Quem está correto, Dr. Einstein?

Nas últimas semanas, duas notícias ganharam destaque nos meios de comunicação referentes a dois resultados que podem mexer com os alicerces da física. Uma foi a divulgação dos resultados de um experimento que envolveu o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), na Suíça, e o Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália.

Segundo os autores do estudo, foram observados neutrinos (partículas sem carga elétrica e praticamente sem massa) que viajaram mais rápido do que a velocidade da luz.

A outra foi o anúncio dos laureados pelo Prêmio Nobel de Física de 2011 – Saul Perlmutter, Adam G. Riess e Brian P. Schmidt – por terem descoberto, de forma independente, em 1998, a aceleração da taxa de expansão do universo.

Essas duas notícias chamariam muito a atenção, se ainda estivesse vivo, de Einstein, pois estão diretamente relacionadas às suas mais importantes descobertas

Essas duas notícias com certeza chamariam muito a atenção, se ainda estivesse vivo, de Albert Einstein (1879-1955), pois estão diretamente relacionadas às suas mais importantes descobertas.

No começo do século 20 – como talvez esteja acontecendo agora –, houve uma grande reviravolta na física. Novos resultados experimentais e teorias para explicá-los mudaram profundamente a forma que entendemos a natureza.

Foi nessa época que nasceu a física quântica (que explica o comportamento de átomos e moléculas) e a teoria da relatividade (que ajuda a compreender o universo em grande escala e em altas velocidades). Essas duas teorias são os dois principais pilares da física moderna. Einstein contribui de maneira decisiva para ambas.

Em 1905, Einstein resolveu o problema da incompatibilidade entre a mecânica (que descreve o movimento) e o eletromagnetismo (que descreve os efeitos dos campos elétricos e magnéticos), com a sua teoria da relatividade especial (TRE).

Com essa teoria, ele afirmou que as leis físicas deveriam ser a mesma em todos os referenciais inerciais (que não sofrem aceleração) e que a velocidade da luz no vácuo é a mesma em todos referencias inerciais.

Ainda segundo a TRE, a massa de uma partícula cresce junto com a sua velocidade. Se atingisse a velocidade da luz, sua massa seria infinita. A velocidade da luz seria, portanto, intransponível. No caso da própria luz, como ela não tem ‘massa de repouso’, ela sempre viaja a aproximadamente 300 mil km/s.

Velocidade da luz
De acordo com a teoria da relatividade especial de Einstein, a velocidade da luz é intransponível. No entanto, pesquisadores ligados ao Cern anunciaram ter observado neutrinos ultrapassando essa velocidade. (foto: Sxc.hu/ ilker)

Alguns anos depois, em 1915, Einstein lançou a teoria da relatividade geral (TRG), na qual expandiu a anterior para referencias não-inerciais (ou acelerados), o que resultou no desenvolvimento de uma nova teoria para a gravitação.

Será possível?

Se estiver correta a observação de que os neutrinos produzidos no Cern teriam chegado ao laboratório de Gran Sasso, que fica a 730 km de distância do centro europeu, 60 nanossegundos (ou 60 bilionésimos de segundo) antes do que deveriam, isso significa que eles viajaram mais rápido que a velocidade da luz.

Contudo, quando anunciado, esse dado recebeu muitas críticas da comunidade científica, visto que, se confirmado, derruba o que foi postulado por nada mais nada menos que o principal físico do século 20.

O grande ceticismo em relação ao resultado desse experimento é que a TRE é uma das teorias físicas mais bem testadas. Os equipamentos usados na mecânica quântica – inclusive o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o maior acelerador de partículas do mundo, localizado no Cern – são projetados com base nessa teoria. Se não fosse assim, os experimentos não funcionariam.

Palestra ministrada pelo físico Dario Auterio
Plateia da palestra ministrada pelo físico Dario Auterio, em 23/09/11, sobre os resultados do experimento com os neutrinos ultravelozes, do qual é um dos autores. O feito foi recebido com ceticismo pela comunidade científica. (foto: Maximilien Brice e Benoit Jeannet/ Cern)

Outra questão que foi levantada é o fato de os neutrinos serem produzidos a alta energia nas supernovas, estrelas muito massivas que, no seu estágio final, realizam uma contração grande o suficiente para desencadear um processo de produção de energia tal que as faz brilhar mais do que uma galáxia inteira por um intervalo de tempo de alguns meses.

A maior parte da energia desse processo flui para fora da estrela na forma de neutrinos. Como eles interagem pouco com a matéria, escapam da supernova quase que imediatamente, enquanto os fótons, segundo as previsões teóricas, levariam cerca de três horas para deixá-las.

Em 1987, ocorreu a explosão de uma supernova (chamada Shelton ou SN1987A) na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite a nossa que está a aproximadamente 168 mil anos-luz de nós.

Nesse evento, milhões de neutrinos chegaram à Terra três horas antes de a luz ser detectada, como era esperado. Se esses neutrinos viajassem mais rápido que a luz, como afirma esse recente experimento, eles teriam chegado cerca de cinco anos antes!

Reviravolta?

Curiosamente, a descoberta que valeu o Prêmio Nobel de Física deste ano também está associada à observação de supernovas – de um tipo particular conhecido como IA.

De forma independente, dois grupos – Perlmutter e Schmidt lideravam equipes de pesquisa concorrentes, com Riess pertencendo à segunda – encontraram cerca de 50 supernovas. Ao medir o seu brilho, os pesquisadores observaram que ele era menos intenso do que o esperado, o que os levou a concluir que a expansão do universo estava acelerando.

Einstein previu a expansão do universo ao aplicar a teoria da relatividade geral para explicar a estrutura do universo como um todo. Na época, como não havia qualquer evidência do universo em expansão, o físico adicionou um termo a suas equações que funcionava como uma força gravitacional repulsiva para contrabalancear a ação gravitacional (que é atrativa), gerando assim um universo estático.

Telescópio usado por Edwin Hubble
Telescópio usado por Edwin Hubble na descoberta da expansão do universo. (foto: Andrew Dunn/ CC BY-SA 2.0)

Em 1929, quando o astrônomo estadunidense Edwin Hubble (1889-1953) observou pela primeira vez a expansão do universo, Einstein apontou a suposta força gravitacional repulsiva que havia criado como o maior erro da sua carreira.

A expansão acelerada do universo é atualmente atribuída à chamada ‘energia escura’, que seria responsável por mais de 70% do universo, mas da qual se sabe ainda muito pouco. 

O efeito da energia escura só pode ser observado em galáxias mais antigas do que a nossa, com aproximadamente cinco bilhões de anos, onde a matéria já teria se dispersado o suficiente para que essa força começasse a suplantar a gravidade e acelerasse a expansão do universo.

Diferentemente do experimento realizado no Cern, a aceleração da expansão do universo foi comprovada por outras observações e por outros experimentos.

Diferentemente do experimento realizado no Cern, a aceleração da expansão do universo foi comprovada por outras observações

Por outro lado, se de fato os neutrinos viajam mais rápido do que a luz, os modelos usados atualmente para compreender as supernovas talvez tenham que ser modificados e pode ser que isso interfira na interpretação das observações que mostraram que a expansão do universo está acelerada.

Dessa forma, ainda teremos muitos debates e somente novos experimentos mostrarão se o Dr. Einstein estava correto.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos