Rumo à energia solar mais eficiente

Quem estudou noções de mecânica quântica no início dos anos 1970 e nunca mais voltou a ler sobre o assunto haverá de ter algum espanto ao tomar conhecimento dos avanços modernos nessa área. Mesmo quem vem acompanhando essa evolução pelo noticiário científico – caso deste colunista – toma às vezes seus sobressaltos.

Uma das propriedades mais intrigantes da teoria quântica é a dualidade partícula-onda, formulada pelo francês Louis de Broglie (1892-1987)  no início dos anos 1920 e logo depois verificada experimentalmente. Todos os materiais apresentam essa propriedade, mas ela só pode ser observada com os recursos tecnológicos disponíveis em materiais com dimensões nanométricas. Ela foi observada pela primeira em experimentos com elétrons.

A dualidade onda-partícula é tão inusitada quanto promissora para o desenvolvimento de tecnologias

Uma partícula como o elétron, o próton ou o nêutron ora apresenta comportamento típico de uma partícula, ora de uma onda.

É melhor não perdermos tempo agora tentando entender as razões dessa esquisitice da natureza – tratemos apenas de aceitá-la.

Tudo indica que é assim mesmo, e isso nos basta por ora. Tanto é assim que entre os fabricantes de células solares reina grande expectativa de que recentes descobertas se transformem em produtos que funcionarão graças à dualidade partícula-onda, tão inusitada do ponto científico quanto promissora para o desenvolvimento de novas tecnologias.

Early Bird
Gerar eletricidade para alimentar satélites é uma das inúmeras aplicações das células solares. O ‘Early Bird’, primeiro satélite de comunicações posto em órbita (em 1965), contou com 6 mil dessas células, que transformavam a energia do Sol em eletricidade para a operação do equipamento e para sua comunicação com a Terra (foto: Nasa).

Ótima, mas ineficiente

A célula solar é um dispositivo semicondutor que transforma energia solar em corrente elétrica. É uma ótima invenção e tem sido usada em incontáveis equipamentos (inclusive em satélites como o da foto acima), mas é muito ineficiente. Teoricamente, a célula solar só aproveita 30% da energia incidente.

Nos anos 1960, os dispositivos mais eficientes não ultrapassavam 14% no aproveitamento energético. Atualmente esse piso está por volta de 20%.  Portanto, mais de 80% da energia solar é perdida, principalmente sob a forma de calor. Boa parte da explicação para essa limitação tem a ver com o processo de condução elétrica nos semicondutores, assunto de que tratei na coluna de fevereiro de 2009.

Mais de 80% da energia solar é perdida, principalmente sob a forma de calor

Em condições normais, os semicondutores não conduzem eletricidade porque seus elétrons estão presos na banda de valência. Quando um feixe de luz incide sobre o material, elétrons da banda de valência são transferidos para a banda de condução, dependendo da energia que separa as duas bandas, que deve ser menor ou igual à energia do feixe (ou energia do fóton incidente, na linguagem técnica).

Quando fótons de altas energias incidem em semicondutores com pequena separação de energia entre bandas, pares de elétrons e lacunas altamente energéticas são gerados e rapidamente absorvidos pela rede cristalina, gerando uma espécie de ondulação, tecnicamente conhecida como fônons.

O processo é realmente rápido – dura algo como 1 picossegundo, a trilionésima parte de um segundo. Esse é um dos mecanismos responsáveis pela baixa eficiência mencionada acima.

Sopa quântica

O alvoroço todo agora é porque pesquisadores da Universidade do Texas, em Austin (EUA), anunciaram na Science de 18 de junho a descoberta de um modo de evitar ou minimizar a perda de energia causada por esse mecanismo. Para isso, basta usar uma ‘sopa de pontinhos quânticos’ que você já, já vai entender como funciona.

A deixa para essa inovação estava no ar desde 2008, quando foi publicado um trabalho de Philippe Guyot-Sionnest e seus colegas da Universidade de Chicago (EUA). Esse grupo descobriu que os elétrons quentes (altamente energéticos) podiam ser lentamente resfriados se o material semicondutor fosse produzido sob a forma de um coloide de pontos quânticos, que apelidamos de sopa de pontinhos quânticos.

