Por uma nova geração na indústria eletrônica

Na década de 1960, o chip mais avançado tinha exatamente apenas 30 transistores. Hoje, qualquer computador pessoal possui chip com bilhões de transistores. De algumas dezenas para um bilhão, essa caminhada seguiu uma trajetória muito parecida com aquela prevista em 1965 pelo engenheiro norte-americano Gordon Moore (1929-), um dos fundadores da Intel, e que ficou conhecida como lei de Moore.

A partir de uma perspicaz análise da tendência da tecnologia daquela época, Moore estimou que, nos dez anos seguintes, o número de transistores em um chip deveria dobrar anualmente. Em 1975, percebeu que o prazo para duplicação do número de transistores no chip deveria ser de aproximadamente dois anos. Apesar disso, o pessoal da Intel prefere usar o prazo de 18 meses, mas isso não é relevante.

Para satisfazer a lei de Moore, os componentes eletrônicos devem ser miniaturizados, mas esse processo tem limites físicos

O que importa é que a previsão de Moore foi confirmada com tanta precisão que a sua transformação em “lei” foi recebida por cientistas e engenheiros com a maior naturalidade. A sua introjeção é de tal ordem que ora a vemos como descrição, ora como prescrição do avanço da eletrônica.

Entre um e outro sentimento, fica sempre a dúvida de quando essa lei deixará de valer. Para satisfazê-la, os componentes eletrônicos devem ser miniaturizados, mas esse processo tem limites físicos. Superar esses limites sem abandonar o silício, o material divino da eletrônica, tem sido a grande vitória dessa indústria.

Para facilitar o entendimento dessa história, observe na figura abaixo o esquema do MOSFET, talvez o transistor mais utilizado desde sua invenção, em 1960. Para apreciar a evolução do processo de miniaturização, basta acompanhar a redução da camada de óxido de silício que funciona como porta do transistor.

Esquema de MOSFET
Representação de um MOSFET. A fonte e o dreno são semicondutores com excesso de elétrons (tipo n), enquanto o substrato é preparado com um semicondutor com excesso de cargas positivas (tipo p). Uma voltagem aplicada à porta controla a corrente elétrica (imagem: adaptação do desenho de Arne Nordmann).

No início dos anos 1970, a espessura da porta era de aproximadamente 100 nanômetros. As previsões teóricas indicavam que essa espessura não podia ser inferior a 35 nanômetros. Se isso fosse verdade, a lei de Moore teria sua história encerrada ali. No entanto, no início dos anos 1990, os transistores comerciais já eram confeccionados com porta de 20 nanômetros. Hoje, os modernos dispositivos têm porta com impressionantes 1,2 nanômetros. Essa espessura equivale a menos de quatro camadas atômicas, e ninguém acredita que seja possível reduzi-la mais.

Alternativas tecnológicas

Cientistas e engenheiros aceleraram a frenética corrida iniciada há anos em busca de alternativas tecnológicas para superar as dificuldades impostas pelas portas com espessuras inferiores a 10 nanômetros e continuar a rota definida pela lei de Moore, dobrando o número de transistores em chip a cada dois anos. São inúmeras as alternativas apresentadas na literatura científica e tecnológica, mas ninguém sabe qual ou quais passarão do laboratório para as prateleiras das lojas.

Cientistas aceleraram a frenética corrida iniciada há anos em busca de alternativas tecnológicas para superar as dificuldades impostas pela miniaturização dos transistores

Algumas dessas alternativas buscam solução fora da tecnologia do silício, que dá sinais de esgotamento tecnológico. No entanto, as soluções que deixam o silício de fora, como o grafeno, ainda estão longe da comercialização. O tipo de alternativa mais viável no momento parece ser aquele que associa o silício a semicondutores com alta mobilidade de cargas elétricas.

Na sua edição de 11 de novembro, a revista Nature publicou um artigo de Hyunhyub Ko e colaboradores contendo uma dessas alternativas. O trabalho foi realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (EUA), da Universidade Tsing Hua (Taiwan) e da Universidade do Novo México (EUA). A proposta não tem novidade conceitual. Permanece na tecnologia do silício e utiliza semicondutores amplamente investigados pelos pesquisadores da área.

O charme do trabalho é o processo de fabricação que eles inventaram. O objetivo é fabricar, em escala nanométrica, um transistor semelhante ao MOSFET. No lugar de óxido de silício como porta, eles usaram fitas nanométricas de arseneto de índio (InAs) depositadas em óxido de silício.

A grande vantagem é que a extraordinariamente alta mobilidade dos elétrons no InAs possibilitará a fabricação de transistores duas vezes mais rápidos do que os de silício. O grande problema é o depósito dessas fitas, um desafio e tanto para a obtenção de amostras com defeitos em níveis aceitáveis.

Método corriqueiro, resultado expressivo

Ko e seus colaboradores usaram um processo de impressão tipo “método da fita Scotch” para depositar as nanofitas de InAs sobre óxido de silício. O “método da fita Scotch” foi usado pelo físico Andre Geim (1958-) quando descobriu o grafeno. No presente caso, um filme de InAs foi depositado sobre determinado substrato à base de alumínio, antimônio e gálio, por meio de métodos convencionais de fabricação de filmes finos.

Transistor InAs
Estrutura do transistor InAs, recém-desenvolvido por pesquisadores norte-americanos a partir de fitas nanométricas de arseneto de índio depositadas em óxido de silício (imagem: Nature).

Reações químicas foram utilizadas para fatiar o filme de InAs. Sobre as fitas de InAs foi colocada uma grande fita de silicone. Outras reações químicas foram utilizadas para separar o substrato, deixando as fitas de InAs coladas no silicone. Finalmente, as fitas de InAs foram transferidas para o óxido de silício.

Embora esse método de impressão esteja se tornando corriqueiro, os resultados obtidos por Ko e colegas parecem ter sido de uma qualidade impressionante. O transistor apresentou rendimento animador para quem pensa em produzir uma nova geração de dispositivos eletrônicos. A animação vem da alta mobilidade eletrônica, quando comparada àquela observada nos transistores de silício. Mas ainda não se sabe se, em operações com alta frequência, esse novo transistor apresentaria vantagem em relação ao silício.

De qualquer modo, esse tipo de trabalho representa uma grande contribuição ao avanço científico e tecnológico na área da nanoeletrônica. A partir de agora, a continuidade da lei de Moore se dará muito mais em função da melhoria de performance dos dispositivos do que da sua miniaturização.

Carlos Alberto dos Santos
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)