É no começo do ano, sobretudo em janeiro e fevereiro, que ocorrem tempestades frequentemente acompanhadas de raios e trovões. Nos primeiros dias de 2015, houve várias mortes decorrentes de tempestades, em particular devido à queda de raios. Embora comuns, esses fenômenos atmosféricos despertam medo e apreensão na humanidade há milênios.
Ao longo da história, muitos povos associaram suas divindades às tempestades, pois, em razão de sua intensidade e por serem incontroláveis, podiam causar destruição. Para os católicos, Santa Bárbara protege contra tempestades, raios e trovões; na umbanda, Inhansã é o orixá dos ventos e das tempestades. Até os super-heróis das histórias em quadrinhos, como Thor (baseado no deus do trovão da mitologia nórdica), estão associados ao poder das tempestades.
Os fenômenos que mais chamam a atenção nas tempestades são os relâmpagos, raios e trovões. Os relâmpagos são os processos de descarga elétrica na atmosfera; os raios são designados coloquialmente como o caminho luminoso da descarga atmosférica quando esta atinge o solo; já os trovões são os efeitos sonoros da descarga elétrica atmosférica decorrente da expansão abrupta do ar aquecido pela descarga.
A formação das cargas elétricas nas nuvens de tempestades surge da colisão das partículas de gelo, água e granizo em seu interior. Acredita-se que o granizo, mais pesado que os cristais de gelo, fica carregado negativamente (com excesso de elétrons), enquanto os cristais de gelo ficam carregados positivamente (com falta de elétrons). Por isso, a maioria das nuvens de tempestade tem o centro de cargas negativas embaixo e um centro de cargas positivas na parte superior.
Os relâmpagos surgem quando a concentração de cargas do centro positivo e negativo da nuvem cresce muito, e o ar à sua volta não age mais como isolante elétrico, permitindo a descarga elétrica entre as regiões de cargas opostas, aniquilando ou diminuindo essas concentrações. É por isso que a maior parte das descargas elétricas ocorre dentro das nuvens. Mas as cargas aí presentes podem induzir cargas opostas no solo e provocar descargas, formando o raio.
Para tornar mais claro o processo de carregamento elétrico nas nuvens, podemos fazer uma comparação (algo grosseira) com os processos de eletrização por atrito. Muita gente já experimentou passar um pente no cabelo e depois aproximá-lo de pequenos pedaços de papel. O que percebemos é que os pedaços de papel são atraídos.
O pente atritado ‘perde’ carga elétrica, ficando carregado positivamente. Quando o aproximamos dos pedaços de papel, há atração, porque as cargas elétricas negativas (que são induzidas no papel) são atraídas pelas positivas. Muitas pessoas relatam também experiências de ‘choque elétrico’ em dias muito secos, ao tocar, por exemplo, um portão metálico quando descem do carro.
O contato da roupa com o banco do veículo faz com que ocorra um atrito que eletriza a pessoa. Como os calçados nos isolam eletricamente do solo, ao tocar o portão, ocorre uma descarga elétrica. Atualmente os revestimentos dos bancos tentam minimizar esse efeito.
O papel dos para-raios
O fenômeno dos raios das nuvens é espetacular. A voltagem de um deles está entre 100 milhões e 1 bilhão de Volts (V), e a corrente é da ordem de 30 mil Ampères (A). Nas tomadas de nossas casas, a voltagem é de 127 V ou 220 V, e a corrente elétrica que passa em um chuveiro elétrico é da ordem de 30 a 40 A.
Na energia liberada em um raio, só uma pequena fração é convertida em energia elétrica; a maior parte se transforma em calor, luz, som e ondas de rádio. A fração convertida em energia elétrica é da ordem de 300 quilowatts-hora (kWh), aproximadamente o mesmo que consumiria uma lâmpada de 100 W acesa durante alguns meses.
Os para-raios, geralmente instalados em pontos elevados de determinada área, não atraem ou repelem raios, nem funcionam para descarregar nuvens. Seu objetivo é oferecer ao raio um caminho mais fácil para chegar ao solo, sem cair sobre as pessoas ou sobre outros objetos.
Os acidentes causados por raios podem ser devastadores. Não só podem causar mortes, mas também provocar incêndios e explosões. No Brasil caem cerca de 50 milhões de raios por ano, e isso acontece porque nosso país tem a maior zona tropical do planeta, onde o clima é mais quente e, portanto, mais favorável à formação de tempestades e raios.
Mitos e verdades
Há muitos mitos em relação a como se proteger de raios, como, por exemplo, cobrir espelhos, não pegar em facas e garfos, entre outros objetos metálicos. O mito do espelho pode estar relacionado com o fato de ele refletir os clarões causados pelos raios e também porque antigamente ele costumava ficar em grandes estruturas metálicas. Objetos de metal no interior de casas não têm como atrair raios.
Mas, de fato, se houver uma tempestade com raios, alguns cuidados são importantes, como evitar a rua e outros ambientes abertos. Os melhores abrigos são automóveis (desde que não sejam conversíveis) ou ônibus.
Carros ou ônibus nos protegem de raios não só por ter pneus, que ajudam a nos isolar eletricamente do chão, mas também porque, caso haja uma descarga elétrica, o raio ficará na superfície metálica, não conseguindo penetrar no interior do veículo.
Devemos também evitar ficar próximos ou debaixo de árvores ou em terrenos descampados. Nessas situações, ficamos muito vulneráveis se ocorrer uma descarga elétrica. Se estivermos em casa, devemos evitar o uso de telefone com fio ou celular ligado à rede elétrica, bem como tocar em equipamentos elétricos, pois um raio pode cair na rede elétrica e transmitir uma corrente muito intensa. Também não é prudente ficar próximo de estruturas metálicas.
Os fenômenos naturais acontecem, e, quase sempre, seus efeitos não podem ser evitados. O que podemos fazer é conhecê-los melhor, para nos proteger e prevenir de suas consequências. Afinal, compreender a natureza é o que nos torna mais integrados a ela.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos