Quem dá mais? Vendido!

“Quem dá mais? Olha que se trata de um livro raro!”

“Veja esta fantástica reconstrução de crocodilomorfo!”

“Esta xerox é ‘única’ e não pode faltar em um laboratório que se preze.”

“Mas, professor… O senhor acaba de ganhar um aumento de salário ‘substancial’ do governo! Não vai arrematar esta camiseta para ajudar os estudantes?”

Essas foram algumas das divertidas tiradas que sacudiram o VIII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados (SBPV), que aconteceu no Recife (PE) na última semana de agosto deste ano. Em cerca de duas horas, a comissão organizadora do SBPV promoveu o primeiro leilão paleontológico realizado no Brasil.

Por aclamação, a iniciativa foi considerada a atividade social mais divertida do evento e, pelo seu sucesso, já foi anunciada como atração do próximo SBPV, que será realizado em 2014 na cidade de Vitória (ES).

Iniciativa sadia

Leilões em eventos científicos não são uma atividade corriqueira, mas algumas sociedades se valem dessa iniciativa para arrecadar fundos. No Brasil, somente conheço os leilões promovidos recentemente nos congressos brasileiros de herpetologia. Neles, são disponibilizados artigos disputados apenas por pessoas que se inscreveram previamente para participar especificamente dessa atividade.

Um dos mais badalados leilões científicos do mundo é o realizado pela Society of Vertebrate Paleontology (SVP) em seu encontro anual. A atividade, instituída por um grupo de pesquisadores e técnicos para arrecadar fundos para a SVP, irá comemorar neste ano sua trigésima edição, na cidade de Raleigh, na Carolina do Norte (EUA). Mas a iniciativa teve um começo bastante tímido. Não estão disponíveis dados de quanto foi arrecadado no primeiro leilão, mas, conversando com colegas, soube que o resultado foi modesto e que contou, sobretudo, com a ajuda direta de pesquisadores mais bem estabelecidos.

Leilão paleontológico da SVP na Inglaterra
Um dos mais badalados leilões científicos do mundo é o realizado pela Society of Vertebrate Paleontology (SVP). Para atrair a atenção dos participantes, a comissão organizadora veste fantasias, como na foto acima, tirada no encontro anual da SVP de 2009, em Bristol, Inglaterra. (foto: Taissa Rodrigues)

Hoje em dia, esse quadro mudou – e muito! A cada leilão, são arrecadados valores que chegam a ultrapassar 20 mil dólares. Nos últimos anos, esse montante tem sido direcionado para projetos específicos da SVP, como auxílio a estudantes e projetos de extensão, entre outros.

O sistema de arrecadação dessas iniciativas é relativamente simples. Todos os itens a serem leiloados são doados por indivíduos, museus e universidades. Aceita-se qualquer peça, com exceção expressa de fósseis originais (uma ressalva muito importante). Os principais artigos normalmente disponibilizados são separatas, réplicas de exemplares fósseis (com proibição que os mesmos sejam reproduzidos por quem os adquirir), livros, ilustrações científicas e desenhos diversos. Também são incluídos camisetas, bonés, equipamentos de preparação de fósseis e brinquedos, como miniaturas de dinossauros.

Já presenciei lances superiores a 4 mil dólares por um item

O leilão compreende dois momentos distintos. No primeiro, são exibidos por cerca de duas horas diversos lotes em mesas. Cada lote tem uma breve descrição e uma lista onde o interessado anota seu nome e o valor disposto a pagar pelas peças nele contidas. Se alguém já tiver feito uma oferta, basta colocar o nome abaixo do anterior com um valor que tem que ser aumentado em, no mínimo, um dólar americano. Ao final, os organizadores do leilão circundam o último nome da lista, que é declarado vencedor daquele lote.

A segunda parte do leilão é a mais divertida e envolve leiloar itens publicamente. É nesse momento que os leiloeiros brincam com a plateia na tentativa de arrecadar o máximo possível. Já presenciei lances superiores a 4 mil dólares por um item.

A comissão do leilão, que tende a ser a mesma todos os anos, leva essa atividade muito a sério e costuma vestir trajes especiais para despertar mais atenção. Batman, James Bond, Fred Flintstone, personagens de Guerra nas Estrelas e – como não podia deixar de ser – Indiana Jones já foram algumas das figuras a aparecer por lá. Essa divertida estratégia sempre deixa a plateia na expectativa em relação ao que eles ‘vão aprontar’ da próxima vez.

Leilão paleontológico da SVP nos Estados Unidos
Em algumas ocasiões, os organizadores do leilão paleontológico da SVP se vestem ‘a caráter’: Fred Flintstone, seu amigo Barney Rubble e suas respectivas esposas, Wilma e Betty, foram alguns dos personagens pré-históricos que compareceram ao evento em Las Vegas (Estados Unidos) em 2011. (foto: Taissa Rodrigues)

O leilão brasileiro

A ideia de realizar um leilão em eventos brasileiros para arrecadar fundos chegou a ser discutida anteriormente por parte da comissão organizadora do 14º Congresso Brasileiro de Paleontologia, em 1995. Porém, algumas pessoas não compreenderam bem a proposta e ela acabou não sendo implementada. Já o pessoal do Recife (sede do VIII SBPV) teve grande sucesso na iniciativa. Mas não sem preocupações…

Segundo os organizadores, a decisão de concretizar esse leilão veio da vontade de realizar uma premiação para os estudantes participantes do evento. Convém salientar que esse tipo de premiação anda meio esquecido nas reuniões científicas da paleontologia e a comissão organizadora do VIII SBPV queria fazer um esforço para resgatar esse reconhecimento ao jovem e futuro pesquisador – nada mais justo!

No início, pensou-se em realizar uma premiação para os estudantes nos moldes das existentes em reuniões anuais da SVP, mas logo surgiu uma grande dificuldade: não havia verba. Aliás, não existe rubrica nos editais das agências de fomento destinados à realização de eventos científicos que possibilite o uso de recursos para a premiação de alunos por trabalhos apresentados, algo que poderia ser revisto futuramente.

Foi então que surgiu a ideia do leilão. Muitos integrantes da comissão organizadora já tinham vivenciado os leilões da SVP e, mais recentemente, dos congressos brasileiros de herpetologia. A grande diferença seria a destinação da verba, que, no caso do VIII SBPV, seria alocada integralmente à premiação dos melhores trabalhos apresentados por estudantes no evento.

No entanto, o problema não acabava com a decisão de promover o leilão. A primeira preocupação era se seriam doados itens suficientes para fazer frente às premiações. A conversa ao pé do ouvido com um e com outro colega garantiu que 37 lotes, formados principalmente por separatas e camisetas, chegassem ao Recife. Também havia livros, bonés, adesivos, canecas, chaveiros, réplicas de dentes, esculturas, ilustrações, pastas, DVD, chapéu, porta-cartão de visitas e até um banner do simpósio autografado pela comissão organizadora!

Leilão paleontológico do VIII SBPV
Livros, separatas, ilustrações, réplicas de dentes, além de bonés, adesivos, canecas e camisetas, entre outros itens, foram leiloados durante o VIII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados. (foto: Flaviana Lima)

Depois veio outra preocupação: será que as pessoas iriam se dispor a adquirir algum lote?

Resultado positivo

Felizmente, a aposta deu certo. Após um tímido início, típico de toda novidade, houve a participação de grande parte dos congressistas. A atividade se restringiu ao leilão público das peças. Os lances iniciais variaram de R$ 5 a R$ 40 e subiam a cada R$ 2, salvo quando a plateia fazia algum lance espontâneo – e houve muitos! O valor de arremate mais baixo foi de R$ 6 – por um programa do evento esquecido por certo professor – e o mais alto, de R$ 200 – por um livro. Ao final do leilão, foi arrecadado o montante de R$ 2.285, que foram divididos entre seis prêmios para os estudantes.

Ao final do leilão, foi arrecadado o montante de R$ 2.285, divididos entre seis prêmios para os estudantes

Não apenas a comissão organizadora como também os participantes do simpósio avaliaram que a iniciativa foi extremamente positiva. Tanto que já existe uma mobilização para repetir o leilão durante o próximo SBPV. Aliás, como tem dito Juliana Sayão (UFPE), pesquisadora que está assumindo a organização dos leilões: “Já estamos aceitando doações…”

Parabenizo os organizadores do VIII SBPV pela perseverança! Posso estar equivocado, mas acredito que eles acabaram fazendo história pela feliz iniciativa, que deverá ser replicada em outros eventos paleontológicos e, quem sabe, atingir uma abrangência maior, envolvendo reuniões científicas diversas na área de geologia e biologia.

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
O próximo Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados será realizado em Vitória (ES) em 2014, e não em 2015, como dito anteriormente. (17/09/2012)

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Rodolfo Nogueira Soares Ribeiro (Brasil) e Mauricio Alvarez (Chile) conquistaram o primeiro e o segundo lugar, respectivamente, no IV Concurso de Ilustrações Científicas de Dinossauros 2012, patrocinado pela Fundación Dinosaurios. Ao todo, foram 104 ilustrações de paleoartistas de 10 países diferentes. Parabéns aos dois!

Uma nova espécie de dinossauro voador (não confundir com pterossauros!) acaba de ser descrita. Microraptor hanqingi chegou a atingir um metro de tamanho, sendo o maior dos microraptores encontrados até agora. Esses répteis utilizavam tanto os braços como as pernas para alçar o voo. A pesquisa foi publicada na Palaeoworld pela equipe liderada por En-Pu Gong (Northeastern University, Shenyang, China).

No dia 21 de setembro, o Museu de Ciências Naturais da PUC de Minas Gerais (que possui uma das mostras mais belas de fósseis do país) realizará o Simpósio Internacional Peter Lund. Durante o evento, serão apresentadas diversas palestras sobre diferentes aspectos da atividade desse pesquisador dinamarquês, responsável por algumas das primeiras pesquisas de vertebrados fósseis encontrados no Brasil. Inscrições podem ser feitas pelo site da universidade.

Gabriela Sobral (Museum für Naturkunde, Berlin) e colegas acabam de publicar um estudo da caixa craniana do dinossauro herbívoro Dysalotosaurus lettowvorbecki, procedente de depósitos jurássicos de Tendaguru (Tanzânia, África). A pesquisa, publicada no Journal of Vertebrate Paleontology, se valeu da tomografia computadorizada e sugere que esse dinossauro teria dificuldades de distinguir sons de alta e baixa frequências.

Robert Knell (Queen Mary University, Londres) e colegas publicaram uma análise referente ao estabelecimento do mecanismo evolutivo conhecido como seleção sexual em vertebrados extintos. O trabalho, publicado na Trends in Ecology and Evolution, discute a dificuldade de determinar se estruturas de grande porte, como projeções no crânio e cristas encontradas em grupos extintos como dinossauros e pterossauros, poderiam funcionar primariamente como um atrativo para seleção sexual.

Já está aberta a primeira chamada do 4º Congresso Internacional de Paleontologia. Com o objetivo de aproximar pesquisadores de todo o mundo que trabalham com fósseis, essa reunião científica, realizada a cada quatro anos, ocorrerá no Centro Tecnológico Conicet de Mendoza (Argentina) de 28 de setembro a 3 de outubro de 2014. Mais informações no site do evento.