Por que tão inexpressivas?

Resolvi abordar nesta primeira coluna do ano um tema que poderá despertar um pouco de polêmica: a pobreza do Brasil no que tange a coleções, ou melhor, exposições envolvendo fósseis. O que me levou a novamente refletir sobre o assunto foi a descoberta – relatada em coluna anterior – de um plesiossauro com um filhote, que se tornou uma das peças centrais da recém-inaugurada exposição de paleontologia do Museu de História Natural de Los Angeles (LACM). Ao ver as belas imagens daquele réptil marinho expostas não houve como não sentir uma ponta de inveja e pensar: por que não temos exposições de destaque como aquela?

Também não tem como deixar de refletir sobre o assunto quando se trabalha em um museu de história natural como é o meu caso. Sim, o LACM fica nos Estados Unidos. Mas é em Los Angeles, no estado da Califórnia, uma das regiões mais afetadas negativamente do ponto de vista econômico na história recente daquele país.

Por que não temos exposições paleontológicas de destaque?

Mesmo assim os responsáveis pela instituição conseguiram ao longo dos últimos anos obter financiamentos que possibilitaram renovar a sua exposição de fósseis. Em uma área de mais de 1.300 metros quadrados, vários dinossauros estão expostos, incluindo um T. rex completo. A Sociedade de Paleontologia de Vertebrados, principal organização que congrega os interessados em vertebrados fósseis do mundo e que tem a sua sede nos Estados Unidos, fará a sua reunião anual de 2013 lá.

Ainda mais impressionante – seguramente alguns leitores desta coluna devem ter tido a chance de visitar – é a exposição de fósseis do Museu Americano de História Natural (AMNH) em Nova Iorque. Pelo menos três vezes maior do que a do LACM, ela foi renovada entre 1991 e 1996, abrigando centenas de animais de grande porte.

Essa mostra também inovou uma vez que aborda a evolução dos vertebrados fósseis de forma sistemática, mostrando as novidades evolutivas que foram surgindo nos diferentes grupos ao longo de milhões de anos. Muito bonita apesar de, para o meu gosto, ser um pouco fria – as reconstruções de fósseis em vida, que dão uma boa cor às exposições, são muito reduzidas e poucas são as reproduções paleoecológicas.

Não vou nem começar a falar no Smithsonian Institution, cuja maior parte de seus 19 museus, incluindo o com fósseis, está situada em Washington DC, capital dos Estados Unidos…

A superioridade europeia e asiática

Também não há comparação entre os museus de história natural do Brasil com a maioria das instituições similares situadas na Europa. Na Alemanha, por exemplo, existem vários de destaque, como o Museu de Senckenberg em Frankfurt ou o Museum für Naturkunde em Berlim – este ainda com necessidades especiais de renovação, mas que dá um banho em qualquer museu de história natural brasileiro.

Museum für Naturkunde, em Berlim
‘O mundo dos dinossauros’, em cartaz no Museum für Naturkunde, em Berlim, exibe esqueletos encontrados em uma das exposições mais bem-sucedidas promovidas pelo museu no início do século 20 à região atualmente ocupada pela Tanzânia. (foto: reprodução)

Na Inglaterra, o número de museus com material paleontológico já é mais reduzido e, sobretudo, com menos estrutura. Claro que o Museu de História Natural de Londres é algo bem espetacular, cuja imponência impressiona qualquer visitante. O Museu de História Natural de Paris é um pouco menor, mas também se destaca pela beleza e existência de grandes peças expostas.

Na Ásia, existem diversos museus com exposições de fósseis destacadas, entre os quais o Museu Nacional da Natureza e Ciência de Tóquio que, como os demais, procura incentivar exposições temporárias para atrair e cativar um público constante. Só de pensar que essas mostras temporárias, com orçamento de milhões de dólares, que costumam ficar apenas de quatro a seis semanas em cartaz, acabam dando lucro apenas com o rendimento dos ingressos e da venda de objetos ligados à mostra…

A China, motor da economia mundial, também tem investido na construção de museus de história natural, que pipocam em diferentes províncias e cidades daquele país com dimensões continentais. E não são empreendimentos pequenos, como o do Museu de História Natural de Pequim.

Museu de História Natural de Pequim
O Museu de História Natural de Pequim é um dos grandes empreendimentos da China no campo da divulgação da paleontologia. O país tem investido em exposições de fósseis, que hoje pipocam em diferentes províncias e cidades de seu grande território. (foto: A. Kellner)

Modelos hermanos

Porém, não é preciso ir tão longe para se visitar um museu com fósseis de maior destaque. Basta olhar ‘aqui ao lado’, na Argentina, e visitar o Museu de La Plata, que possui uma belíssima exposição de fósseis da chamada megafauna, sem contar com alguns dinossauros. É verdade que não faria mal uma renovação geral da mostra. Também o Museu Paleontológico Egidio Feruglio em Trelew, na Patagônia, tem uma exposição bem interessante, relativamente nova e atraente para o visitante.

Já no Brasil… O melhor, na minha opinião, é o Museu de Ciências Naturais da PUC de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Não chega a ser gigantesco, mas encontram-se ali belos esqueletos de diversos animais montados, tais como preguiças gigantes e outros representantes da megafauna, além de alguns dinossauros e répteis voadores.

E é só…

Claro que existem outras iniciativas brasileiras que merecem destaque, sobretudo pelo grande esforço de pouquíssimas pessoas. O Museu de História Natural de Taubaté, em São Paulo, e a pequena mostra de dinossauros em Peirópolis, no interior de Minas Gerais, são algumas das iniciativas que devem ser vistas com muito carinho. Também o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, no Ceará, deve ser louvado.

Mas quando são comparamos com os museus dos países das 10 maiores economias do mundo… Nem mesmo o Museu Nacional/UFRJ, a instituição nacional de maior tamanho no que tange à paleontologia, possui uma mostra de fósseis aberta ao público que possa ser comparada com os exemplos estrangeiros apresentados.

Museu Nacional/UFRJ
Exposição de fósseis no Museu Nacional/UFRJ, maior instituição brasileira de paleontologia. Nem mesmo ele tem uma mostra de fósseis que possa ser comparada a outras da Europa, Ásia, Estados Unidos e mesmo da América do Sul. (foto: A. Kellner)

Exigência da sociedade para a sociedade

A principal razão são as limitações orçamentárias. É até frustrante, mas simplesmente museus não são uma prioridade dos governantes do nosso país. Às vezes ouvimos um discurso mais animador, mas de pouco ou nenhum efeito prático. Ainda me lembro de uma reunião, na qual três ministros (sim, isso mesmo, três de uma só vez, ao vivo e a cores e no mesmo local!) decidiram discutir apoio ao Museu Nacional. Houve até uma esperança. Mas aí alguns perderam o seu cargo (não pelos motivos que levaram outros ministros a sair durante o governo da Dilma) e… fim da história.

A única chance que vislumbro para o surgimento de iniciativas em prol dos museus no Brasil é uma intensa mobilização da sociedade para a reforma, reestruturação e ampliação dos nossos acervos de história natural, que passa pela questão do espaço físico e financiamento para a elaboração de exposições que possam ‘conversar’ com a sociedade.

A única chance que vislumbro para o surgimento de iniciativas em prol dos museus no Brasil é uma intensa mobilização da sociedade

Só espero que não seja necessário ocorrer algum desastre provocado por problemas de manutenção para que as autoridades resolvam tomar medidas positivas para a mudança do quadro atual. Com já foi dito anteriormente:

“Um museu que não dialoga com a sociedade está condenado à extinção. Uma sociedade que não investe em seus museus já está, pelo menos em parte, culturalmente extinta.”

Termino com a pergunta: por que o país que acaba de ser tornar a sexta economia mundial não pode ter museus de história natural de qualidade?


Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

 

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Acaba de ser publicado um volume especial sobre crocodilomorfos fósseis. Iniciativa capitaneada pelo Zoological Journal of the Linnean Society, tendo Diego Pol e Hans Larsoon como editores, a publicação apresenta diversas novidades sobre esses répteis fósseis.

A 26ª edição das Jornadas Argentinas de Paleontologia de Vertebrados será em Buenos Aires, mais especificamente na Universidade Maimónides, de 21 a 23 de maio. Durante a ocasião, serão apresentadas as principais descobertas no campo dos fósseis de vertebrados realizadas na América do Sul.

Ainda em termos de eventos, o Museu de História Natural de Zhejian, na China, será a sede do 5º Simpósio Internacional sobre ovos e filhotes de dinossauros. O evento está previsto para acontecer de 14 a 20 de setembro. Mais informações no site do museu.

Valentin Fischer (Universidade de Liège, Bélgica) e colegas acabam de publicar na Plos One a descrição de um novo ictiossauro – grupo de répteis marinhos. Acamptonectes densus foi registrado em diferentes pontos da Europa. O trabalho mostra que esses vertebrados aquáticos sobreviveram sem maiores problemas o limite entre o Jurássico e o Cretáceo, ao contrário do que se pensava.

De 27 de fevereiro a 2 de março será realizado um curso de cinco dias sobre curadoria de coleções de história natural. Com inscrição franca, o curso será realizado no Museu de História Natural da Flórida. Vagas limitadas a 25 pessoas. Mais informações com Brent Breithaupt.

Qual foi a descoberta que mais despertou a atenção do leitor durante o ano de 2011? A equipe da coluna selecionou cinco descobertas abordadas e agora você pode votar naquela que lhe agradou mais. O prazo termina na primeira semana de abril. Participe!