Tesouros do Texas

Parques nacionais são relativamente comuns nos Estados Unidos. A criação dessas áreas de proteção geralmente tem o propósito de preservar o que sobrou da fauna e flora de um país cujo progresso foi realizado à custa de uma pesada exploração – e destruição – de plantas e animais nativos, com profundas modificações no meio ambiente. O Parque Nacional de Big Bend, por exemplo, reúne uma grande diversidade de plantas e mamíferos, que inclui ursos e o leão-da-montanha. Mas ele tem ainda um atrativo a mais: fósseis!

Esse parque fica situado no Texas, próximo à fronteira com o México. O primeiro registro de animais extintos naquele território foi feito há um século, quando ossos de “sáurios” foram encontrados na região. Desde então, várias espécies de diferentes grupos de vertebrados já foram descobertas ali – muitas das quais permanecem não descritas. Entre elas, estão cerca de 20 espécies peixes, cinco de anfíbios, 50 de répteis e 100 de mamíferos!

Isso sem contar os invertebrados e os troncos que representam diferentes grupos de plantas, muito abundantes em várias camadas na região. Alguns desses troncos chegam a passar dos 20 metros de comprimento, indicando que, onde hoje existe um deserto, havia outrora uma extensa floresta.

Em temos geológicos, as camadas encontradas em Big Bend são divididas nas formações Pen, Aguja e Javelina – estas três de idade cretácea –, que são recobertas por formações formadas no Paleógeno como a Black Peaks ou Hannold Hill. Há ainda rochas mais recentes, como as formações Canoe e Chistos. Algumas dessas unidades ocorrem também no país vizinho, o México, cujo limite com os Estados Unidos no parque é formado pelo rio Grande.

Terra e mar
Durante o Cretáceo houve constantes mudanças do nível do mar, ora avançando sobre o continente, ora regredindo. Isso fez com que houvesse uma intercalação de sedimentos marinhos e continentais, o que explica a ocorrência alternada em Big Bend de moluscos e répteis tipicamente marinhos (como os mosassauros) e animais terrestres como dinossauros e vários grupos de mamíferos.

Entre as descobertas mais surpreendentes feitas naquele parque está o gigantesco crocodilomorfo Deinosuchus, encontrado em rochas da Formação Aguja, do Cretáceo Superior. Acredita-se que o maior indivíduo dessa espécie tenha chegado perto de 15 metros de comprimento!

Dinossauros também foram encontrados ali, tanto carnívoros como herbívoros. Um dos principais achados é o saurópodo Alamosaurus sanjuanensis, que pertence ao grupo dos titanossauros. Muito comuns na América do Sul e África, esses répteis são extraordinariamente raros na Europa, na Ásia e na América do Norte. Novos restos desse grupo de dinossauros estão sendo recuperados atualmente e permitirão avaliar se existia uma ou mais espécies naquelas camadas (clique aqui e aqui para ler mais sobre titanossauros).

No topo da Formação Javelina foi encontrado o maior animal voador de todos os tempos: o pterossauro Quetzalcoatlus northropi. Descrito em 1975 a partir de uma asa incompleta, esse réptil voador tinha uma abertura alar de 15 metros, segundo apontaram estimativas feitas inicialmente. Novos estudos, no entanto, sugerem que ele atingia algo em torno de 10 metros de uma ponta a outra da asa. Ainda assim, essa envergadura supera a de todos os outros animais voadores conhecidos até agora!

Cume do Pterodátilo
Mais pterossauros foram encontrados em outra camada da Formação Javelina. Trata-se de vários restos de uma nova espécie de Quetzalcoatlus, cuja abertura alar girava em torno de 4,5 a 5 metros. Foram encontrados tantos ossos desses répteis voadores, que o local foi batizado de Pterodactyl Ridge (‘Cume do Pterodátilo’). Todas as partes do esqueleto dessa nova espécie, inclusive o crânio e a mandíbula, estão representadas nos fósseis ali encontrados.

A julgar pelos achados realizados até agora, estima-se que o Cume do Pterodátilo abrigou, no mínimo, 10 indivíduos enterrados. A importância dessa descoberta é ter fornecido evidência direta para confirmar uma suspeita que os cientistas nutriam há muito tempo a respeito dos pterossauros: ao que tudo indica, ao menos algumas espécies desses répteis voadores viviam em bandos.

