Sustentabilidade e empresas: rolou um clima?

Sustentabilidade e equidade são palavras que lemos e ouvimos cada vez mais. Esses termos foram divulgados e popularizados sobretudo após a conferência Rio 92, mas, na grande maioria dos casos, são usados para lustrar a imagem de empresas e instituições que percebem que eleitores e consumidores estão de fato preocupados com estas duas importantes questões e têm expectativa de que as empresas se comprometam com as mesmas de alguma maneira.

Publicar um encarte de página dupla em revista de grande circulação, mesmo com muito verde, e com gente pobre, mas limpinha, simpática e com todos os dentes, não vale. Mandar cartinhas de papel reciclado aos clientes e continuar usando o papel de sempre na sede da empresa, também não. Chamar um carro flex de Eco qualquer coisa, menos ainda. Dizer que seu banco é o banco do planeta, fala sério. Tudo isso é green washing, uma versão da boa e velha falsidade ideológica, ou do oportunismo esperto, aplicado a temas socioambientais. Mas, quando empresas de porte passam a incluir questões relativas a sustentabilidade em seus planos de negócio e não apenas em suas campanhas publicitárias, é sinal de que o vento mudou.

Água e energia escassearam e encareceram; matérias primas, idem; a seca e o calor castigam duramente a maior parte do país; enchentes maltratam o restante, tornando realidade os avisos insistentes, pelos cientistas do ramo, de que as mudanças climáticas provocadas pelos humanos custariam muito caro à espécie e que não fazer nada a respeito custaria mais caro ainda. Quem sabe estas empresas estejam, finalmente, admitindo que aquela história da conexão entre desmatamento no norte do país e seca no sul talvez tenha algum fundamento? E talvez acreditem, agora, que o vaticínio de que esse desmatamento tem potencial para paralisar agricultura e indústria do sudeste e centro-oeste do Brasil não era nenhum exagero.

 

O que talvez seja um bom presságio

Seja como for, surgiu uma notícia surpreendente e recente, que a grande imprensa preferiu ignorar. Descobri-a em um editorial de Tasso Azevedo em O Globo. Pesquisando, vi que outras páginas na internet também haviam noticiado o lançamento da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura
Lançada oficialmente em junho de 2015, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura tem como objetivo unir esforços para a elaboração de uma agenda de desenvolvimento sustentável. (foto: Divulgação)

Vejam que nome interessante, que junta itens que raramente andam em trio.  Mais interessante ainda, o local onde a iniciativa foi lançada oficialmente, em 25 de junho de 2015: a sede da Sociedade Rural Brasileira (SRB) na cidade de São Paulo, que não tem exatamente um passado amistoso com as florestas que não sejam plantadas.

Entre as 50 entidades que compõem a iniciativa, figura a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Esta, aliás, realizou, em 3 e 4 de agosto deste ano, seu já tradicional Congresso Brasileiro do Agronegócio, em São Paulo, cujo tema para 2015 foi “Sustentar é integrar”. Embora se possa argumentar que ‘sustentar’ pode sugerir caminhos que não levam à sustentabilidade para todos, mas só para alguns, o momento é grave e requer união, assim como a grandeza de dar crédito de confiança até aos supostos adversários.

Segundo Beatriz Secaf, coordenadora de Sustentabilidade da Abag, “a Coalizão representa um esforço inédito de união de empresas e entidades do setor privado com organizações ambientalistas, em favor de uma agenda comum”. Um dos objetivos da Coalizão, informa a Abag, é colocar em discussão 17 metas que abordam, entre outros temas, a adoção efetiva do Código Florestal, a criação de mecanismos de valorização econômica dos serviços dos ecossistemas e o combate ao desmatamento ilegal.

Um dos objetivos da Coalizão é colocar em discussão metas que abordam, entre outros temas, a adoção efetiva do Código Florestal e o combate ao desmatamento ilegal

A Coalizão se propõe também a atuar no âmbito da Convenção do Clima das Nações Unidas, contribuindo para a proposta brasileira na 21ª Conferência das Partes da Convenção (COP21), marcada para 30 de novembro a 11 de dezembro deste ano, em Paris.

 

A união fazendo a força

Segundo a página da iniciativa, a Coalizão é formada por associações empresariais, empresas, organizações da sociedade e indivíduos interessados em contribuir para o avanço e a sinergia das agendas de proteção, conservação e uso sustentável das florestas, a agricultura sustentável e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, no Brasil e no mundo.

A Coalizão tem um grupo orientador, cuja função é facilitar sua atuação, formado pelas seguintes organizações: Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Diálogo Florestal, Instituto Ethos e Observatório do Clima. Não são más companhias. A iniciativa tem o mérito de pretender reunir atores sociais que raramente sentam na mesma mesa, estando às vezes separados por cordões policiais, quando o arame farpado não resolve mais.

Não imagino tema mais transversal do que a sustentabilidade, nem mais urgente. Para colocá-la em prática vamos mesmo precisar de todo mundo, literalmente. E isto inclui mais gente que o 1% da população que detém cerca de metade das terras do país. Que venham também outras coalizões para a sustentabilidade: da indústria, do comércio, dos serviços, do esporte etc., pois agricultura, pecuária e indústria madeireira são um setor importante da economia, mas não o único. Iniciativas semelhantes serão todas bem-vindas se não forem só mais uma forma de lobby surfando na onda do momento…

Notas
O Diálogo Florestal é uma iniciativa inédita e independente que facilita a interação entre representantes de empresas do setor de base florestal e organizações ambientalistas e movimentos sociais com o objetivo de construir visão e agendas comuns entre esses setores.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social  é uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) cuja missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável.

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro