Quer viver para sempre?

O envelhecimento em ação: cinco auto-retratos do pintor holandês Rembrandt van Rijn (1606-1689), pintados entre seus 23 e 63 anos. Da esquerda para a direita, as telas são de 1629,1634, 1640, 1660 e 1669.

Dercy Goncalves é uma pessoa que não passa despercebida. Com seu temperamento forte, sua irreverência, suas opiniões controversas e quase cem anos de idade, ela enfrentou diversos obstáculos em sua vida, inclusive um câncer de estômago aos 84 anos. Diversas vezes ouvimos que o câncer é algo que, mais cedo ou mais tarde, nos alcança, ou seja, quanto mais vivemos, maiores as chances de termos um. Porém, pesquisas recentes têm revelado outros lados dessa relação entre câncer e envelhecimento.

Todas as células têm um período de vida finito – que vai de alguns dias até vários anos –, após o qual elas param de se dividir e entram em uma fase conhecida como “senescência replicativa”, sendo posteriormente eliminadas. Os telômeros, alguns dos responsáveis pelo controle da senescência, descritos em 1990 pela equipe de Carol Greider, da Universidade Johns Hopkins (EUA), são hoje bem conhecidos. Essas estruturas são complexos formados por proteínas, RNA e seqüências repetidas de DNA (TTAGGG em mamíferos) que ‘encapam’ as pontas de nossos cromossomos e impedem sua degradação.

Um dos fatores responsáveis pelo controle do envelhecimento é a ação dos telômeros –estruturas situadas na ponta dos cromossomos, representadas em amarelo na imagem acima (reprodução: www.genome.gov)

As células perdem, à medida que se dividem, a capacidade de manterem a integridade de seus telômeros. Quando as extensões dessas estruturas tornam-se criticamente curtas, as células param de se dividir e entram em senescência replicativa. Nas células-tronco e nas células tumorais isso não ocorre, porque uma enzima – a telomerase – adiciona essas repetições de DNA aos telômeros, ampliando a vida desses tipos celulares. O encurtamento dos telômeros é, portanto, um mecanismo de controle da longevidade celular, que evita a ocorrência de defeitos genéticos mais freqüentes com a senescência celular.

Assim, se soubermos como manter a telomerase ativa, teremos uma arma valiosa contra o envelhecimento. Por outro lado, se formos capazes de bloquear a ação dessa enzima nas células tumorais, poderemos vencer várias batalhas contra o câncer.

Testes clínicos
Alguns inibidores de telomerase, como o GRN163L, estão sendo usados em testes clínicos nos EUA em pacientes portadores de neoplasias. Porém, a inibição dessa enzima também leva ao aparecimento características ligadas ao envelhecimento. Em camundongos, por exemplo, o procedimento provoca a perda de pêlo e dificuldades de cicatrização.

Pesquisas realizadas pelo grupo de Daniel Peeper, do Instituto Holandês do Câncer, em Amsterdã, mostraram que células cancerosas em estágios iniciais de desenvolvimento exibem sinais de envelhecimento induzidos por oncogenes – proteínas que promovem o surgimento de câncer.

Esse processo pode ser utilizado por nosso organismo para inativar as células que sofreram mutação. Contudo, embora as células senescentes não se dividam, elas não são inertes e secretam diversas moléculas que afetam o equilíbrio do organismo e contribuem para o surgimento de características ligadas ao envelhecimento. Estudos indicam que as células senescentes secretam fatores que estimulam outras células a se tornarem tumorais.

Outro aspecto associado com o câncer e o envelhecimento é a abundância de moléculas reativas de oxigênio em ambos os processos. A relação entre o envelhecimento e a ação de radicais livres, proposta há 50 anos por Denham Harman, da Universidade de Nebraska (EUA), indica que os organismos podem viver mais se sofrerem um menor estresse oxidativo. Esse processo danifica as células e é decorrente do acúmulo de moléculas reativas de oxigênio com elétrons desemparelhados gerados em reações de degradação de compostos químicos. A presença de moléculas reativas de oxigênio pode acelerar o encurtamento dos telômeros e, assim, causar a senescência.

Danos ao DNA também têm sido associados ao câncer e ao envelhecimento. Observações indicam que, na fase inicial dos tumores, ocorre a ativação de um mecanismo de reparo do DNA que previne o surgimento de tumores. Contudo, posteriormente, mutações inibem esse mecanismo e ativam processos que culminam com a progressão tumoral.

As relações entre câncer e envelhecimento, que apenas recentemente começaram a ser conhecidas, indicam caminhos promissores para que possamos ter a esperança de viver uma vida longa e saudável e, quem sabe, torcer junto com nossos tataranetos pelo vigésimo título mundial do Brasil na Copa de 2086 (note que estou deixando cinco títulos para as outras seleções…).
 

Jerry Carvalho Borges
Universidade do Texas em San Antonio
(pós-doutorando)
19/05/2006