Outro ponto interessante das formações rochosas do Parque Nacional de Big Bend é que elas registram também o limite entre o Cretáceo e o Paleógeno, quando se extinguiram a maioria dos dinossauros. Esse limite ainda não foi bem precisado e mais estudos estão sendo realizados para ajudar a entendê-lo.

Apesar de mais de cem anos de pesquisas paleontológicas já terem sido realizadas em Big Bend, esse parque ainda tem muito a oferecer. O paleontólogo Thomas Lehman, da Universidade Tecnológica do Texas em Lubbock, é um dos muitos pesquisadores que têm mantido um programa contínuo de escavações no local. Lubbock ainda tem vários fósseis não descritos daquela região, ou seja, muitas novidades estão por vir!

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
05/11/2007

Confira mais imagens da pesquisa

Paleocurtas
As últimas do mundo da paleontologia

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Acabam de ser encontrados os mais antigos registros de água-viva (Cnidaria) de que se tem notícia no mundo. Vários exemplares excepcionalmente bem preservados foram coletados em rochas da Formação Marjum (Utah, EUA) com cerca de 505 milhões de anos de idade (Cambriano médio). Alguns deles pertencem a classes e grupos de água-viva ainda encontrados nos oceanos atuais, o que reforça a idéia de que algumas formas de organismos marinhos possuem um registro fóssil bem antigo. O estudo, liderado por Paulyn Cartwright, da Universidade do Kansas (EUA), foi publicado na revista PLoS ONE.
Pegadas fósseis são um problema na paleontologia, pois dificilmente se sabe quem foi o autor das mesmas. Liderados por Sebastian Voigt, da Universidade de Minas e Tecnologia de Friburgo, na Alemanha, pesquisadores acabam de encontrar, pela primeira vez em terrenos de idade Paleozóica, uma associação de pegadas e esqueletos. O material é procedente da Formação Tambach, com cerca de 280 milhões de anos de idade. Comparando a morfologia das mãos e pés tanto de esqueletos como das pegadas preservadas na rocha, os pesquisadores estabeleceram uma associação direta de duas espécies de vertebrados tetrápodes primitivos com dois tipos de pegadas bem distintas, fato extremamente raro. O trabalho acaba de ser capa do Journal of Vertebrate Paleontology.  
A equipe de Peter Mayhew, da Universidade de York (Reino Unido), analisou o registro fóssil dos últimos 520 milhões de anos e o comparou com as temperaturas estimadas da superfície do mar no mesmo período. Eles concluíram que, nas fases em que a temperatura do planeta estava mais quente, com o efeito-estufa em alta, a taxa de extinção era maior do que naquelas em que a temperatura era mais fria. O estudo sugere que o atual aquecimento global tende a diminuir a biodiversidade do planeta no futuro. O estudo foi publicado nos Proceedings of the Royal Society B.
Será realizado em junho de 2008 o simpósio “A vida e os ambientes do Mesozóico médio”, no centro histórico da cidade de Cognac, França. O objetivo do encontro é reunir paleontólogos e geólogos interessados em apresentar novidades relacionadas aos ecossistemas terrestres e litorâneos existente durante o Jurássico Superior e o Cretáceo Inferior. O evento inclui uma visita à mina Cherves-de-Cognac, onde são encontrados muitas escamas de peixes, dentes e crânios de crocodilomorfos. Mais informações: [email protected] .
O Laboratório de Paleontologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP) está organizando o VI Simpósio Brasileiro de Paleontologia. Previsto para o período entre 28 a 30 de maio de 2008, o simpósio deve reunir os mais recentes avanços das pesquisas sobre vertebrados fósseis do Brasil. Mais informações na página do evento.
Zulma Gasparini, do Museu de La Plata (Argentina), e colegas acabaram de editar um volume sobre répteis fósseis da Patagônia. Publicado pela Indiana University Press, o livro Patagonian Mesozoic Reptiles faz um levantamento de grupos como tartarugas, lepidossauros (esfenodontídeos, cobras e lagartos), crocodilomorfos, pterossauros, dinossauros e répteis marinhos, além dos icnofósseis (pegadas).