E esse foi precisamente o conceito usado pelos pesquisadores da Universidade do Texas. Eles utilizaram coloide de pontos quânticos de seleneto de chumbo (PbSe), depositado sobre dióxido de titânio (TiO2) – confira uma representação do dispositivo no esquema abaixo.

Pontos quânticos
Estimulados pela luz do Sol, os pontos quânticos do nanocristal de seleneto de chumbo absorvem a energia solar e transferem elétrons ‘quentes’ para o dióxido de titânio. O processo pode levar ao desenvolvimento de células solares mais eficazes (arte: Univ. do Texas/Austin).

Como explicar?

A lentidão do resfriamento permitido por essa inovação abre a possibilidade de maior aproveitamento da energia, aumentando a eficiência teórica das células solares para 66%, na avaliação dos pesquisadores texanos. É natural que os fabricantes estejam interessados nesse impressionante percentual como trampolim para a produção de equipamentos economicamente mais rentáveis.

Já no que me diz respeito, o que interessa é a explicação do fenômeno. E a primeira questão que me ocorre é: o que tem um semicondutor coloidal de diferente que faz dele um conversor de energia solar menos perdulário?

A descoberta dos pesquisadores texanos pode aumentar para 66% a eficiência teórica das células solares

Semicondutores nesse estado físico têm em alto grau uma propriedade que já é conhecida desde os anos 1970, denominada confinamento quântico. Os buracos no campo de golfe nos ajudam a visualizar esse fenômeno: quando a bola é colocada no buraco, ela fica ali até que alguém a retire.

O confinamento quântico se processa em algo que se denomina poço de potencial, análogo ao buraco no campo de golfe. No entanto, por causa da dualidade partícula-onda, o elétron (ou qualquer outro objeto nanoscópico) não fica restrito àquele espaço correspondente ao buraco – ele também pode ser localizado fora, e, dependendo de algumas propriedades físicas do material, a onda eletrônica pode se estender a locais bem longe do poço.

Este é o caso dos pontos quânticos de seleneto de chumbo, em que as duas faces da dualidade partícula-onda contribuem para aumentar a eficiência da conversão da energia solar em corrente elétrica.

Em primeiro lugar, por causa das dimensões reduzidas desses pontos, inferiores a 10 nanômetros, os elétrons e as lacunas geradas pela luz solar ficam fortemente confinados nos poços quânticos, circunstância que favorece a interação entre eles. Assim, a energia que sobrou depois da produção de um par elétron-lacuna pode ser transferida para um elétron na banda de valência, elevando-o até a banda de condução. Isso aumenta a corrente no material semicondutor.

O uso tecnológico de pontos quânticos não é novidade

Por outro lado, como a função de onda do elétron pode ser localizada em pontos distantes dos poços quânticos, elétrons podem saltar dali, como uma onda, para criar corrente elétrica em algum material adjacente.

Os pesquisadores da Universidade do Texas usaram dióxido de titânio como receptor desses elétrons provenientes dos pontos quânticos, com a expectativa de que ele sirva de ponte para o funcionamento de circuitos operacionais.

Seleneto de cádmio
Frascos com soluções de seleneto de cádmio, nanopartículas metálicas que assumem cores diferentes em função do seu tamanho. Por apresentar as duas faces da dualidade partícula-onda, materiais com pontos quânticos como esse têm o potencial de aumentar a eficiência da conversão da energia solar em corrente elétrica (foto: MSFC/Nasa).

O uso tecnológico de pontos quânticos não é novidade. Dependendo do tamanho, essas nanopartículas emitem luz do amarelo ao violeta, sendo esta emitida pelas partículas menores. Inúmeros produtos já estão disponíveis no comércio com esses materiais. Podemos citar marcadores biológicos fluorescentes, painéis luminosos e lasers, por exemplo.

Mas o uso em célula solar ainda está no início da fase laboratorial: aguardemos até que a inovação recém-proposta pelo grupo texano possa chegar aos quintais de todo o planeta para melhorar a eficiência de conversão da mais abundante forma de energia que conhecemos.

Carlos Alberto dos Santos
Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação
Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila)