SOS dinossauros

O que esperar da pesquisa paleontológica brasileira nos próximos anos? Essa pergunta é feita já há algum tempo pelos cientistas que se dedicam a estudar os vestígios da vida no passado geológico do nosso planeta. A questão se torna quase dramática se for levada em conta a grave situação econômica que o país atravessa desde o início do ano. Se até na segurança pública e em projetos sociais estão previstos cortes, iniciativas visando à pesquisa científica, particularmente aquelas que não são diretamente aplicadas, sempre tendem a ser as mais afetadas.

No caso da paleontologia, não é de agora que o problema causa inquietação. Para reivindicar mais recursos para a área e mudanças na política de fomento à pesquisa no Brasil, foi criada no início deste ano a campanha SOS Dinossauros, que tem ganhado bastante espaço na mídia (veja alguns exemplos aqui, aqui e aqui).

Fósseis são raros

Como é de conhecimento geral, o estudo dos fósseis é uma atividade bem complexa, devido à natureza errática da preservação dos vestígios de organismos nas rochas. Após a sua morte, a tendência natural do organismo é ser decomposto pela ação de vários processos, culminando com sua destruição total. Tal fato dificulta todo o processo de estudo desse tipo de material, o que se inicia na própria coleta.

Além de a atividade de campo demandar muito tempo, dificilmente um paleontólogo terá a certeza do que vai encontrar quando a desenvolve. Não por acaso muitos dos principais achados são realizados por pessoas locais, com pouco conhecimento técnico, que vivem em regiões onde ocorrem depósitos fossilíferos.

Mesmo quando a ‘sorte’ está ao seu lado, após coletar o fóssil e trazê-lo para o laboratório em sua instituição, o pesquisador ainda tem que esperar por muito tempo para ter uma real dimensão do seu achado, já que o exemplar precisa ser preparado antes de ser estudado.

Preparação de fóssil
Trabalho de preparação, onde a rocha é retirada do material fóssil. Essa etapa pode ser bastante demorada e, até que esteja bem adiantada, o pesquisador não tem a exata noção da importância de sua descoberta. (foto: Alexander Kellner)

A preparação de um fóssil pode demorar anos, pois é necessário remover a rocha em que ele se encontra preservado. E se for um animal de grandes proporções, como um dinossauro de mais de 10 metros, a demora é considerável.

Financiadores da pesquisa

Como tem sido praxe desde que foi criado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é o principal agente de financiamento de pesquisa no Brasil. Graças a essa agência de fomento, cientistas de todas as áreas do saber têm conseguido – em maior ou menor grau – instalar e manter os seus laboratórios. A ideia central que norteia a sua criação, em 1951, é a de dar origem a uma entidade governamental para fomentar o desenvolvimento das pesquisas científicas brasileiras.

No decorrer dos anos, também surgiram organizações para financiar a pesquisa em nível estadual: as FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa). Muitas delas são extremamente ativas, como a Faperj no Rio de Janeiro e a Fapesp em São Paulo. Mas o CNPq continua sendo a principal agência de financiamento do país.

Para organizar a demanda de pesquisas, o CNPq possui comitês de assessoramento, que hoje são quase 50. Quando eu ainda era aluno (e lá se vão algumas décadas…), todo mundo que quisesse estudar dinossauros e outros fósseis submetia projetos na área denominada de geociências e estes competiam com os demais apresentados para as áreas de geografia, meteorologia, mineralogia, entre outros. Essa situação é reflexo daquele tempo, uma vez que a grande maioria dos paleontólogos se graduava em geologia para depois fazer uma pós-graduação mais voltada para o estudo dos fósseis.

No entanto, isso mudou muito. Com exceção dos alunos interessados em microfósseis e na geologia do petróleo, para os quais uma graduação em geologia ainda é o mais recomendado, a maioria dos alunos interessados em seguir carreira na paleontologia tende a fazer uma graduação relacionada às ciências biológicas. Isso faz todo o sentido, já que o conhecimento dos distintos aspectos referentes aos organismos atuais é muito importante para compreender os organismos do passado.

Existe um problema que tem sido detectado ao longo dos últimos anos: a ‘raridade’ da concessão de auxílio para paleontólogos!

Sendo assim, o CNPq passou a avaliar os projetos de paleozoologia e paleobotânica nos comitês de Zoologia e Botânica, respectivamente, e manteve a avaliação das pesquisas que envolvem uma aplicação mais estratigráfica (paleontologia estratigráfica) no Comitê de Geociências. Novamente faz todo o sentido.

No entanto, existe um problema que tem sido detectado ao longo dos últimos anos: a ‘raridade’ da concessão de auxílio para paleontólogos! Como milito na paleozoologia, somente posso falar sobre essa área. Infelizmente, a constatação é muito triste: poucos são os colegas que têm projetos aprovados. Sobretudo para a geração mais nova, o caminho tem sido árduo e difícil. E o que é pior: desestimulante…

Tal fato faz com que muitos paleozoólogos, até mesmo por instinto de sobrevivência, acabem tentando adaptar os seus projetos, visando a uma abordagem mais ‘estratigráfica’ e, assim, submetendo-os ao Comitê de Geociências. Em muitos casos, trata-se de uma tentativa de não ser cientificamente ‘extinto’. Olhando o resultado do último edital universal do CNPq, não há como negar que o Comitê de Geociências foi bem mais generoso do que o Comitê de Zoologia, que aprovou apenas dois projetos…

O cenário das bolsas de produtividade de pesquisa outorgadas pelo CNPq também é muito negativo para a paleozoologia: apenas dois profissionais têm essas bolsas. E o mais triste: comparando os currículos de pesquisadores de diversas áreas, algo que qualquer um pode fazer utilizando-se a Plataforma Lattes, não há explicação para a situação dos paleozoólogos.

Solução

Curiosamente, de forma geral, a paleontologia no nosso país tem melhorado. Isso se dá, entre outros fatores, devido ao trabalho de divulgação científica que foi bastante intensificado a partir da exposição ‘No tempo dos dinossauros’. Essa mostra, organizada pelo Museu Nacional/ UFRJ em parceria com o Museu de Ciências da Terra em 1999 e patrocinada pela Petrobras (bons tempos…), despertou o interesse da sociedade brasileira pelas pesquisas paleontológicas nacionais, o que, por sua vez, aumentou o interesse de estudantes em desenvolver carreira nessa área do saber.

Dinoprata
Esqueleto de ‘Maxakalisaurus topei’ (o Dinoprata), montado no Museu Nacional/ UFRJ, Rio de Janeiro. A preparação desse dinossauro de 13 metros levou mais de cinco anos. (foto: Alexander Kellner)

Assim, muitos paleontólogos, particularmente os formados mais recentemente, conseguiram se fixar nas universidades em programas de graduação e pós-graduação em ciências biológicas. O problema é que, se esses jovens pesquisadores não tiverem acesso a recursos, ficarão extremamente restritos em suas pesquisas e terão dificuldades de desenvolver carreiras de destaque e atrair novos alunos. Se essa situação não se modificar em médio prazo, o retrocesso na pesquisa paleontológica será muito grande.

O quadro só não é pior devido à grande atividade das FAPs, como a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), além das já citadas Faperj e Fapesp, que têm financiado a pesquisa dos paleozoólogos, inclusive os projetos de divulgação científica. Aliás, nessa área em particular, é um sofrimento para um paleontólogo obter algo do CNPq…

Tal atitude está em desacordo com o que ocorre em outros países, já que é de conhecimento geral o interesse despertado pelos fósseis, tendo os dinossauros como carro-chefe, nas exposições de história natural. Nunca é demais relembrar que, ao atrair a população, iniciando-se pelas crianças, os museus na Europa, nos Estados Unidos e em muitos países da Ásia têm sido ferramentas essenciais para complementar a educação da população nas mais variadas questões científicas.

A criação de um comitê para a paleontologia seria a opção ideal, já que os projetos de paleontólogos seriam julgados pelos próprios profissionais da área

Qual seria uma solução para essa situação? Bem simples: a criação de um comitê para a paleontologia. Essa seria a opção ideal, já que os projetos de paleontólogos seriam julgados pelos próprios profissionais da área, como o que ocorre nos demais comitês.

Enquanto isso não ocorre, os comitês poderiam requisitar a participação de um paleontólogo na avaliação final dos projetos e bolsas. No caso da zoologia, essa solicitação já foi feita no ano passado diretamente às instâncias de decisão do CNPq, por meio de um abaixo-assinado com mais de 150 nomes, entre pesquisadores, alunos e técnicos da área. A resposta, bem-intencionada, mas demonstrando total falta de sincronia com a realidade vivida pelos paleontólogos, basicamente diz “não haver demanda suficiente…”.

Claro que a demanda caiu: quem pode se enquadra em outros comitês do CNPq e, literalmente, ‘foge’ da zoologia. Outros simplesmente se sentem por demais desestimulados para novamente enviar um projeto ou solicitação de bolsa.

Não seria o caso de o CNPq se lembrar dos ideais que nortearam a sua criação, como o estímulo ao desenvolvimento científico?

Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Flaviana Lima (UFPE) e colegas acabam de publicar nos Anais da Academia Brasileira de Ciências a descoberta de uma nova angiosperma encontrada na Bacia do Araripe, no nordeste do Brasil. Conhecida a partir de uma folha procedente de depósitos formados há aproximadamente 115 milhões de anos, a espécie Cratosmilax jacksoni é o registro mais antigo do grupo Smilacaceae, demonstrando a alta diversidade das angiospermas naquela região durante o Cretáceo Inferior.

Os pesquisadores japoneses Yasuyuki Nakamura (University of the Ryukyus, Okinawa) e Hidetoshi Ota (Museum of Nature and Human Activities, Hyogo) publicaram um estudo sobre anfíbios fósseis encontrados em depósitos formados entre o Pleistoceno e o Holoceno na ilha de Okinawajima, Japão. Os autores concluíram que aquela região da ilha abrigava uma floresta úmida e densa que, ao longo do tempo, se transformou em uma área bem mais árida, a partir da metade do Holoceno. A pesquisa foi publicada na Palaeontologia Electronica.

Acaba de ser publicada na Palaeontology a descoberta de uma nova localidade com mamíferos fósseis na Amazônia. Restos de pelo menos 24 espécies, incluindo um marsupial, foram encontrados em depósitos do Mioceno médio (cerca de 13 milhões de anos) no Peru durante expedições realizadas entre 2005 e 2007. O estudo foi liderado por Julia Tejada-Lara (University of Florida, Estados Unidos).

De 3 a 7 de março de 2015 será realizado no Instituto de Biociências da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) o I Encontro Nacional de Ensino de Geociências na Educação Básica. O objetivo principal do evento é promover a troca de informações entre pesquisadores e educadores sobre questões relacionadas ao ensino das Geociências. Mais informações no site do evento.

A descoberta de uma nova espécie de mosquito hematófago procedente de depósitos cretáceos da Birmânia foi publicada na Cretaceous Research. Além da nova espécie, denominada de Leptoconops ellenbergeri, Ryszard Szadziewski (University of Gdanks, Polônia) e colegas estabeleceram as principais características de cada uma das espécies do gênero Leptoconops.

O Museu Nacional/ UFRJ reabriu as suas portas! A mais antiga instituição de pesquisa da América Latina e que em breve vai comemorar o seu bicentenário teve que suspender as visitas do público no dia 12 de janeiro pela falta de pagamento de funcionários terceirizados de limpeza e segurança. Depois de quase duas semanas, felizmente a situação foi revertida.