores de efeito estufa, não há prazo para se chegar ao tal aumento de 1,5 ou 2 graus Celsius de temperatura. Foi retirada a menção à neutralidade de carbono (não emitir mais CO2 do que pode ser reabsorvido). As metas para evitar o pior são voluntárias e definidas por cada país em seu rol de metas voluntárias de contribuição (INDCs, na sigla em inglês). Por fim, o acordo só passa a valer daqui a cinco anos. Até lá, dá tempo de sumirem muitas outras geleiras e o mar subir mais um bocadinho. Mais da metade das cidades do mundo continuará em risco.
Vamos combinar, embora o acordo não seja nenhuma maravilha, é bem melhor do que o fracasso da Cúpula de Copenhague, em 2009. Desta vez, rolou pelo menos um clima de “estamos todos juntos, preocupados, e vamos fazer algo a respeito”. Simbolicamente, é importante. Na prática, continua sendo apenas uma declaração de intenção ou, segundo alguns cientistas, uma fraude ou farsa, uma lista de promessas sem ações concretas, perfeita para ganhar tempo empurrando com a barriga o momento da verdade e da ação.
Se você tentar imaginar um relatório que atenda aos desejos das indústrias carbono-intensivas, talvez conclua que o relatório da COP-21 cabe como uma luva. Lembremos que continuará não havendo taxação pelas emissões, que o petróleo está mais barato do que nunca e continua pesadamente subsidiado e que os estímulos fiscais e outros às energias renováveis avançam, mais muito timidamente.
Responda rápido: quem tem mais impostos embutidos no preço final, um carro flex ou uma bicicleta? E mais rápido ainda: como é possível um produto finito mas infinitamente desejado como o petróleo cair de preço por um fator três em poucos meses? A tal lei da oferta e da procura foi, por acaso, revogada? Perguntei a diversos estudiosos de energia, petróleo e gás que responderam na lata que isto era jogada dos produtores do Oriente Médio, visando tornar comercialmente inviável o gás de xisto americano. De roldão, inviabilizaram nosso pré-sal também, mas foi efeito colateral.
Assim, de jogada em jogada, chegamos à beira do precipício. A COP-21 foi mais um tribunal sem crime, sem culpado e sem sanções. Seu festejado relatório surtirá efeitos positivos se formos todos honestos, bonzinhos e eficientes, como são as empresas em suas campanhas publicitárias.
Ei! Um momento! Quem estava na COP eram governos, e não empresas. Isso. Viu como elas disfarçam direitinho?
Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro